
Pensei em escondê-lo, dar pra alguém, dizer que perdi. E assim fui deixando o golfinho num canto do quarto, junto com extratos de banco antigos, malas-diretas que esqueci de rasgar e clipes de papel que sempre surgem de não sei onde. Assim foi. Até o dia em que meu pai perguntou se eu tinha gostado do golfinho. Nem na TPM mais brava eu conseguiria dizer a verdade. Falei que amei e que ainda não tinha colocado no carro por falta de tempo.
No dia seguinte, transportei o golfinho até o carro, deixando tudo que encostava nele empesteado de um perfume inegavelmente feito para carros. Enquanto o pendurava, me senti mal por não tê-lo feito antes. Lembrei de tanta coisa que meu pai fez por mim, tanta coisa muito mais importante que um mero perfumador de carros.
Com cinco anos, quando fui atropelada, ele me segurou no colo e de tão nervoso e trêmulo, me deixou cair no chão novamente. Lá pros dez anos, me colocou de castigo incontáveis vezes e ensinou que vou pagar por tudo que fizer. Mais tarde, por ciúme e também por acreditar que estava me protegendo, não deixou que eu furasse a orelha antes dos 14, usasse batom antes dos 15, fosse a uma boate antes dos 16. E quando tinha 25, discuti porque queria dormir na casa do meu namorado. Entre gritos e muita discussão, começaram as lágrimas e ele disse algo que nunca esqueci:
- Quando você era pequena eu sabia como te proteger. Agora que cresceu não sei o que fazer.
Ele me abraçou rapidamente e sem jeito, como sempre faz, mas nunca mais tocou no assunto e aceitou minha decisão.
Meu pai me ensinou a gostar do flamengo, a comer pão com uva, a amar macarrão. Torceu muito quando participei de uma corrida no colégio e me abraçou quando perdi. Se tornou uma pessoa mais divertida com o tempo e com a aceitação de que sou adulta. Anda meio surdo, continua marrento, gritão e xingão, mas é o homem que sempre esteve ao meu lado, amando e protegendo ao seu modo. E claro, como esquecer, o homem que meu deu aquele golfinho lindo, pendurado ali no meu retrovisor.
ilustração linda linda do radael, que agora também é pai:)