26.4.06

Descarga



Hoje é um desses dias que sinto vontade de agredir todo mundo. É, assim mesmo, sem motivo. Ou melhor, por qualquer motivo que me derem.

- Bom dia, Val. Dormiu bem?
- Ahhh.... vá se fuder que você não tem nada a ver com isso.

- Ontem minha namorada fez um pavê de chocolate só pra mim.
- Se afoga nessa merda de pavê. Morra.

- Fire Comunicação, boa tarde.
- Oi, da onde fala?
- Da putaquetepariu, seu bastardo, filho duma égua. Como é que você liga prum lugar sem saber onde é? Seu escroto!

- Valeria, o tanque do carro tá pela metade (nesse caso minha consciência falando comigo).
- Pega esse tanque e enfia sabe onde, porra (nesse caso eu agredindo a mim mesma).

- O elevador tá subindo?
- Sua anta, é o último andar. Vai subir pra onde? Tinha é que subir sangue é pra essa sua cabeça cheia de merda.

- Valeria, hoje é dia de mudar sua série de exercícios.
- É dia de mudar o caralho. Mudo essa desgraça quando quiser. O corpo é meu, eu que pago seu salário. Vai cagar, sai daqui. Xô.

- Por favor, leia a questão seis do seu livro.
- Eu ler? Nem fudendo, lê você se quiser.

- Amiga.... tô mal hoje. Queria xingar todo mundo.
- Fica assim não, Val.
- Hunpf...
- Ah, lembra que ia depilar a virilha em formato de rosa? Eu fiz! Ficou jóia.
- Mas hein? Eu triste e você falando da depilação? Foda-se sua buceta! Tomara que você nunca mais dê essa rosa pentelhuda nem prum cachorro, sua insensível.

- Val, eu vi até o 12º episódio de Lost, lálálá lá lááá lá. Se eu quiser posso contar, lálá lá lááá lá.
- Conta, por favor, conta. Conta que arranco seu olho no dente, seu inútil, seu puto. Quero que você se foda muito, vai se fuder, você e o 12º episódio de Lost.

- Você cortou o cabelo, Val?
- Não, ele diminuiu, seu retardado. Que pergunta estúpida. Sempre te achei um
bosta mesmo.

- Olha, Val, você tem um blog.
- Sim, eu e Elisa.
- Mas que texto grande. Tenho preguiça de ler.
- ENTÃO VÁ SE FODER. Não pedi pra você ler porra nenhuma, pedi?
Então não me enche a porra do saco, sua piranha. Pega um desses rolos de macarrão, sabe? Então, e enfia nessa bunda gorda e roda ele até sair macarrão pela boca, sua vaca.


Me sinto melhor agora. Não é que consegui até rir? Descarregar uma raiva infundada no papel, sem gritar com ninguém, é bem divertido, saudável e o melhor, não deixa seqüelas nem provoca brigas.
Só queria conseguir isso mais vezes.

Ilustração do Galvão. www.vidabesta.com

17.4.06

Nada a reclamar

Mudei com meus pais para Vitória quando tinha 14 anos. Achei a cidade uma droga. Eu morava em Brasília, tinha lá meus amigos, minhas histórias de infância, minha escola onde estudei desde pequena, todas as minhas referências. Mudar para Vitória foi o primeiro trauma que vivi. No avião, vindo pra cá, chorei nas 2 horas que duraram o vôo. Nem a visão da praia de Camburi, que eu ainda não sabia que era poluída, serviu para me alegrar. Que se dane a praia, quero minha rua, que lá em Brasília a gente chama de quadra. Quero jogar vôlei aos domingos, andar de bicicleta no Parque da Cidade, ir aos shows da Plebe Rude. Ninguém aqui conhece a Plebe Rude? Um absurdo. Passei um ano inteiro trocando cartas com todos os meus queridos amigos de Brasília, que me contavam detalhes das melhores festas, quem havia ficado com quem, quem havia terminado com quem. Falavam também do futuro, do vestibular que iriam fazer, para onde iriam nas próximas férias. Como era de se esperar, o tempo passou, as cartas sumiram, o contato se perdeu.

Tenho 33 anos agora, ainda moro em Vitória e resolvi que preciso me apaixonar pela cidade. E não preciso esquecer Brasília pra isso acontecer. Na verdade, moro em Vila Velha. Mas como são municípios próximos – Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica - acabo chamando tudo pelo nome da capital. Conheço pouco sobre a história do lugar onde vivo – e pelo que tenho visto, meu filho também não tem aprendido muito. Não sei dizer se isso é geral, mas acho que as escolas não dedicam muito tempo às histórias locais. Decidi então que vou conhecer e respeitar a cidade onde moro. Geograficamente falando, acho Vitória linda. É um privilégio morar numa ilha, ter um porto no centro da cidade, ter o mangue, as praias, a baía, o canal. Os recortes são bonitos, as pedras e montanhas, ah, sim, os morros com suas casinhas formando as favelas. Que cidade não tem isso? Vitória tem tudo para ser uma cidade charmosa. Não sei por que ainda não é. Sinto falta de livrarias com cafés, de cinemas nas ruas, de mais praças, de calçadas bem cuidadas, de menos lixo, de fachadas bonitas nas lojas. De música, de festivais, de teatro, de cultura popular, de expressividade. De bares com mais identidade, de restaurantes com mais a oferecer do que um cardápio sem nexo. De pessoas perambulando nos finais de semana, andando, almoçando mais tarde, visitando exposições de arte. Sinto que falta em Vitória as pessoas viverem a cidade. Fiz minha parte no último fim de semana. Fui ao Museu de Arte do ES ver uma exposição chamada Universo do Cordel. Aproveitei e também fui no Museu da Vale do Rio Doce ver outra exposição. No próximo fim de semana quero pegar uma escuna e conhecer os mangues que permeiam a cidade.

Tudo que quero mesmo é parar de reclamar, reclamar sem realmente saber do que estou falando. Resolvi começar pela cidade. E assim quero que seja com as pessoas, com o trabalho, com a vida. Reclamar é muito chato.

Ilustração: Claudio França. Links: www.vitoria.es.gov.br;www.maes.es.gov.br

7.4.06

Texto ultrapassado

Chegou a conta de celular de fevereiro. Mês de Rolling Stones, Franz Ferdinand, carnaval. Ou seja, mês de pagar o maldito deslocamento. Nem cito valores, para não reviver a tristeza que senti ao ver o quanto tive que desembolsar.
Resolvi então ir à loja da minha operadora para trocar o plano com urgência.
Sento com uma atendente muito da grossa, com a cara cheia de espinhas e voz de macha. Lembrei do Massaranduba.
- Qual é seu plano?
- Não sei o nome. Comprei na promoção do Dia dos Pais de 2004.
- Ihh, seu plano é bem antigo.

Antigo? Mas hein? Quer dizer que agosto de 2004 agora é antigo? A noção de tempo mundial mudou mesmo, isso não é mistério. Mas daí a 2004 ser antigamente é demais. Só faltou ela falar que em algumas cavernas já encontraram até desenhos com seres humanos caçando mamutes e usando um celular igual ao meu. E isso porque o comprei em 2003. Sempre foi perfeito para mim. Nunca senti falta de máquina fotográfica, tela colorida, toques polifônicos, poliglotas, enfim.
Máquina fotográfica é igual. Quando surgiu a digital, foi aquele furor anal nos famintos por lançamentos tecnológicos. De repente, ter uma máquina de 2 MP passou a ser credo, ridículo, que vergonha. Comprei a minha com 5 MP, pensando em também usar sua poderosa definição e recursos fantásticos em layouts. Na colação de grau do meu irmão, uma mulher sentada ao meu lado olhou para minha máquina com aquela carinha de inveja e perguntou:
- Quantos megapixels a sua tem? Sete?
- Não. Tem 5.
Pronto. A expressão dela voltou a relaxar e um sorriso de canto de boca aflorou naquela cara cheia de pancake:
- A minha tem 7.
Mal sabe ela que provavelmente nunca vai desfrutar de seus tão bem-dotados sete megapixels. Que pra uma câmera ser boa, outros fatores também têm que ser considerados. Optei por fazer minha boa ação do dia. Fiquei quieta.
E nem foi só a tecnologia que ficou mais perecível. Tudo vai ficando ultrapassado com uma velocidade maior que nossa memória e conta bancária podem suportar. Até as relações pessoais. Acompanha só:
Você quer conhecer uma banda nova. Vai e baixa em casa mesmo. Só que não tem tempo pra escutar. Então compra um MP3 player. Mas celular e MP3 player ocupam muito espaço. Compra um celular com MP3 player e máquina fotográfica. A resolução da máquina fotográfica não é tão boa assim. Compra um supermáquina digital. Aí você começa a tirar foto de tudo quanto é coisa: você no espelho, amigo bêbado, fotos poéticas. Pensa então: vou criar um fotolog. Aproveita e entra no Orkut também. Olha!, que jóia, todos seus amigos lá, até aqueles sumidos. Adiciona todos no Messenger. Toda vez que entra na internet, faz malabarismo indo ao Orkut, fotolog, checando seus emails, baixando músicas e ainda falando pelo Messenger. Quando você vê, tudo que foi criado pra “ganhar” tempo, “ganhar” espaço, só fez você passar mais horas num mundo virtual, fazendo a manutenção de tudo que criou. E por mais que as maravilhas da modernidade deixem tudo mais prático, nada se compara a encontros ao vivo, pessoas reais.
- Me deu um ninja, hein?
- Foi mal, não deu pra ir. Não viu o recado que deixei pra você no orkut?
- Não acessei essa semana.
- Também mandei email.
- Não acessei também.
- Te mandei torpedo, cara.
- Meu celular quebrou, contei não?
- Porra, assim fica difícil te encontrar. Mas bem que tentei avisar.
- Mas por que você não foi?
- Marquei de encontrar uma amiga que mora na Inglaterra no Skype.
- Porra, cara, mas era nosso chope mensal.
- Foi mal. Mas é que antigamente eu tinha mais tempo. Entra aí no Messenger que a gente se fala mais.