25.4.07

Hasta la vista




Pela primeira vez vou fazer uma viagem internacional. Melhor, uma viagem internacional com glamour. Já fui ao Paraguai quando tinha 15 anos numa daquelas famigeradas excursões onde o guia fica fazendo de tudo para animar você depois que sua bunda mudou de formato. Preciso confessar que foi uma viagem horrível e até hoje não sei por que me meti nessa roubada. Graças a Deus a gente cresce e aprende que excursão é uma das piores coisas da vida, e indo para o Paraguai então, nem se fala.

Bem, mas a vida me recompensou. Melhor, o trabalho me recompensou. Depois de 14 anos de profissão, pela primeira vez ganho um prêmio que não é apenas um troféu para ficar empoeirando na estante da sala de reunião. Não sei se para você é muita coisa, mas no momento, para mim, fazer esta viagem está sendo o máximo. Enquanto você lê este texto espero estar numa das calles de Buenos Aires admirando cada pedacinho de um lugar totalmente novo para mim.

Já estava bom se a história parasse por aqui. Mas para completar minha felicidade, vou para Buenos Aires com um grande amor. Alguém que convivo há sete anos, com quem divido sorrisos e lágrimas, que admiro até o último fio de cabelo, que posso contar seja a hora que for (mas nunca tive coragem de acordá-la no meio da noite), alguém que sabe mais de mim do que eu mesma.

Algumas coisas na vida só vêm mesmo com o tempo. A calma para aprender a esperar, a sabedoria para aproveitar mais as pequenices do dia-a-dia e a felicidade de saber que ir para Buenos Aires com sua melhor amiga pode ser muito melhor do que ir com qualquer outra pessoa.

18.4.07

Mais do que existe


Foram à festa de um amigo dele. Ela sabia que encontraria pessoas que não conhecia, entre as quais a ex do namorado. Já tinha visto a tal em outra ocasião, mas não lembrava bem de seu rosto. Chegando lá cumprimentou todos, distribuiu sorrisos, teve cuidado pra não ficar com comida entre os dentes, enfim, buscou ser sociável. Só que, por mais que tentasse, seus olhos, quase involuntariamente, buscavam a ex do namorado pela casa. Quando menos esperava, viu a maldita. Quer dizer, a menina. Tinha uma pele morena linda, mas um cabelo feio, credo. Não podia desprezá-la por completo. Afinal, se o homem que a amava já quis um dia estar com aquela vaca, quer dizer, garota, algo de bom ela devia ter.

Se antes já estava difícil, agora não se controlava. Olhava fixamente para a piranha, quer dizer, menina, pensando o que poderia tê-lo atraído nela e desejando, quem sabe, assim, de repente, disparar um laser assassino na cabeça da entojada. Como era previsível, a morena, depois de alguns flagras, percebeu que estava sendo vigiada. Sem relutar um só centímetro, foi caminhando em direção ao casal e cumprimentou os dois naturalmente. Nossa protagonista se sentiu ridícula e envergonhada por ter pensando tão mal da moça.

Minutos depois, a cachorra, quer dizer, a morena, foi para a pista de dança. Junto com as amigas, fazia passinhos sensuais, cantava fazendo caras e bocas e bebericava sua caipirinha. Diante daquela cena, a impressão de que os três beijinhos serviram para selar paz foi pelos ares. Agora estava certa de que a intenção era declarar guerra. Aquele cumprimento não havia sido amistoso. Na legenda estava lá “Quero ele de volta. Vamos ver quem se dá bem”. Se era pra brigar, ela lutaria até o fim. Ou até que seu celular tocasse, com sua mãe pedindo que voltasse pra casa e levasse seu pai ao hospital. Crise de asma daquelas. Não quis acabar com a diversão do namorado. Apesar do ciúme atravessado que nem pentelho na garganta, foi embora e o deixou lá.

No dia seguinte, assim que acordou, descontrolada e descabelada, foi direto pro Orkut saber mais sobre a vagabunda – sim, agora sentia-se à vontade para xingá-la sem correções. Leu o perfil, foi ao álbum, estudou bem a adversária. Estava pronta para um Brasil x Argentina.
Conversando com o namorado, com quem jurou nunca comentar nada daquilo, porque senão daria ibope demais para a outra, ouviu ele dizer:
- Depois que você foi embora aconteceu uma merda. O Zé recebeu uma ligação. A Débora sofreu um acidente. Nada grave, mas deu um susto. Destruiu o carro.

O mundo parou. Débora? Como assim? Débora era a ex dele, a morena safada. E se ela estava na festa, como sofreu acidente? Jogou verde.
- Mas a Débora não estava na festa?
- Tava não.
- Quem era aquela morena? Uma da blusa branca larga, que veio cumprimentar a gente?
- Morena? Era a Carla.
Sentiu vergonha. Passou a festa toda e horas no Orkut vendo chifre em cabeça de cachorro. Transformou a pobre morena do cabelo feio, tá, nem era feio assim, em vilã de novela das 20h, planejou sua derrota, xingou todas suas gerações. Quanto tempo perdido criando problemas. Riu por dentro e falou pra ele.
- Humm... simpática ela, né?
ilustração em www.vidabesta.com

12.4.07

Amor de cão

Já reparou naquele cachorro que é muito bem ensinado e que apenas com o olhar você consegue dizer pra ele senta, fica quieto, pára de latir? E ele fica lá, encarando você, esperando que você mude de expressão para então poder mudar também, não ficar mais tão tenso, não precisar ficar atento aos seus movimentos. Tudo que ele espera é uma pequena brecha para poder relaxar, sair correndo, pular no seu colo, babar em cima de você e mostrar o quanto gosta da sua companhia.

Ela não era tão domesticada quanto um cão, mas agora sentia-se exatamente assim. Ficava a espreita procurando o momento em que ele iria olhar pra ela e falar vem ficar aqui comigo. E pra sempre. Sonhava com um encontro marcado para aquela noite. Seria capaz de matar o trabalho, deixar de sair com as amigas, desligar o celular para que aquele outro que conheceu no fim de semana não ligasse e atrapalhasse seu velho plano. E o plano era muito simples. Bastava ele chamar e ela ia. Deixaria ele colocar a coleira nela, ficaria de quatro, lamberia ele todo, abanaria o rabo, traria o chinelo dele todas as noites. Era só ele estalar o dedo.

Teve que admitir que por mais independente que fosse ele exercia um poder silencioso sobre ela e sobre o que ela sentia. Era uma ligação difícil de explicar, complexa de se entender e sofrida de se viver. Ela não sabia por quanto tempo conseguiria ficar assim. Já tinha perdido o juízo, o amor-próprio, o orgulho, estava descendo ladeira abaixo. Com o passar do tempo, imaginava o que poderia acontecer. A raiva iria tomar conta e o que ela sentia por ele precisaria ser sacrificado. Sem dó nem piedade.





4.4.07

Mudanças

De macios os lábios passaram a desajeitados. O beijo foi de apaixonado para molhado demais. O abraço apertado virou grosseiro. A barba que arranhava gostoso agora machucava. O hálito que excitava começou a incomodar.

A barriguinha charmosa agora era obesa, o corte de cabelo moderno ficou ultrapassado. Os pêlos que roçavam seu corpo passaram a espetar. A mania de ver poesia em tudo se transformou em algo intelectualóide. O sexo de pegadas fortes virou indelicado.
De repente, a charmosa calça jeans rasgada virou um desleixo. A paixão por livros, antes motivo de admiração, era agora pedante.

Ele jurava estar igual, como sempre foi. Não entendia as reclamações dela. Então o que mudou? O que aconteceu pra ela chamá-lo de desatento ao volante? Logo ele que sempre foi tão cauteloso. Quando a mania de misturar água quente com fria deixou de ser de fofa para virar frescura?

Por que a despedida do celular, “saudade, bonita”, passou de romântica para cafona? Por que o cuidado excessivo com os pais dele foi de sensível a exagerado?

O andar de mãos dadas deixou de ser carinhoso para parecer pegajoso. O telefonema de boa noite foi de atencioso para perseguidor.

Ela não tentava mais conversar nem mudar. Apenas se afastava. Ficava ainda mais nervosa porque acreditava que ele deveria notar sua frustração e se virar para voltar a agradá-la. Ele não sabia mais pra onde correr porque até as tentativas, antes demonstrações de afeto, agora soavam como cobranças chatas.

A verdade é que tudo continuava igual. O jeito de entrelaçar os dedos, a mania de abrir a geladeira pra ficar só olhando, o hábito de andar pela casa escovando os dentes. Nada mudou. Tudo que a fez se apaixonar por ele continuava igual. O que mudou, ela tinha que saber. Que deixe doer, mas ela tinha que ouvir. O que mudou, foi ela.

ilustração de carol cuquetto: oamareloeonada.blogspot.com. acessem, acessem, acessem. lindo demais.)