18.12.09

Desembarque



Passou o percurso inteiro olhando para ela. Tentou ser discreto. Uma mulher pode ter dúvidas sobre estar sendo admirada ou perseguida. Jurou que ela correspondia. Pensou que, se os dois descessem na mesma estação seria um sinal divino de que deveriam se conhecer. E claro, trepar. E então, quando a voz anunciou “Estação Paraíso”, os dois se levantaram juntos. Juntos mesmo, como não conseguiriam se tivessem combinado. Juntos de forma que arrancariam aplausos dos demais passageiros, se eles não estivessem ocupados demais fazendo nada. Ela imaginou que filme ele gostaria de ver. Ele reparou nas pernas dela.

Caminharam para a mesma porta e, nessa hora, os olhares se acharam. E um sorriso escapou. O dela mais contido. O dele saiu como um espirro. Fujão e alto, mesmo sem som algum. Permaneceram ali de frente para a porta, um ao lado do outro, assistindo as paredes do túneis passando sem novidades. Ele imaginava o lugar ideal para a primeira vez dos dois. Tentavam não mover as cabeças, mas lançavam o máximo que um olhar diagonal pode alcançar. Qualquer um que os visse de frente pensaria que eram estrábicos. Com as vistas cansadas, passaram a se olhar através do reflexo da porta. Ela já imaginava se ele era do tipo que gosta de um bom vinho.

O trem parou e eles colocaram o pé direito na plataforma ao mesmo tempo. Fã de esportes que é, ele chegou a escutar os gritos da arquibancada, delirando com a harmonia da equipe. Pensou que o sexo também prometia ser bem sincronizado. Foram andando e tentando ficar lado a lado. Às vezes ela acelerava um pouco. Ele entendia que era um teste de persistência e acelerava até ultrapassá-la. E então diminuía pra ver se ela corresponderia. E ela acelerava até ultrapassá-lo. E assim percorreram a longa plataforma até a última escada de acesso à rua. Ela imaginando qual seria a banda preferida dele. Ele, a posição preferida dela. Na escada rolante ele não caminhou. Nem ela. Ficou parada, dois degraus abaixo dele. Não havia ninguém entre eles. Na verdade, não havia mais ninguém na estação.

A escada terminou e ele virou à direita. Já podia ver a porta. A saída. Seria o fim. Ou o começo?
Ele pensou em olhar pra trás. Desacelerou até que ela pudesse emparelhar-se. E então, percebeu que ela virou à esquerda. A última chance dele era olhar pra trás. Se ela olhasse, sim, iria falar com ela. Senão, pronto, aquela teria sido a história deles.
Mas o que ele falaria? E se ela fosse casada? E se ela fosse casta? E se tivesse voz fina demais? E se fosse bipolar por opção? E se pedisse pra ele parar de andar de skate?
Pensou isso tudo, mas olhou mesmo assim. E novamente, eles acertaram no segundo. Ela olhava. Ela pensava que ele poderia ser um tarado. Ou um carente, que se apaixona pela primeira que vê. Ou poderia morar com os pais. Ou ter um trabalho que exigisse demais. Ou não aceitar a carreira dela.

E quando cada um deles percebeu que a disposição de mudar suas vidas era pequena diante do momento, continuaram seguindo em frente, ainda que os caminhos fossem opostos. Naquele instante, o encontro já exigiria andar para trás. Perdeu a naturalidade. Foi o fim de uma relação intensa e sem briga alguma. Provavelmente, a melhor da vida deles.

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