
Eliane chegou mais cedo e escolheu a cadeira do meio, na terceira fila, bem de frente para o palco. O teatro acabara de abrir as portas e as luzes ainda estavam acesas. Ela pode reparar na pintura com data do início do século XX e nas cortinas de um vinho desbotado que cheiravam a mofo. “Vou espirrar no meio da peça”.
Roberto conseguiu convencer Luísa a não assisti-lo desta vez. Na verdade, há algum tempo que ela também não tinha mais prazer em vê-lo. Os finais eram sempre os mesmos. Depois da apresentação, ele queria emendar em algum bar sem graça, ela louca para voltar para casa e dormir o mais rápido possível.
- Já vou indo, não quero me atrasar desta vez, falou enquanto fechava a porta ao mesmo tempo. Roberto tentou ser natural mas pouco conseguiu disfarçar o nervosismo. Só pensava em rever Eliane.
Por mais que Luísa perguntasse se ele estava saindo com outra pessoa, Roberto negava insistentemente. De nada adiantava, desconfiança era algo que latejava em sua cabeça. Tentar descobrir cada mentira do marido se tornou uma obsessão. Traição era seu assunto preferido. Cogitava a possibilidade de aceitar e entender as razões do comportamento de Roberto, comprou livros de filosofia, antropologia, feminismo, tudo para se convencer de que poderia mudar seu ponto de vista e aceitar a situação. E aí residia sua maior vaidade: queria ser reconhecida como alguém capaz de aceitar o que é impossível, de passar por cima feito um trator de todas as mágoas abertas e ficar com ele que ainda era seu grande amor.
“Amor? O que define isso?” Queria ficar com Roberto por que não aceitava a ideia de perdê-lo para outra ou por que tinha medo de ficar sozinha?
Ela descobriu o número do telefone de Eliane, e agora pensava se teria coragem de confrontá-la. Não era bem coragem, não tinha mais forças. Quatro anos atrás, descobriu o primeiro caso de Roberto e se separaram pela primeira vez. Mas não conseguia se ver sem ele e, mesmo decepcionada, foi ela quem quis voltar.
Descobriu também que Roberto conheceu Eliane em uma de suas apresentações e se culpou por não estar presente em todas elas. Sem dúvida, nos últimos meses, Luísa preferia ficar em casa escrevendo. Já estivera bem mais próxima, acompanhava o marido em todas as cidades, buscava patrocínio, vendia camisas com o nome da peça. Mas toda essa dedicação de nada valia. Queria que ele sentisse sua falta na primeira fila do teatro, que ele reclamasse pela sua presença. Não ir vê-lo era uma maneira de dizer que não se importava mais com ele e que isso provocasse uma reação. Mas o tiro saiu pelo outro lado.
Roberto era um incorrigível e, apesar de ter feito juras e mais juras, o casamento deles ficava pior a cada dia. Sem ter com quem dividir todas as suas angústias, Luísa usava seus textos para entender a si mesma. Ao escrever, conseguia organizar seu pensamento e formular hipóteses. Criava histórias a partir da sua própria. E sem querer percebeu que era por ali poderia se vingar a sua maneira, sem fazer nenhum escândalo. E ainda teria a possibilidade de dizer: é tudo ficção.