14.9.09

Tempos depois



Você já teve vergonha a ponto de sentir uma pinçada no peito e um leve tremor no cérebro? Acordei com isso hoje. Sonhei com você. E foi o suficiente pra passar o dia recapitulando nossa história. Quer dizer. A história que inventei sobre nós dois. Quando lembro de tudo que falei sobre a gente, sobre as expectativas que criei, é inevitável não me sentir ridícula.
Seguir o coração devia ser um caminho esquecido na adolescência. Impulsos sentimentais e urgentes fazem você acreditar, sem um milímetro de dúvida, que se aquele momento passar, a oportunidade nunca mais aparecerá. Como um portal aberto no tempo. Hormônios descontrolados assumindo o comando do cérebro.
Mas por um desvio de caráter, que é como encaro esse romantismo besta, não podia ver uma possibilidade de virar princesa que me entregava.
É tão patético pensar que criei tudo que eu dizia existir entre a gente. Simplesmente moldei um sonho e saí escolhendo quem se aproximava dele. Forcei como quem tenta forçar uma peça de quebra-cabeça no lugar errado. Falta uma curvinha, sobra uma pontinha, mas quem liga? A ansiedade de encontrar a tal pessoa era tanta que ignorava seus sinais.
Na escola eu sempre questionava interpretação de texto, porque parecia absurdo haver uma única forma de entender uma história. Se tivesse sido mais nerd, não levaria essa amplitude de interpretação pra vida. O que queria dizer “ você é legal, mas não é o momento”?
a) te amo, mas sou imaturo pra dizer.
b) eu sou um idiota que não consegue bancar esse amor.
c) sou depressivo e preciso ficar sozinho. felicidade não é pra mim.
d) não te mereço.

Agora eu sei a resposta certa. E é por isso que resolvi mandar essa carta. Você deve estar casado, com um filho talvez. Se sua esposa ler isso, diga pra não ter ciúmes. Eu também estou casada. E estou grávida. Sinceramente, essa é a vida que eu nunca sonhei. É a vida possível. A vida real, de pé no chão. E sou bem feliz assim. O tal romantismo eu guardei em uma gaveta bem escondida, pra não cair na tentação de abri-la. Uma coisa é ser romântica no dia a dia, com o cara que escolhi. Outra é ser escrava de uma ilusão que promete um amor capaz de matar o mundo de inveja e fazer qualquer outro problema parecer uma mosquinha. Gosto de acreditar que é coisa genética, sabe? Nasci assim e só existe um modo de viver com sanidade: tomando doses diárias de realidade e correndo, desesperadamente, de qualquer possibilidade de fantasiar uma situação. Que é exatamente o que fiz com você.
Sei que fui imatura, desesperada, cruel. Eu pedia honestidade e você era honesto. Mas eu ouvia o que queria e ainda espalhava a minha visão deturpada de você pra todo mundo. De nada adianta a sinceridade quando a verdade não convém.
Nem sei se pedir desculpa adianta. Acho que nem é o caso. Mas quero dizer que agora entendo seu lado. Parecia meio maluca na época, insistindo tanto, dramatizando tudo sem necessidade. Tentando trazer minhas fantasias para sua vida. Precisei de sei lá quantos anos pra entender que ao dizer "você é legal, mas não é o momento", você queria dizer apenas "opção e) você é legal, mas não é o momento”.


ilustra de galvão em www.vidabesta.com