26.11.07

Larga



Meu pai me dizia uma frase cretina, mas que agora cai certinha na nossa história. Quem dá demais fica largo. E é exatamente assim que me sinto hoje: larga. Dei espaço demais para você, dei trezentas chances para mostrar que iria fazer certo da próxima vez, dei tempo ao tempo, como você me pediu, dei minha palavra de que não perdoaria se você me traísse de novo, e fiz isso mais de uma vez. Dei com os burros n’água.

É o mal de não ouvir conselhos de pais ou qualquer um que enxergue um pouco mais do que você. Porque me conheço bem, a teimosia que parece charme, na verdade, é a armadilha que vivo armando pra mim mesma. E para deixar tudo ainda mais perigoso e terrível, coloco petulância, arrogância e todos os outros sinônimos que dizem mais ou menos a mesma coisa. E que no final de tudo vira a minha mais pura e inocente estupidez de não ter sabido parar na hora certa.

Aí me vejo aqui gritando, esperneando como louca por ter feito tudo errado mais uma vez. E o chilique é aquele mesmo, igual ao de criança mimada que se joga no chão para reclamar seus direitos. Não tem reação tão eloqüente quanto essa. Tão legítima.

O pior ainda é ter a leve desconfiança de que da próxima vez vai ser apenas um pouco melhor – independentemente de ser com você ou não, mas duvido que vá ser diferente. A gente se repete, só uma lobotomia muito bem feita para desfazer tanta burrice emocional. Ou amorosa, como queira.

Vou começar a escrever o que não posso fazer de errado novamente e colar ao lado de onde já tem o resto das auto-ordens. Junto do “passar hidratante todos os dias” vou colar “não tentar resolver todos os problemas dele”. Ah, sim, “não vou querer saber aonde, como e com quem ele saiu”. Minha pele é bem hidratada, meus pés não racham porque me obedeço passando os cremes. Não posso esquecer de colar: “não tenha pena dele”. E nisso meu pai também tinha razão. Quem tem pena morre depenado.

14.11.07

Não enfie amor no meio

Sempre me intrigou o termo “fazer amor”. Tirando o fato de ser brega até o talo, com licença do duplo sentido, nunca entendi porque deram ao sexo esse peso todo. Amor não se faz ali na cama, na banheira, em pé, sentado, ou quietinho em banheiros públicos. Amor se faz no dia a dia, nos planos, nas conversas, nas piadinhas, nos apelidos, na superação. Dar sim é outra coisa. Trepar, fuder, transar, nada disso precisa de amor pra acontecer e pra ser bom.

A diferença está em tudo que envolve o ato em si. Estar numa relação dá tranqüilidade. Aos mais preservados, dá a segurança necessária para mandar uns ‘vai com força, safado’, ou ‘bate na minha bunda’ sem se sair como uma ninfo sedenta. Também faz o dia seguinte ser mais leve. Sem ressaca moral, sem lembrar da cara do sujeito, ou sujeita, e imaginar o que o outro achou, no que está pensando. Sem esperar o telefone tocar ou um novo convite surgir.

Mas sinceramente, sem dar voltas ou medir palavras, vamos lá. Pau dentro é pau dentro, com ou sem amor. No vai e vem da criança, não tem amor que faça diferença. É suor, instinto, é todo mundo querendo gozar. É tira, põe, rebola, mexe, geme, quica, gira, o que a flexibilidade humana permitir. A pessoa pode até gritar ‘eu te amo, eu te amo, eu te amo!’, acompanhando o ritmo do balanço pélvico. Mas se o nheco nheco estiver espetacular, qualquer um vai falar isso. Você ama todo mundo quando está prestes a ter um orgasmo. Ama o mundo, o vizinho, o padeiro, os pássaros, os hippies. Quem dirá a pessoa que está ali colada em você. O sentimento em si, o amor, a vontade de casar, ter filhos, o carinho, o cuidado, nada disso influencia a qualidade do sexo. Ou vai dizer que você nunca deu umazinha inesquecível com uma pessoa que não amava?

Claro que trepar com amor tem um clima diferente. Principalmente pela felicidade e pelo sentimento de plenitude. Mas isso tudo se manifesta nas preliminares, não no pau quebrando em si. Eu estou falando é da hora que o cuco funciona, que a jeripoca pia, que a coruja sangra. De um em cima e outro embaixo, de um de quatro e outro ajoelhado. Tô falando de hormônios ensandecidos que independem de amor pra se manifestar. Que funcionam com toque, com estímulos físicos. Quero ver alguém manter um olhar doce e meigo enquanto está com as costas roçando num lençol e um cara suado rasgando tudo em cima. Quero ver o cara, enquanto está comendo a mulher de quatro, vendo aquela bundona ali dando oi pra ele, aquela coisa toda arreganhada, cheia de carne e fluidos, pensar que vai enfiar o pênis na vagina com amor. Ah, não. E não tem nada de errado em não haver amor nesse momento. É, na verdade, uma prova de que ainda existe justiça nesse mundo doido. Porque tanto os casais mais apaixonados quanto recém-conhecidos podem ter o mesmo prazer.

Se amor bastasse pro sexo ser monumental, se a qualidade da xuxada fosse proporcional ao amor que o casal sente, relacionamentos não balançariam por falta de encaixe, em todos os sentidos. Vale amor com sexo e sexo sem amor. Só não vale “fazer amor”.

ilustração do smeagol claudio frança.