18.2.09

Não me pergunte

A vida vai muito bem até o momento que você decide fazer perguntas. Por que estou nesse emprego? Por que aceitei me casar? Por que engravidei? E daí piora quando você começa a pensar no que vai ser daqui a cinco ou dez anos. Me fizeram essa maldita pergunta um dia: você sabe onde vai estar daqui a cinco anos? Quase mandei se foder. Não, não sei. Meu irmão morreu aos vinte anos. Não teve tempo de pensar nisso. Aliás, tenho muita vontade de xingá-lo, às vezes. Se livrou de se tornar adulto, de pagar contas, de declarar imposto de renda, de criar filhos, de ter que ver seus pais envelhecerem e se preocupar com quem vai tomar conta deles.

Ele não teve tempo de ter uma depressão e não sucumbir. Não teve tempo de ver o mundo mudar com o 11 de setembro. Não viu o Lula fazer todas as besteiras que tem feito. Tenho sentido inveja dele. Porque estou tendo muita preguiça de pensar no futuro. E não quero dizer que prefiro viver o presente. Também não tenho gostado dos dias atuais. E o passado, nada demais para ser contabilizado.

- Você reclama de barriga cheia.

Adoro essa frase. Ela separa os medíocres dos sonhadores. Ela determina o perfil dos conformados e confronta os questionadores. Quem vai mudar alguma coisa nesse mundo se não parar para perguntar o porquê das coisas? Portanto, fico desse lado. Do lado dos que reclamam. Por que sei que sou capaz de reclamar e de fazer também. Questionar é só deixar de aceitar as coisas como elas aparecem.

Quero o conforto. Quero a conta recheada de dinheiro. Definitivamente, dinheiro me traz muita paz. Fico muito feliz com muito dinheiro. Uma coisa depende da outra, claramente. E ter muito dinheiro não me traria para o ponto onde estou. De ficar com esses questionamentos estúpidos sobre como será minha vida em 2013.

Tenho pensado na velhice com uma certa frequência. Os velhos com os quais convivo me dão nervoso e não quero ficar como eles. Tenho uma vida não convencional – não me casei oficialmente, mas tive dois relacionamentos longos, não batizei meu filho, não almoço aos domingos na casa dos meus pais. Fico bastante tempo longe da minha família - minha paciência se esgota na primeira hora, justo quando sentamos à mesa e alguém teima em falar mal de alguma cunhada ou sobrinha. Meu fígado não suporta mais tais chateações. Prefiro ficar à distância, com meus livros e revistas me fazendo companhia.

Livros não me perguntam nada, pelo contrário, me jogam na cara as melhores verdades. É isso que quero. Quero endurecer emocionalmente. Não quero me sentir vítima de nada nem de ninguém. Não quero ter autocompaixão. Quero sobreviver sem enlouquecer. Pelos próximos cinco anos.

Ilustração do Galvão.

11.2.09

amor?


Havia algo errado. Já tinha passado dos 27, vivido um bocado de namoros, casos, enrolações. E por mais diferente que uma história fosse da outra, havia um padrão na forma de agir, no jeito como as coisas acabavam ou começavam. O mesmo sentimento de coisa mal resolvida, um déjá vu de atitudes. Na tentativa de entender o motivo dessa repetição patética, fechou os olhos e resgatou lembranças picadas e mofadas dos seus primeiros relacionamentos.


Ele era o mais bonito da turma. E ela, bem, ela não era. Mas foi
escolhida. E como a menina não tão bonita nem tão popular poderia desprezar o objeto de desejo do colégio? A falta de amor era compensada pela fama rapidamente adquirida. Desfilar com ele pelos corredores e ser alvo de olhares cortantes era o máximo aos 17 anos. Ele gostava dela, gostava mesmo. Deixava bombom na mesa, escondia bilhetes na mochila, ficava tímido quando ela olhava bem firme nos olhos. Dizia que ela era diferente de todas porque não gostava de Capricho, não fazia escova nem escutava New Kids on the Block.

Só que a menina gostava mesmo do esquisito da Exatas. Não conversava
direito com ninguém, matava educação física pra ler na biblioteca e ostentava uma barba rala e mal feita. Passou a esbarrar nada acidentalmente com ele no ponto de ônibus e pegou uma matéria extra na turma de inglês que cursava. E um dia, coitadinha, um dia perdeu a aula e foi à casa dele buscar as anotações. Era decidida, determinada. E safada também. Com 18 anos, sabia que mulheres, quando querem, conseguem as coisas assim. Chegou à casa dele com seu batom cor de boca, pra fingir que não estava maquiada, e a bochecha coradinha depois de tapinhas leves. Assim que ele abriu a porta, fez cara de doente e, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, fingiu um quase desmaio. Pronto. Duas semanas foram o suficiente pra beijar o misterioso. E dez segundos o suficiente para a graça sumir. Sentiu nojo. Na hora achou que fosse da barba. Ou da baba. Empurrou ele, pediu desculpas e saiu correndo.

Chorou horrores no caminho de casa. Sentia culpa, pena no namoradinho
bonito e uma sensação esquisita. Se estava indo atrás do que queria, por que diabos tinha sido tão ruim? A crise de consciência deu febre, dor de barriga, de estômago. Depois dessa achou que tinha aprendido uma lição. Mas não sabia qual. De repente que trair fazia mal ao estômago. Ou que deus castiga quem mente. Mas nada que realmente pudesse ensinar algo como ser humano. Pensou que o tempo e outras experiências acabariam esclarecendo esses episódios.

Dez anos depois lá está ela, novamente perdendo o sono.
Ele é fotógrafo. Magro, alto, ombros peludos. Cabelos crespos e ralos, pele grossa e melada. Está longe de ser a primeira imagem que gostaria de ver assim que abre os olhos pela manhã. Mas ele é fotógrafo. Ele vê tudo de um jeito poético. Enxerga beleza em ângulos tortos. Repara naquele pedaço de corpo que só você vê que é tão bonito. E descobre outros que você desprezava.

Sei por que ela sonha tanto com ele. Por que passa a mão nos cabelos, encolhe a barriga e força a lordose assim que ele passa. Sei tudo. Não é vontade de dar, de estar junto. Não é romance, não é vontade de compartilhar uma história, uma vida, de preparar um café da manhã na cama. É querer ser a musa, a inspiração. A que faz ele querer trabalhar feliz. Aquela para quem ele agradece quando ganha um prêmio. A dedicatória do livro. O tema da melhor exposição da carreira dele. E talvez ela vá atrás. Talvez use a mesma tática que usou quando era uma menina. Bata à porta com uma desculpa besta, finja que é frágil e viva uma história.

Depois de pensar, pensar e pensar ela veio pedir minha opinião.

- Vai ver não nasci pra amar, sei lá.

- Vai ver que isso que você anda procurando não é amor.

- Eu quero um cara que babe por mim, só isso. Que nem cachorro
raivoso. Isso me dá segurança, sabe? Eu sei que parece carência mal direcionada, mas foda-se.
- Então desencana. Esquece amor. Fica todo mundo procurando amor, amor, amor e nem sabe direito o que quer. Pelo menos agora você sabe: quer ter o ego massageado o tempo todo.
- Sou uma vaca por causa disso?

- Não. É só uma frustrada a menos no mundo.


ilustração em vidabesta.com