24.5.06

Só nos resta viver


Encontrei a solidão esses dias, entre 9 e 10 da noite. Era uma terça-feira, e as terças-feiras sempre se mostraram difíceis e ardilosas. Sinto o gosto da terça-feira, nem chega a ser amargo, tem gosto de inseto que entra pela boca quando você está distraído. As memórias de outras terças-feiras, do peso do dia que parece ter mais de 24 horas, que parece ser longo como um sermão na igreja, que é insuportável como o horário político. É terça-feira, estou sozinha, vulnerável, o tempo é gelado, o vento é cinza. Perfeito para um encontro com ela, justamente de quem mais procuro fugir, me esconder, evitar esbarrões desnecessários.

A solidão é supérflua, não preciso dela, não sinto falta, não desejo e aprendi a me livrar dela com o tempo. Aliás, fazia muito tempo que não pensava nela. Mas bastou ser terça-feira, fazer frio e ser 9 horas da noite, entrar no carro, dar algumas voltas pela rua, ver os bares com casais, ver outros bares vazios, não ver nenhuma mulher sentada sozinha em nenhum deles para me sentir sozinha. Vejo um homem sozinho no bar, bebendo e fumando. A solidão veste melhor um homem que uma mulher. A visão de uma mulher no bar, sozinha, fumando e bebendo é dura e estranha. Além da solidão ainda encontro o preconceito. Estou muito bem acompanhada nesta terça, como já deu pra notar.

De nada adianta os livros que li, o quanto amadureci antes do tempo, todos os perrengues que passei, não adianta o que algumas pessoas já falaram de mim, que sou forte, que agüento tudo, que seguro qualquer coisa. As frases prontas estalam na cabeça: você não precisa de ninguém para ser feliz, você tem que se bastar, você não pode depender de ninguém. Quem falou tudo isso não estava no meu lugar, numa terça-feira fria, com a solidão ali, sentada no banco do carona olhando pra mim. E quanto mais voltas eu dava, querendo encontrar um lugar para me livrar dela, mais ela se recostava no banco e ria. Também dói em mim saber que a solidão existe e insiste.

16.5.06

Sem querer querendo

Odeio pedir desculpas por várias razões. Orgulho nem é a pior delas. O que mata é o que vem por trás das desculpas. Algumas situações são simples de lidar. Um pisão no pé, por exemplo, foi mal aê resolve. Mas em outros casos, desculpa só soa como uma palavra vazia, que tenta reverter algo que não tem volta.

Outro dia eu fui, digamos, um tanto quanto grossa com alguém que amo na frente de outras pessoas. Sim, eu sabia que estava fazendo merda. Mas dentro de mim, em algum lugar, tem um botão que aciona meu Personal Pica-Pau Mau. Não sei precisar o que faz isso surgir, mas normalmente é algo que mexe, de forma que nem eu entendo bem, com meu orgulho ou minha segurança. E aí não consigo me controlar. Vem brotando lá das profundezas do pior lado do cérebro um pensamento maldoso que toma a temida forma de uma frase extremamente escrota, dessas capazes de acabar com o clima de qualquer situação. E aí, depois de um papelão desse, me sinto ainda mais estúpida de ter que pedir desculpas. Como se pronunciar a palavra fosse consertar o que aconteceu. Sim, eu sei que o objetivo de se desculpar não é reparar o passado, mas mostrar que está arrependido, que sente muito pela cagada que fez. Mas a culpa, a consciência de que a qualquer momento algo pode novamente acionar aquele botão do pica-pau mau, faz qualquer desculpa parecer inútil. Não para o outro, mas para mim.

Desculpas não têm propriedade de fazer o fato passado entrar em ebulição e evaporar no ar. A grosseria continua lá, registrada na mente de quem sofreu com minha estupidez. Assumir o erro não faz a culpa sumir. Continuo envergonhada por um bom tempo, até provar pela convivência, que a merda que fiz foi exceção e não regra.

E é essa a razão maior de eu odiar desculpas: saber que eu cheguei ao extremo, que passei por várias etapas, que tive a chance de parar antes, mas fui adiante, até chegar ao ponto de cometer um erro cretino e ter que me desculpar. Pior que isso é saber que pedir desculpas não me livra de cometer o mesmo erro novamente e aí então, me sentir um cocô outra vez.

Por isso que tenho pavor de gente que faz da desculpa um hábito, um vício. Que ofende, erra, trai, mente e pensa que tudo se resolve com um olhar de cachorro que caiu da mudança e um “me desculpa”. Pra agredir mais só falta dizer “sou humano”. Sou capaz de mandar se fuder.

Como hoje estou num dia bom, vou ser otimista. Vou acreditar que se guardar direitinho na minha memória a sensação ruim que é se arrepender e ter que se desculpar, talvez cometa menos erros. E quando ainda assim vacilar, não vou sofrer tanto quanto ou até mais que a vítima. Porque pior que ter que pronunciar essa bendita palavra, é não admitir o erro e negar se desculpar.

Ilustração do Galvão. www.vidabesta.com

4.5.06

Merda

Vou fazer jus ao nome deste blog. Vou falar sobre cocô. O pior deles, na minha opinião. Aquele que insiste em ficar nadando e se exibindo no fundo do vaso. Geralmente, o tipo é um cocozinho pequeno, mas desafiador. Observe a cena: sua mão está determinada, uma, duas, três vezes você aperta o botão da descarga. E o que acontece? Nada. O maldito cocozinho sobe, desce e finge que se vai no redemoinho formado pelas corredeiras que saem de todos aqueles furinhos da louça. Mas quando tudo volta ao normal, as águas da latrina se acalmam, lá está ele de volta. Parece um personagem de filme de terror – quando você pensa que tudo acabou bem, ele ressurge das profundezas.

Ele nada contra a corrente, é praticamente um subversivo. Só o que vai por água abaixo nessa brincadeira é sua consciência ecológica. Cada desejo de ver o mísero cocô desaparecer da sua frente significam, dizem, 25 litros de água limpa indo parar em alguma praia longínqua. Essa merda de cocozinho não merece tanto. Então porque ele não vai embora de uma vez, que nem os outros? Já sei porque. Enquanto ele brinca de dançar no fundo da privada ao mesmo tempo me encara e deixa bem claro a que veio. O tal cocozinho é o medo que tenho de errar, o pavor que tenho de falhar, o pânico que me bate de esquecer. Por isso ele fica ali, me fazendo lembrar que preciso ficar atenta até mesmo depois de, você sabe. Senão, o sujeito principal deste texto volta de onde nunca deveria ter saído pra contar pra todo mundo: ela cagou.