24.7.08

Gosto de nada


Da última vez que nos vimos até agora faz apenas três dias e poucas horas. Mas pra mim parece uma eternidade. Talvez um pouco menos que isso. E não pense que é porque sinto sua falta, morro de saudades, preciso falar e sentir você de novo. Não é nada disso. É que não sei esperar e meu pensamento funciona muito mais rápido do que eu gostaria (não era eu que queria aprender a meditar?). Queria poder esperar um mês ou um ano pra dizer o que penso agora, mas não sei se consigo.


No meio do engarrafamento das dezoito e trinta pensei o quanto ficamos no raso. Conheci pessoas que namoraram, casaram e engravidaram nesse tempo, em apenas dois meses – um exagero. Longe de querer isso para mim e você, mas pelo menos achei que poderíamos ter nossa música, ter nosso lugar, ter nossas próprias piadas, ter nosso restaurante, ter nosso filme. E nesses três poucos dias, imaginei que não vai demorar muito para eu esquecer você. Um amigo falou: faltou intensidade. Concordei e pensei mais ainda: tava muito morno. E morno, só banho.


Ainda não consegui, nesses três poucos dias, entender o que aconteceu pra você, como me disse, desacelerar. Sei que são coisas que não se falam, por diversos motivos. No alto dos meus mais de trinta anos, aprendi que é melhor não perguntar. Quem pergunta o que quer ouve o que não quer. Melhor o mistério do que ouvir que você deixou de se interessar por mim, que viu defeitos, que se apaixonou por outra, que queria apenas uma distração e agora não quer mais. Minha

auto-estima não tem infra-estrutura para tais verdades.


Vou tentar esperar um mês para dizer tudo isso. Ou nem vou chegar a dizer porque daqui a trinta dias já vou ter esquecido tudo que disse respeito ao tempo em que ficamos juntos. Você vai passar sem nunca ter existido. Totalmente sem dor e sem amor. Totalmente sem graça. Fazia tempo, exatamente dezesseis anos, que não tinha um relacionamento tão insosso. E, por mais estranho que seja, provavelmente vou agradecer por ter sido assim.


Ilustração de Maurício Nunes: mauricionun.blogspot.com.

10.7.08

Nuances

Com ele aprendeu a ser desprezada. Tinha apenas 12 anos.

Era um pouco mais velho. Imaginava que por isso a ignorava. Moravam no mesmo prédio desde que nasceram, mas ele mal a olhava. As conversas não passavam de um mero oi. Quando pegavam elevador juntos, ele colava na porta e ficava ali, impaciente esperando o andar chegar. Descia no oitavo, sem olhar para trás. Ela fungava as axilas, para checar se havia algum cheirinho por ali. Nada. Espalmava as mãos na frente da boca e expirava, para testar o bafinho. Tudo em ordem.
Em casa era a caçula. Sempre mimada, paparicada. Mas o desprezo dele a fez amadurecer de uma forma involuntária. Chegou a chorar uma vez, quando deixou cadernos caírem no elevador e ele nem ao menos piscou. O que ela havia feito pra ser tão ignorada?

Aos 17 anos, aprendeu com ele a não levar desaforo pra casa.

Se tinha algo que ela não suportava mais desfeitas. Aquele homem, que aterrorizou parte de sua adolescência, agora teria que aprender na marra a ser educado. Quando esbarravam pelo corredor ou pela garagem, ela o olhava firme e dava bom dia. Ele soltava um bom dia atravessado pelo canto da boca, sem ao menos parar de caminhar. E a cada fuga dele, ela dizia uma gracinha. Vai tirar a mãe da forca? Tá parindo? Esqueceu alguma coisa no forno? E ele não dizia nada. ficava tímida quando os dois estavam sozinhos no elevador. Um dia, ela tentou travar uma conversa sobre o tempo e ele desceu dois andares antes. Ela não agüentou. Gritou enquanto gargalhava:

- Qual é o seu problema?!

Aos 22, ela mal o encontrava. Sua rotina era outra. Faculdade, espanhol, centro acadêmico. Suas preocupações também. Provas, festinhas, rapazes. Um dia, chegou em casa cansada e chamou o elevador. A porta se abre e lá está ele. O grosso do oitavo andar. Nem boa noite dava mais. Desistiu. Como de costume, ela entrava e se aconchegava em um canto, para que ele tivesse espaço para se aproximar da porta. E ele ficava, batendo os pés no chão, coçando a cabeça, o pescoço, olhando para baixo, para cima, para o visor que mostrava quanto tempo faltava para a tortura acabar.
No quinto andar, ela teve um estalo.
No sexto andar, arregalou os olhos assustada com o próprio pensamento.
No sétimo andar, não conseguia acreditar que, enfim, havia conseguido entender tudo.
E no oitavo andar, não teve dúvidas. Assim que a porta se abriu, ela o segurou pelo braço. Ele se virou assustado e não conseguiu evitar. estava aquele par de bochechas tão vermelhas, que pareciam dizer ‘pare’, como em um semáforo.

E foi , aos 22 anos, que ela aprendeu que o amor não era nada simples de se entender.

ilustração de claudio frança.
leia também "Outras nuances", texto de nosso amigo Bruno Reis que mostra um outro ponto de vista dessa mesma história.