30.11.05

O que não se diz

Fazia tempo que não se viam, quando conseguiram finalmente marcar um almoço. Como acontece com todo mundo, cada uma tomou um rumo. Mas naquele ano, depois de cinco apenas se falando por e-mail, skype e messenger, as três iam relembrar o tempo em que tocavam campainha e fugiam, pulavam elástico e acobertavam as mentiras umas das outras.

Mirtês foi a primeira a chegar. Sempre tida como a tímida, agora Mirtês se considerava apenas discreta. Na escola, tirava as melhores notas. Nem por ser tão inteligente, mas sim esforçada. Surpreendeu quando disse que estudaria artes. "Uma menina tão esperta, que desperdício. Devia ter feito medicina". Por mais que sofresse com os comentários, porque Mirtês assumia sim que se importava com o que os outros pensavam e falavam, foi até o fim em sua decisão. Ralou muito, teve crises existenciais pesadas, mas pouco falava sobre seu sofrimento. Só o básico, pra compartilhar com as amigas. Não queria incomodar os outros. Hoje é curadora de um dos maiores museus da cidade.

Em seguida chega Virgínia. Não mudou nem um centímetro sequer, mesmo após três filhos. Sua beleza era óbvia, quase matemática de tão perfeita. A mesma que deixava os meninos do colégio, os porteiros da rua, o balconista da padaria, os pais de algumas amigas, o primo tarado e a vizinha do 702 babando. Chegou a exercer sua profissão, mas virou dona de casa. Durou pouco. Suspeitou que o marido tinha um caso com a secretária. Fez ele mandar a menina embora, contratou uma babá e virou secretária dele. Agora ela suspeita da babá.

Enfim, atrasada e desligada como sempre, Nora entra sorridente no restaurante. Impressionante como o tempo parece ter congelado aquele sorriso, como se ela nunca tivesse tirado uma máscara feliz do rosto. Nora sempre foi a mais querida, a mais popular. Era amiga de todos. Problemas não eram com ela. Tirava tudo de letra e ficava impressionada como Mirtês conseguia ver tantas respostas para a pergunta "por que ele não me ligou?". Virou psicóloga porque sempre se achou boa pra resolver o problema dos outros. “Já que sou bem resolvida, vou ajudar os outros com as misérias deles’.


Começa a conversa, que faço questão de colocar com legenda, traduzindo o que cada uma realmente pensava. Na impossibilidade de transcrever tudo, pelo tamanho da conversa (foram duas horas e meia), coloco os melhores momentos.

Mirtês: (...) Sim, passei por uma barra pesada...depois do fim do namoro com o Diego, descobri que ele tinha clonado meu cartão...zerou minha conta. Precisei decretar falência e fechar a galeria. Vendi meu carro, voltei a morar com meus pais. E o Iggy, lembra, meu cachorro? Então, foi atropelado na época. Penei.
Nora: Porra, Mirtês...que horror. Mas você tem que ver o lado bom das coisas. Lembra da Vida de Brian, o filme? Então. Tem que seguir adiante.
Mirtês: Pô, mas isso eu fiz. Senão nem estaria aqui.
Virgínia: A vida sempre foi meio assim com você, né Mirtinha? Te deu cada rasteira...lembra quando te acusaram de colocar uma bomba no banheiro do colégio e revistaram sua mochila na frente do André, o menino que você gostava? Caiu um modes da sua bolsa...nossa, que pesadelo..
Nora, morrendo de rir: quando eu tô de mau humor lembro disso e volto a ficar bem.
Mirtês, com um leve sorriso: Ah, vão tomar no cu vocês duas.
Virgínia e Nora: Creeeeedo, Mirtinha.
Virgínia: Que horror, a gente ta só brincando.
Mirtês: Sei...então falem de vocês agora.
Virgínia: Ah, eu tô numa fase maravilhosa (seria melhor se não fosse a babá ninfeta e a dívida que criei pra comprar essa bolsa Louis Vitton, especialmente pra esse encontro.) As crianças tão lindas, você precisam ver (nossa, tenho que marcar um tratamento de espinha pro Luizinho. Aquela carinha dele parece um chokito.) Meu marido e eu saímos numa segunda lua de mel mês passado. Conhecemos Veneza...linda (putz, se elas soubessem como fede aquele lugar.)
Nora:
E vocês continuam trepando que nem uns adolescentes? Pareciam dois coelhos, lembra Mirtês?
Mirtês: Claro, Vivi nem calcinha conseguia usar.
Virgínia: Não vou entrar em detalhes, mas sim, estou sendo bem comida, obrigada (...quando foi mesmo a última vez...?) Mas a vida de solteira de vocês deve ser bem mais interessante.
Nora: Bem, você sabe. Eu prefiro só sexo...esse negócio de namorar dá trabalho demais. Prefiro até que nem me liguem no dia seguinte (toca, celular, toca desgraçado. Cadê esse homem que não me liga?)
Mirtês:
Queria ser assim...
Nora: Você tem que ser mais relaxada, Mi. Pensa que nem homem e as coisas melhoram. Seja simplista, não fica vendo coisa onde não tem.
Mirtês: Norinha, na boa, posso tentar, me esforçar, melhorar, aprender a controlar minha ansiedade, mas fingir que não quero que o cara me ligue depois de me ver lá peladona, gemendo, de cabeça pra baixo, de lado, no escuro, no claro, suada, descabelada, aí não dá.
Virgínia: Humm..de cabeça pra baixo?
Nora: É, acho que simplesmente tive sorte de nascer assim, de cabeça fresca (e de poder prescrever Prozac pra mim mesma.)
Mirtês:
Gente, são duas horas! Tenho uma reunião importantíssima. Vou trazer uma exposição badaladérrima pra cá.
Nora: Vê se pensa positivo, hein?
Mirtês: Ô, Norinha, num sou uma mala pessimista. Só tenho problemas como qualquer outro. Mas tô bem agora. Não vou fingir que é sempre tudo feliz e lindo, né?
Virgínia: Amiga, vai dar tudo certo, você vai ver. Vou rezar por você (mas só depois de pedir a Deus pra tudo dar certo na lipo de amanhã.)
Mirtês:
Poxa, gente, brigada. Apesar de vocês me tratarem que nem uma perturbada, sei que posso falar tudo que penso. Mas é que perto de vocês, com essas vidas de seriado americano, eu pareço mesmo uma desequilibrada.
Nora: Larga de ser boba. Amiga é pra isso mesmo. A gente sempre vai dizer o que pensa (caraca, tô fedendo à comida desse self-service.) Não tem porque ter medo do que a outra vai achar.
Virgínia: A gente é o que é. Se somos amigas é porque conhecemos de verdade a outra e nos aceitamos assim (isso na unha dela é Terra com Rebu? Voltou à moda?)
Mirtês:
Nunca tive dúvidas sobre isso.

Mirtês foi embora pensando no quanto queria ser mais tranqüila, como suas amigas, sem ter a menor idéia de que, das três, sempre foi a mais feliz.

para os amigos de verdade.

29.11.05

Pra ele


Resumir. Se você quer falar do Claudio, esqueça essa forma rápida e simples de dizer o que você pensa sobre ele em algumas linhas ou minutos. Eu demorei a entender isso, confesso que em alguns momentos me irritei mesmo e cheguei até ao absurdo de concordar com algumas pessoas que disseram que ele era prolixo.

Mas quem conhece o Claudio consegue entender perfeitamente o que ele quer dizer. Sabe fazer rir como ninguém, mesmo estando de mau humor. E de bobo não tem nada. Ama o blues e sua banda, que tem mais de 10 anos, é um exemplo de como ele leva a sério a coisa. A Big Bat sempre se manteve firme em seu propósito: tocar blues. Imagina em 10 anos quantas vezes eles não ouviram: mas por que vocês não tocam rock? o Raul Seixas também é blues, sabia? o Legião Urbana tem uma música que é um blues, por que vocês não tocam? olha, a gente queria contratar a banda, mas tem que tocar de tudo, vocês tocam né? Não, não e não. Agüentar isso mesmo quando o bolso tá vazio e querendo falar mais alto que sua convicção e nunca, nunquinha ter se rendido aos apelos da vida fácil são motivos de orgulho pra mim.

E mesmo depois de tanto tempo, Claudio ainda tem paciência pra explicar, cumprimentar as pessoas na rua com carinho, abrir um sorrisão e estender com vontade a mão para ser apertada com entusiasmo. Como é diferente de mim, que muitas vezes tenho preguiça de falar e atravesso a rua, desvio o olhar, finjo que não vejo. Por que sou assim? Diferentemente do Cláudio que conversa tanto, que tem tanto assunto, que sabe o que acontece no Camboja, na Austrália, no Rio Grande do Norte. Adora ler National Geografic e fica assustado com as previsões do fim do mundo.

Tão menino de tão perdido, daqueles que a gente precisa pegar na mão e levar, mas antes acalmar com água e açúcar e confortar contra o peito. Meu amado Claudio, que tanto mostra me desejar, me amar, que me beija com força e todos os dias, no elevador, no carro, na garagem. Que gosta de conversar à noite na cama enquanto luto contra minhas pálpebras pesadas que desmoronam cada vez mais rápido.

E como questiona, como pergunta sobre tudo e sobre tudo parece ter opinião. Tenho curiosidade em saber o que acham dele. Já tive que dividi-lo, mesmo sem saber, e como isso é duro. Mas amor é liberdade. Então tá. Seja livre e fique comigo porque me alimento das suas besteiras. E das comidinhas que você faz pra mim, tarde da noite. Enquanto eu já estou quase morta lá no sofá. E lá fico esperando você chegar para deitar na sua barriga e dormir sem desligar a TV. Boa noite.

P.S. Claudio é namorido da Elisa há 9 anos. A ilustração é do Galvão www.vidabesta.com

24.11.05

Um dia, um blog

A Bia escreve, a Jana escreve, a Babe escreve, até o Sandro escreve. Respectivamente, minha prima, uma amiga e outra amiga, só que de infância. E por último, o baixista da Big Bat. Sou redatora faz um tempinho, gostava de fazer redações no colégio e ganhava chocolate como prêmio.

Um dia minha mãe fez uma redação pra mim e a professora adorou. E, claro, não acreditou que eu quem tinha feito. Aí vi mesmo que queria saber escrever bonitinho. Mas até então, na minha cabeça, redação era composta de introdução, desenvolvimento e conclusão. No vestibular, vieram as dissertações, só o nome já é pesado de falar. Na faculdade, de novo as redações, agora com um adendo: publicitárias.

No trabalho, as redações publicitárias serviam para um job. E desde então acho que só sei escrever pro job, meu grande patrão. Isso até falar pra Bebel que queria escrever com liberdade. Aí ela mandou essa: começa hoje mesmo. De quando ela disse até chegar aqui gastei 29 horas. Já fiz 3 textos contando com esse. E pensei em criar um blog, com a Val, que também é redatora mas não escreve, e que também tem vontade de escrever. Aí me vem, pra que vou escrever um blog? Não é exibicionismo demais? Não é se expor demais? E tenho lido blogs alheios e não entendo o compromisso de ir lá, colocar no ar um texto toda vez que surge um fato interessante.

Fico pensando na rotina: pensei uma coisa engraçadinha, vou sentar aqui e escrever sobre coisinhas do cotidiano porque isso é cool e eu sou muito inteligente. Não quero que pensem isso de mim, nem penso isso dos donos dos blogs de quem citei aí em cima. Sou confusa com esse assunto, não sei simplesmente ir lá e fazer. Acho que tenho vergonha e medo de julgamentos, ou preguiça mesmo. Mas me sinto bem digitando essas linhas.

Fico com vergonha de não ter lido tantos livros, de ter parado a Montanha Mágica na metade. Tenho vontade de voltar ao tempo em que lia os livrinhos da coleção Para Gostar de Ler, com crônicas tão legais. Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e outros que me esqueci. Queria fazer uma grande obra, mas por quê? Que besteira tudo isso. Pena que você leu até aqui, tenho que pedir desculpas.

Tampa

Por hoje, decidi terminar tudo que comecei.
Decidi responder o e-mail daquele amigo que se mudou faz tempo. Escreveu pra mim um mês atrás,perguntando como estou. E falar de mim tá me dando uma preguiça.
Tomei vergonha nessa cara cheia de ácido e creme para os olhos e também gravei um cd, que baixei da internet nem sei quando.
Brinquei com meu gato durante os 15 minutos recomendados por uma revista feminina.
Saquei um livro que criava raízes no meu baú-mudo e li páginas, páginas e páginas. Até marquei a última lida, coisa que nunca faço, quando com sono deixei 300 e poucas folhas caírem sobre meu rosto. Já sem ácido a essa altura.
Visitei parentes, arrumei o armário, cataloguei os cds, deletei arquivos velhos do computador, organizei fotos antigas, apaguei nomes da minha agenda.
Fechei as tampas do xampu, do condicionar, da pasta de dente, do creme para os olhos, do ácido para o rosto.
Fiz tudo certinho, como meu pai sempre disse que deveria ser. Mas nem assim achei a tampa pra fechar esse pensamento insistente, que me fez passar o dia arrumando compulsivamente tudo que via pela frente, na esperança de resolver a única bagunça que estava fora de meu alcance.
Amanhã vou me sentir melhor. Ou patética. Mas pelo menos meu quarto está uma beleza.