13.3.11

Mudança

- você mudou.
- como assim?, ele perguntou enquanto mastigava.
- você nem reclamou que esqueci de picar bem a cebola.
- é, sei lá. achava chato ver você picando a cebola só pra mim. aprendi a gostar dela assim.

a conversa deu uma pausa reticente. ela demorou a voltar a comer, como quem tinha mais a dizer, mas engoliu as palavras junto com o macarrão e mudou de assunto.

- sabe aquele livro que eu lendo?
- hum?
- sabe? o da capa amarela?
- sei, sei.
- viu ele por aí?
- vi em cima do sofá.
- já olhei lá. não achei.
- é porque eu guardei na estante.
- guardou?
- é. vi em cima do sofá e guardei.
- você viu o livro, pensou que aquele não era o lugar dele, pegou e guardou?
- fica de gracinha que na próxima coloco no chão, hein?
- calma, brincadeira. foi só um jeito desajeitado de demonstrar gratidão pela sua inédita atitude.
- isso é bom?
- é ótimo.

a mudança de hábitos era visível. tão visível que ela questionava a motivação. a tampa do vaso agora estava sempre fechada. a toalha de rosto estava sendo usada para enxugar o rosto e não para secar o suor embaixo do braço. os amigos que gastavam todo salário em micaretas sumiram. e o mais suspeito: o marido continuava feliz.
sentiu um cheiro de outra no ar. isso explicaria por que ele comprou um perfume novo e chegou com flores outro dia. o que mais pensar senão "fudeu, ele tem um caso"? depois de anos se esforçando, travando batalhas pra ele mudar, ele simplesmente... mudou? assim, por conta própria?
partiu então para a prova final.

- luiz, a fim de ver um filme.
- pode ser. quer ir ao cinema?
- não. pensei em ver aquele que comprei outro dia.
- o do menino que dança?
- é, você resumiu bastante. é sobre uma família em que os homens tradicionalmente trabalham em minas e o caçula tem talento pra dançar. tem todo um contexto, uma profundidade.
- eu sei, eu sei. você falou tudo isso da outra vez que tentou me convencer.
- você não veria por mim?
- olha a chantagem, mari.
- poxa, você mudou em tanta coisa mais difícil.
- e nunca tá bom, ? tenho que ver o filme do boiolinha pra provar que te amo.
- não é boiola. ele só dança.
- ah, dá no mesmo.
- quer dizer que você não vai ver?
- só se você ameaçar cortar o sexo.
- tudo bem, deixa pra lá. eu vejo outro dia.
e deu as costas aliviada.

ps: lindos leitores, a gente sente muito por não manter mais o ritmo de antes. tempo, compromissos, correria, essas coisas mudaram e quebraram a rotina de escrever. obrigada por insistirem e continuarem aparecendo. a gente promete que vai tentar agir igual a vocês.