17.2.06

That's the way, ãrã ãrã, I like it





Envelhecer? Não obrigada. Posso só ganhar mais um ano? Posso só ficar mais esperta, ser mais experiente, ler mais livros, escutar mais músicas, saber mais do que falo? Posso continuar querendo diversão despretensiosa, indo trabalhar de ressaca de vez em quando?

Quero nunca deixar de gostar de festa. Porque festa é mais do que estar lá, no meio de pessoas suadas, dançando, lutando pra pegar uma bebida e mijando na calça na fila do banheiro. Festa é antes, durante e depois.

É pensar no que vou vestir. E de repente até comprar roupa nova. É sentir o burburinho aumentando. Você vai? Fulano vai? Vamos juntas? Quem dirige? Sabe quem vai? Ah, não acredito! Já comprou ingresso? Vai acabar, hein?
E o imediatamente antes também é bom. O se arrumar, os telefonemas de “já tô chegando”, as logísticas de quem vai com quem.

E aquela ansiedadezinha, a mesma que tinha aos 18 anos, e pela qual tanto estimo, vai aumentando com a proximidade da festa. Ao mesmo tempo dá até dó de pensar que o momento tão esperado finalmente tá chegando e, portanto, acabando.
Eis que a festa começa. E aí, parece que tudo dispensa palavras. Luzes piscando, gente, bebida. Música preferida! Quero dançar essa. Hora de fazer xixi. Descanso com amigos. Papo, risadas, papo, risadas, papo, risadas. Pista, mais pista. Suor, esfregação nas amigas, caras e bocas, bebida, bebida derramada no pé, cotovelada, suor, beijo. Luzes mais frenéticas. Gritos na tentativa de conversar.
De repente, o cérebro parece entrar numa outra freqüência. Tudo começa a acontecer num tempo diferente. E não é só bebida. É um tempo de festa. Uma catarse, uma hipnose. Um momento que não se mede em ponteiro, mas em sensações. E quando se cai no mundo real, já são 4 da manhã.

Apesar de ser uma degustadora de festas, assumo que é um alívio chegar em casa, tomar um banho e dormir rindo. Porque suor, pé pisado e sujo, cheiro de cigarro no cabelo e maquiagem borrada não combinam mesmo com espelho na manhã seguinte. Pro day after prefiro quando ficam só aquelas imagens picadas na cabeça, um quebra-cabeça que sempre fica incompleto, porque alguns momentos se perdem totalmente. Será que cada um guarda pra si um pedaço de recordação? Será que cada um vive um pouco da festa e ela só funciona porque esse coletivo se completa? Será que tô precisando de uma festa pra parar de inventar teorias esquisitas?

Melhor que isso tudo, só festa de aniversário. E não se trata de ser o centro das atenções. Mas de ser aquela (no meu caso “aquelas”) que reúne, que organiza, que premedita todo o evento. Ver amigos chegando, se divertindo e tudo indo bem, num dia tão significativo, é a felicidade no estado mais besta e volátil que existe.

Envelhecer? Não, obrigada. Muito menos na minha festa de aniversário.

9.2.06

As dores e o tempo


Experimente fazer um corte no seu próprio braço. Nada de mais, algo superficial. Vai doer, ficar vermelho, sangrar, arder na hora do banho. Provavelmente você tenha que colocar um band-aid. Vai incomodar. Mas no dia seguinte o corte terá uma fina casquinha. Mais dois ou três dias a casca ficará mais forte e a pele por baixo vai estar quase sarada. Em uma semana a casca já se foi e seu braço estará lá, com uma leve marca branca, um fio que irá desaparecer com o tempo. Mas você olha e tem certeza de que o machucado fechou e não abre mais, a não ser que você se corte novamente. A cicatriz não incomoda, a pele está praticamente perfeita, tudo certo.

Experimente um corte na alma. Uma dor qualquer – uma decepção, uma traição, uma perda. Você consegue saber quando a cicatriz fecha de vez? Prefiro mil cortes no braço a uma dor na alma. Não vejo o quanto ela sangra, acho que já estou curada e de repente, sem eu saber por que, a dor volta e sangra tudo novamente. O tempo cura tudo? Os cortes no meu braço, sim, na minha alma, desconfio que não. Ou pelo menos esse tempo é bem maior do que eu pensava. E também me engana, pois vejo ele passar e não vejo minha alma sarar. O problema está em mim ou no tempo? Ou nos cortes que tenho? Se souber o nome do remédio pra isso, me conte. Tempo eu já sei que não é.

Para Marcelo, meu irmão. Ilustração: Paulo Prot.

2.2.06

Dom

Amor é uma merda.

Diz meu antigo psicólogo que é criação do homem. Uma palavra inventada pra justificar uma necessidade social nossa: a de criar família, ser monogâmico e ter a obrigação moral de manter isso até que a morte nos separe (ou seria até que a morte nos salve?).
Amor que faz a gente ficar cego, surdo, mudo, paralítico, retardado, tolerante demais até.

Queria conseguir ver as pessoas que amo há tempos como quem acabou de conhecê-las. Ver seus defeitos, seus podres e chutar pra longe na primeira encheção de saco. Mas esse amor, invenção ou não, não deixa. Será que é medo? Sou uma covarde que prefere acreditar que é melhor aceitar amores incondicionais a buscar novas paixões? Ou seria o medo de deixar de ser amada?

Ah, mas que pretensão a minha. Quem disse que esses, a quem amo sem saber mais o porquê, também me amam? Quem garante que não dizem “ufa” quando desligo o telefone? Vai ver que com o tempo o amor vira isso. Uma encenação.

Tentando ser otimista, pode ser também uma forma evoluída de amor, por que não? Esse cansaço, esse nervosinho de já saber o que o outro vai dizer e fazer, pode ser algo perto da telepatia. Um sentimento transcendental, que nos coloca perto de Deus por evidenciarmos nossa bondade de espírito ao suportar o que nos é agora intragável.

Se é invenção, se é evolução, se é outra rima besta qualquer, não interessa agora. Jurei não sentir mais raiva quando fosse espizinhada por alguém que amo. Não quero perder meu tempo com isso. Nem com ódio, com lamento, com planos de vingança. Vou ser indiferente e fingir que continua tudo bem.

Porque se amor é invenção, deixar de amar é um dom.

Ilustração: Paulo Prot (Valeu, tem-tem. Vou abusar mais vezes:)