
Passou o percurso inteiro olhando para ela. Tentou ser discreto. Uma mulher pode ter dúvidas sobre estar sendo admirada ou perseguida. Jurou que ela correspondia. Pensou que, se os dois descessem na mesma estação seria um sinal divino de que deveriam se conhecer. E claro, trepar. E então, quando a voz anunciou “Estação Paraíso”, os dois se levantaram juntos. Juntos mesmo, como não conseguiriam se tivessem combinado. Juntos de forma que arrancariam aplausos dos demais passageiros, se eles não estivessem ocupados demais fazendo nada. Ela imaginou que filme ele gostaria de ver. Ele reparou nas pernas dela.
Caminharam para a mesma porta e, nessa hora, os olhares se acharam. E um sorriso escapou. O dela mais contido. O dele saiu como um espirro. Fujão e alto, mesmo sem som algum. Permaneceram ali de frente para a porta, um ao lado do outro, assistindo as paredes do túneis passando sem novidades. Ele imaginava o lugar ideal para a primeira vez dos dois. Tentavam não mover as cabeças, mas lançavam o máximo que um olhar diagonal pode alcançar. Qualquer um que os visse de frente pensaria que eram estrábicos. Com as vistas cansadas, passaram a se olhar através do reflexo da porta. Ela já imaginava se ele era do tipo que gosta de um bom vinho.
O trem parou e eles colocaram o pé direito na plataforma ao mesmo tempo. Fã de esportes que é, ele chegou a escutar os gritos da arquibancada, delirando com a harmonia da equipe. Pensou que o sexo também prometia ser bem sincronizado. Foram andando e tentando ficar lado a lado. Às vezes ela acelerava um pouco. Ele entendia que era um teste de persistência e acelerava até ultrapassá-la. E então diminuía pra ver se ela corresponderia. E ela acelerava até ultrapassá-lo. E assim percorreram a longa plataforma até a última escada de acesso à rua. Ela imaginando qual seria a banda preferida dele. Ele, a posição preferida dela. Na escada rolante ele não caminhou. Nem ela. Ficou parada, dois degraus abaixo dele. Não havia ninguém entre eles. Na verdade, não havia mais ninguém na estação.
A escada terminou e ele virou à direita. Já podia ver a porta. A saída. Seria o fim. Ou o começo?
Ele pensou em olhar pra trás. Desacelerou até que ela pudesse emparelhar-se. E então, percebeu que ela virou à esquerda. A última chance dele era olhar pra trás. Se ela olhasse, sim, iria falar com ela. Senão, pronto, aquela teria sido a história deles.
Mas o que ele falaria? E se ela fosse casada? E se ela fosse casta? E se tivesse voz fina demais? E se fosse bipolar por opção? E se pedisse pra ele parar de andar de skate?
Pensou isso tudo, mas olhou mesmo assim. E novamente, eles acertaram no segundo. Ela olhava. Ela pensava que ele poderia ser um tarado. Ou um carente, que se apaixona pela primeira que vê. Ou poderia morar com os pais. Ou ter um trabalho que exigisse demais. Ou não aceitar a carreira dela.
E quando cada um deles percebeu que a disposição de mudar suas vidas era pequena diante do momento, continuaram seguindo em frente, ainda que os caminhos fossem opostos. Naquele instante, o encontro já exigiria andar para trás. Perdeu a naturalidade. Foi o fim de uma relação intensa e sem briga alguma. Provavelmente, a melhor da vida deles.
ilustra de galvão em vidabesta.com
38 comentários:
Simples, lindo e gostoso de se ler, como de praxe. Quando cheguei ao fim do texto, fiquei com gostinho de quero mais =D ABraço
Oi,
Realmente ficamos impressionadas com os textos de vocês, eles são legais e nos fazem refletir ...
Estamos começando com um blog agora e
sabemos que é chato ficar pedindo para divulgar, então, quem quiser conferir nossas postagens o link está aqui. \/
http://oespacoamostral.blogspot.com/
Obrigada.
Equipe Encefalocardioescavadoras.
Mais uma boa história... O legal dessa é que vivi algo muito parecido uns meses atras! E acabou da mesma forma. Excelente.
Boas festas!
=*
Hahahah ótimo texto, vivo imaginando como agir caso acontecesse comigo... tenho muito medo! xD
Eu queria saber de onde vem tanta criatividade e sacanagem :P
Docinhos, vcs são de sampa?
Beijos.
e coisas assim... a gente nunca esqueçe! Sempre dão uma palpitada no coração, e uma saudade na memória! Lindo texto! bjoos
Caraca! Bom demais...
Acho que ja vivi algumas histórias assim, mas jamais tão bem contadas.
bjs!
Abalou, sacudiu , balançou...
Nem gosto da música mas traduziu bem o que senti.Mil bjs.
eu sempre leio os textos, e como sempre, eu adorei, esse em particular ficou muito bom :)
Adoro o que vocês escrevem. Adoro esse blog!
Muitos momentos assim na vida, né?
belíssimo texto girls.
Adoro paixões de metrô. Duram o tempo certo para você imaginar mil coisas, fantasiar sobre uma vida inteira e, no final, você continua ou não sua vida.
Se fosse comigo, já soltava a cantada número 136 da minha lista. Excelente história, meninas. Mas não é que vocês sabem fazer isso?
bjos do MNC
Perfeito! Quem nunca viveu algo assim, e sempre ficou imaginando a vida que não se concretizou?
Ótemo!!
Feliz Natal!
R.
wow! que sucesso, hein! Estão no Século Diário!
Parabéns.
bjs
Sandro Costa
essas histórias que terminam sem sequer começar são as melhores!
Eu tava falando sobre isso com uns amigos...o cara, por mais q se interesse, pensa primeiro no sexo...o resto é resto...ou só complemento. Muito bom o texto!! A pessoa se sente dentro dele..
Redatoras, feliz natal pra vocês! Vocês mandaram bem o ano inteiro, tudo de bom em 2010!
É... se todos os amores fosse tão perfeitos quanto este...
dessas relações perfeitas tenho quase todas as semanas, essas de segundos intensos e nada mais. fossem essas as verdadeiras, ninguém mais ia poder dizer que sou azarado nas coisas do coração, né? haha. =*
muito, muito bom!
deu vontade de andar de metrô!
:*
Bom, bom.
As estações e as plataformas são inspiradoras.
Tenho dois textos com o tema:
http://tfmoralles.blogspot.com/2009/09/osasco-jurubatuba.html
http://tfmoralles.blogspot.com/2008/11/plataforma.html
Voltarei mais vezes.
RSS assinado.
Microbeijo.
porra, quem nunca teve essas imaginações no metrô?
vi o blog de vcs linkado no macho não chora, cliquei e gostei. taí, favoritado ;)
bjs meninas. de merda vcs num tem nada! =]
@natacha_o
eu amo ler o blogg *-*
e tenho mta vontade fazer camisas com os desenhos *-* e embaixo colocar '' redatoras de merda''
posso?
Obrigada por dizerem por mim, tudo que passa em minha cabeça.
Adorei. =)
Eu vou ter que dar um jeito de andar mais de metrô. E que se dane a preguiça. Tá na hora de olhar pra trás. Um pra trás... dois pra frente. Né messs?
Ótimo texto, como sempre.
bjs!
Nossa, eu adoro tudo q vcs escrevem, mas esse foi dos melhores!
Bjos
Quem sabe em outra hora, em outra estação. Pode ser que Santa Cecília ajude, se não, Consolação. Nunca se sabe.
Gosto muito desses textos...e as imagens, nem se fala. Não consigo ficar sem Galvão.
Belíisimo texto! Ou se valoriza demais a vida ou pecamos por deixá-la passar.
ADOREI! FIQUEI ACOMPANHANDO COM EMOÇÃO, ESPERANDO E QUERENDO QUE DESSE CERTO.
ROMANTICA COMO SOU, ESPEREI QUE DESSE CERTO, QUE SE AMASSEM QUE FICASSEM PARA SEMPRE ENQTO O SEMPRE FOSSE ETERNO....
um texto excelente; o melhor é a essência de naturalidade mesclada com imaginação e hesitação... não há conversa direta, mas por gestos eles conversam entre si e consigo mesmos; parabéns, vocês são muito boas no que fazem :)
porra - desculpem o palavrão -, mas que negócio fantástico. Parabéns.
Opa! Adorei esse cantinho!
Beijos
Delícia de texto!
Isso é uma relação...rs
Quero mais!!cade o texte de janeiro? =(
Cara muito bom, parabéns!
Adorei conhecer este blog, vou acompanhar! Beijo e até,
RFante.
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