26.1.07

Romance à moda moderna


Ele não é nada romântico. Nunca falou eu te amo de sopetão. Jamais fez planos impossíveis. Jurar amor eterno então, hunpf.

No início eu achava que era apenas timidez e me consolei com essa desculpa, criada por mim mesma. E a ausência de romantismo não me desiludia. Apenas fazia pensar que era uma espera, que seria devidamente compensada com o tempo. Se ele dizia que eu estava bonita, agradecia, mas ficava esperando um é a mais linda que já conheci. Se ele sorria, aguardava um abraço desses de cansar de ficar na ponta dos pés.

Esperava o romantismo se manifestar e perdia todas as demonstrações mais sinceras de afeto. Idealizar o amor foi um desperdício de tempo. Queria ouvir declarações prontas, promessas absurdas, frases dignas de fim de filme. Esperava refrões de músicas, versos únicos. E querendo tanto, a frustração só era maior.

Queria exageros ditos de um jeito bonito, que parecessem exclusivos. Durante meses, ele dizia verdades e eu buscava clichês. Não entendia que o amor também estava escondido em silêncios e olhares inocentes. Em palavras comuns, sem lágrimas, comoção excessiva, sem Almodóvar.

Enquanto ele era sincero, eu queria mentiras. Queria aquilo ali que vi na tv. Como chegar no supermercado e pedir um amor pronto. E ceguei pro amor sendo construído bem na minha frente. Jogava expectativas para cima dele, tentando abafar inseguranças minhas. Vai ver não reconheci porque não conhecia, tinha referências erradas, entortadas por conceitos surreais de amor e romantismo. Bom que percebi a tempo de me deleitar. Sei que seus sorrisos, quando vêm, são espontâneos. E até seus acessos de sinceridade não me doem. Fazem sorrir.
- Tá com saudade?
- Não, ué, nos vimos há 30 minutos.

O que me deixaria arrasada, agora me faz feliz. Sinto alívio por entender que amor não pede por exclusividade. Amor exercitado com leveza e suavidade não sobrevive sozinho. Não é a base da vida, não rege vontades e desejos, mas se mistura como açúcar em café, tirando o amargo e aumentando o sabor.

Claro que ainda peço afagos quando me cansa dirigir ou quando me sinto feiosa. Mas que venha como dengo e não como uma massagem de ego descarada, um predadorismo romântico, que busca usar o outro para se alimentar.

Como diz minha mãe, a gente não nasce grudado em ninguém. Só na mãe mesmo, e ainda assim, somos separados imediatamente. Viver a dois é viver bem sozinho. E mesmo com medo de admitir e depois me arrepender, acho sim que posso aprender.
Ilustração do romântico à moda moderna, Everson Cabideli.

19.1.07

Desventura


Tenho tanto para ler, escrever e sentir que cansei de tudo isso, chega de palavras bem colocadas, pontos nos finais, vírgulas que separam orações, idéias e separam-me do que mais quero, ficar quieta. Chega de pensar tanto e tentar traduzir e seduzir com linhas retas e curvas. Que se lasque tudo isso, azar o seu, vou chutar esse monte de asneiras e vai ser já. Cansei de pensar em você e querer que você me queira, cansei de esperar um convite seu ou uma palavra que possa se encaixar na outra: — Gostaria de tomar um café comigo? — Tomaria tudo com você, café, chá, cachaça, banho de mar, de piscina ou de espuma.

It’s enough, diria meu professor de inglês. Ou c'est tout, diria Florance, a professora de francês. Pra mim, é chega mesmo. Que mais tenho que fazer para você me notar, hein?
Comprei um hidratante labial com colágeno para deixar meus lábios macios pra você beijar. Mas o tal batom milagroso tem cheiro de percevejo, você nunca vai conseguir me beijar se eu estiver usando isso. Acontece que nem querer me beijar você quer, nem com batom-percevejo nem sem.

Escutei as músicas, li os livros, conheci os lugares de que você gosta, segui você, mas você não me viu, então que se dane. Vou procurar outro para me distrair enquanto o mundo dá voltas ao meu redor e me enrola de tal forma que um ano não traz sequer uma, umazinha pequena mudança na minha vida, no dia após dia que passa por mim sem ao menos acenar para eu achar que as próximas 24 horas serão tão diferentes e intensas quanto o seriado da TV.
Chega de me torturar e suspirar por você, queria muito mais, daria muito mais. Daria da forma que você quisesse, é só mandar que eu faço, direitinho, não sou moça direita, não tenho vergonhas nem pudores. Não, deixa pra lá, já disse que não quero mais – preciso acreditar que sou eu quem está dispensando você no meu cérebro recheado de porcarias. Queria viver um pouquinho só, um tantinho de nada, para poder acumular histórias mais emocionantes do que as que conto agora. Quer uma aventura com direito a frio na barriga, chocolate quente e beijos molhados? Desculpe, tarde demais.

12.1.07

O maior amor do mundo

Começou chupando seus dedos, um por um, devagar, como uma tarde de domingo. Mordiscou-lhes as pontas com uma leve pressão, passou-lhes a língua agora áspera tentando refazer o desenho de cada uma das digitais. Ele suspirava; também não tinha pressa. Esperaram tanto por isso que não pensavam em mais nada a não ser contar os segundos que permaneceriam juntos. Ela deixou os dedos úmidos e começou a brincar com seus mamilos duros fazendo círculos molhados em volta deles, sugando-os com a força necessária, apertando-os com delicadeza.
Ela imaginou essa cena por dias e dias, e tanto foram eles que o tempo não pôde esperar por ela e teve que agir. Deixou seus cabelos mais brancos e com menos brilho, tirou a força das suas coxas, tornou seus seios mais confortáveis. Ele com nada disso se importou. Tinha sua amada pronta em sua cabeça, idealizada, perfeita, de corpo e de alma. Amavam-se tanto que nem o tempo faria estragos no que sentiam um pelo outro. Sabiam, sempre souberam, que o amor que existia entre eles não era para ser vivido, era somente para se sentir.

Não iriam dividir a vida juntos, não teriam problemas, não iriam sofrer, não machucariam um ao outro. Apenas se entregariam à vontade de se olhar, de se tocar, de dormir com as pernas enroladas umas nas outras. Quem sabe, um dia, conseguiriam viajar juntos, pisar juntos pela primeira vez em uma terra, areia ou grama que nem um dos dois ainda tivesse pisado. Este lugar seria deles, assim como uma nova música também seria deles – é sempre assim com os casais apaixonados. E apaixonados eles já eram há muito tempo. Se amavam por palavras, por vozes, por olhares trocados furtivamente.

Agora ele puxava-lhe os cabelos enfiando a mão pela nuca, metendo os dedos entre os cabelos fazendo-a se virar de uma só vez. Ela cedia a cada movimento, como um balé, um tango, um ritmo perfeito onde cada um sabia seu papel. Ela pensou como era grata por tudo que já havia vivido, só assim poderia estar em paz com o que vivia agora, a isso chamam de maturidade e pela primeira vez experimentava as delícias de não ser mais tão nova. Ele ria do seu sorriso e da sua felicidade. Ria com ela, das coisas que dizia, de toda a leveza que tinha. Era a mulher que ele nunca teria; ela o amaria pelo resto da vida.

6.1.07

Nós

Onde desato este fio de lembrança de você que vem toda vez que ouço a canção, sinto o cheiro, mordo qualquer pedaço de tantas coisas?
Ficamos nós, amarrados um ao outro, sem saber como desenrolar cada um dos poucos restos de nós mesmos que ainda estão embolados formando um novelo de cor indefinida.
Sobraram nós que nos atam embaixo do mesmo teto, do mesmo lençol, do mesmo guarda-chuva. Quanto tempo demora para soltar todos os fios que ficaram gastos pelo tempo, puídos pela dor e salgados por tanta lágrima? E que mesmo assim não se soltam, presos por linhas feitas de histórias que agora nem precisam fazer sentido. E melhor assim. Então me ajude aqui com mais esse nó, esse que ainda segura forte, aperta, machuca mas que a gente não quer soltar de jeito nenhum. Porque tantas vezes trançamos pernas, braços e bocas tão bem entrelaçados que não conseguimos entender porque nada mais se encaixa como antes.
Um de nós se soltou mais que o outro e agora vai até onde consegue chegar, mesmo sem querer, mas sabendo que precisa se desenrolar. Até achar o próximo nó.