31.3.08
Atalho
Como ela não tinha paciência para esperar que a vida a apresentasse ao sujeito, resolveu providenciar o encontro sozinha. O plano era simples. Todo dia, em sua bicicleta, atravessaria aquela ruazinha sem olhar para os lados. Não era uma rua de muito fluxo, afinal ela não era suicida. Queria que o carro certo a atropelasse. E desse mesmo carro, descesse então o homem que a resgataria e salvaria sua vida.
Com sorte ele seria médico e ali mesmo, tomaria as medidas de primeiros socorros. Constataria que ela havia sofrido algumas escoriações, nada grave, colocaria a bicicleta dela em seu porta-malas, a carregaria no colo até o banco de trás e a levaria para o hospital. Acompanharia todos os exames, seguraria sua mão quando sentisse dor, diria que tudo ia ficar bem.
Era o plano certo para encontrar o homem perfeito. Todos os testes de uma só vez. Não acreditava que seria abandonada depois de viverem toda essa forte experiência juntos. Ele perceberia os sinais e não a largaria jamais. E se ninguém a ajudasse? Se o corpo ficasse lá estirado, abandonado?, perguntavam os amigos mais sadios.
- Se não há alguém assim pra mim, então não vale a pena viver mesmo. - respondia ela.
Da mesma forma, um rapaz percorria o caminho inverso a ela, diariamente. E sempre se assustava quando ela passava direto pela rua. Um dia, sem que ela soubesse, passou a acelerar as pedaladas para chegar na ruazinha antes. Se algum carro viesse, ele se enfiava na frente e pedia pra parar. Segundos depois, a via passando tranqüilamente. Não sabia se era louca, sonsa, burra. Mas durante meses a salvou de algumas poucas possibilidades de acidente.
Ela era louca, mas não sonsa. Quando percebeu o que ele fazia, a primeira reação foi de revolta. Quem era aquele cara para interferir no destino dela? Ficou possessa imaginando que o homem da sua vida já havia passado por ali mil vezes, sem ir de encontro a sua Poti. Pensou em brigar com o menino, tirar satisfações. Mas a idéia de ter alguém se arriscando tanto por ela a fascinou. Alguém que se dispunha a enfrentar a pancada de um capô para poupar sua vida.
Na manhã seguinte, ela seguiu lentamente em direção à ruazinha, como de costume. Então, avistou o rapaz vindo na direção oposta. Não teve dúvida. Acelerou as pedaladas. Queria ver até onde ele iria. Ele, que tinha uma visão mais ampla da rua, notou um carro se aproximando e acelerou ainda mais. A batida foi inevitável.
O carro o acertou em cheio. Ela ouviu a freada seguida de uma pancada seca e desacelerou o ritmo. Sentiu pena, raiva, medo. Seu sonho havia sido roubado por alguém que parecia querer ajudá-la. Ele era uma pedra no caminho? Ou o verdadeiro herói? Se aproximou lentamente e o viu no chão. Das manchas brancas nos joelhos e cotovelos começou a brotar sangue. O punho direito estava ao contrário e um dos pés estava preso à roda de um jeito incomum. Apesar de zonzo, ele estava consciente. Ela se imaginou ali, no lugar dele, estatelada no asfalto quente, com sua Poti retorcida caída mais à frente.
Enquanto permanecia imóvel, observando a cena, o motorista do carro correu em socorro à vítima. Desesperado, sem saber ao certo como encostar no rapaz sem machucá-lo, perguntou a ela:
- É seu amigo?
- Sim, é.
Os três entraram no carro em direção ao hospital. O motorista estava apavorado. O atropelado, feliz por enfim ter conseguido atenção e reconhecimento dela. Ela, por ter pegado um atalho para chegar ao seu príncipe sem nem um arranhão.
11.3.08
Black

Se jogou na
Pensou
The Unforgiven começou e
Sentiu
- É
- Diga.
- Vai
E desligou. A