28.6.06

Breve no Polishop


Ter personal alguma coisa está na moda. Pelo que me lembro, tudo começou com personal trainer. E nem invente de chamar de professor particular, que não é isso. É personal trainer. Fica mais chique. Na verdade, tudo com personal na frente fica mais chique. Personal language, poderia ser professor de idiomas. Personal maid, empregada e personal mate, sinônimo para namorado. Imagine só:
- Fatinha, esse é o Marcelo, meu personal mate.

Aqui em Vitória, onde a população de peruas e emergentes é a maior per capita do país, imagino até um personal guide. Seria assim: você quer fazer compras, mas a Praia do Canto é tão grande que tem medo de se perder. Para ter certeza de que vai ao lugar certo, chama seu personal guide. Ele sabe exatamente onde encontrar o que você quer e no número que precisa, entre todas as opções que a Praia do Canto, o Jardins capixaba, oferece.

E quando chegar em casa, caso tenha problemas em combinar aquela peça de roupa com as outras de que já dispõe em seu closet de 20m², você vai chamar quem, quem, quem? Seu personal stlyler, claro! Se precisar fazer uma viagem, pra que esquentar a cabeça cheia de laquê com malas? Chame o personal organizer, que sabe como ninguém separar os coringas do seu armário e dobrar tudo tão lindamente que você vai ter pena de usar. Tudo isso, enquanto a personal nutricionista prepara o cardápio para seus personal filhos.

Ironias à parte, acho que um personal pode ser útil de verdade em alguns casos. Se tivesse que escolher um, escolheria (ou inventaria) logo um definitivo: o personal me. Não limitaria tarefas. O personal me faria tudo aquilo que não estivesse a fim de fazer. Banco, supermercado, trocar óleo, velórios, reuniões e alguns eventos sociais. Imagina a cara dos outros quando chegasse lá meu personal e dissesse:
- Olá, boa noite. Sou o personal me da Val. Ela me mandou aqui porque tinha outros compromissos marcados. Disse que sente muito e que não perderá o próximo. A propósito, bela festa, parabéns.

Além de ser bem mais simpático que eu, ele ainda reverteria a situação. Em vez de ficarem chateados com minha ausência, os anfitriões ainda sentiriam-se honrados com minha preocupação em enviar um representante. Fora que, o Zig Zag e o Paulo Octavio noticiariam o ocorrido no dia seguinte, lançando a moda em proporções tsunâmicas pela alta capixaba.
O personal me também poderia ser usado para fins mais baixos. Se alguém dá uma fechada no trânsito, você anota a placa calmamente e passa para seu personal, que perseguirá o infeliz e devolverá a gentileza assim que possível.

Ou seja, o personal me tornaria o mundo um lugar mais preguiçoso e vingativo.
Alguém quer patentear?

Ilustração do Galvão: www.vidabesta.com

13.6.06

Amar é não sentir irc


Quando a gente sabe que realmente ama alguém? Que sinal, que prova, em que momento a gente tem essa descoberta tão necessária e importante e, ao mesmo, tempo tão difícil de precisar? Eu arrumei minha maneira. Descobri que amar é não sentir irc. Irc é, para mim, um dos piores sentimentos que você pode ter por alguém. Por isso determinei que ele é muito mais forte do que todas aquelas baboseiras juntas: superar as dificuldades, perdoar, se doar, ser companheiro, ser verdadeiro, sentir tesão de segunda a segunda, ter pinto grande, ter bunda dura, ter dinheiro no banco. O irc é o vírus que destrói o amor.

Faça o teste para saber se você já sentiu irc por alguém:
1) Vocês vão a um restaurante fresquinho, desses cheios de talher e copos na mesa. Ele está lindo, bem arrumado e cheiroso. Mas não sabe pegar o garfo direito, pendura o guardanapo no pescoço e bebe o vinho tinto na taça de água. Como você se sente? Se nem ligou, ótimo, você não tem irc. Mas se se irritou, minha amiga, é provável que você tenha irc.

Quanto aos homens, não sei se eles sentem irc. Até porque eles são meio desligados para alguns detalhes. Se você é homem e está lendo este texto, por favor, dê sua opinião.

O irc não é a aversão a um defeito de alguém. É o nervosinho que você sente pelo jeito de uma pessoa a ponto de não conseguir tolerar nem mais um mês ao lado da pobre ou do pobre coitado. O irc começa aos poucos, você nem percebe direito. É difícil de controlar, é crescente, é dominante. Se você sente irc por alguém, dificilmente ele ou ela vai ser o amor da sua vida. Eu superei os ircs, acho que posso dizer que já sei amar.

3.6.06

A difícil arte de ser simples


Por um momento pensou em chamá-la de alma gêmea. Desistiu. Não queria rebaixá-la a alma gêmea de alguém tão imperfeito.
Ele tão bruto, tão cru. Não sabia esconder seus sentimentos. Eles vinham à tona de um jeito descontrolado. Que nem soluço. Jurava para si mesmo que tentaria ser mais discreto. Incomodava o fato de ele ter as emoções que sentia por dentro sempre estampadas no rosto. Queria saber mentir, ou simplesmente disfarçar, mas nem isso conseguia. Acreditava que essa transparência era uma qualidade, mas desejava aprender a controlá-la. Era incapaz de engolir certas angústias. "Melhor assim", dizia a mãe dele. "Engolir frustrações pode até dar câncer". Ela não imaginava o quanto ele gostaria de correr o risco.

Sentia-se um louco quando, diante da mulher que tanto amava, tinha ataques aparentemente infundados. Experimentava tudo com tamanha intensidade que na adolescência, cercado de espinhas e ignorância, pensava se não era gay. Um homem pode ser assim, tão sensível a tudo? Chegou a considerar a hipótese de ser evoluído demais. Ou ao menos de estar um passo acima da humanidade na escala da evolução. Porque via os pormenores de tudo, ia além do que qualquer um poderia ver. Nada era o que parecia ser. Cansado da teoria darwiniana partiu para a da loucura. Estava convencido de que era doido, maluco mesmo. Que dava proporções absurdas a qualquer coisa.

Estar ao lado dela era a prova maior de que sua mente funcionava de forma misteriosa. Ela sempre calma. Demonstrava algumas inquietações. Mas não chorava diante de pequenos imprevistos ou quando algum programa de TV mostrava dois irmãos se reencontrando depois de anos. TPM, rompantes, ataques. Nada disso acontecia com ela. E quem poderia culpá-la? Apenas invejá-la pela simplicidade com que encarava tudo. Sim, poderiam acusá-la de ser superficial. Pura inveja. Quantos como ele, que não só vêem beleza na tristeza, como gostam de degustá-la, não sonhavam em conseguir ser como ela? Não complicar a vida. Não ter que disfarçar o que sente porque simplesmente não sente. Não se sentir refém de qualquer emoção vagabunda. Não ter medo de se arriscar por desconhecer o tamanho do tombo que pode levar. Não questionar o quanto se é capaz, não se comparar a outros. Apenas fazer o que acreditava fazer bem. Não precisar sofrer, cair, apanhar pra conseguir ver graça em piadas bobas ou comédias românticas.

Ele a admirava. Lutava pra tentar chegar perto do que ela era. Mas sempre que se via diante uma situação em que perdia o controle de suas lágrimas, percebia que nunca conseguiria. Aquilo era sua natureza. E aquilo um dia, ainda acabaria com tudo.
E de fato foi isso que aconteceu. Ele terminou. Não suportava mais tentar entender por que ela o amava e como eles davam certo apesar de tão diferentes. Pensava tanto que não tinha tempo de ser feliz. Que estúpido.

Ilustração: Paulo Prot
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