23.5.07

Receita de vida

Adoro ler horóscopo. E adoro acreditar neles. Não esqueço de um que dizia que eu precisava deixar minha marca neste mundo, nem que fosse com uma receita. Acabei levando a história a sério e sem querer contrariar os astros, principalmente Plutão que já foi bem sacaneado, inventei duas receitas.

Como sou uma negação como mestre-cuca, as receitas são de sucos, supermega refrescantes e não me lembro de ter visto nenhum dos dois em nenhuma lanchonete. Mas nem vou procurar muito. Quero continuar acreditando no horóscopo.

Suco de Maranana – maracujá com banana
Muito, muito fácil

1 maracujá maduro
2 copos d’água bem geladinhos
1 banana-prata madura

Jogue tudo no liquidificador e bata por alguns segundos. Coe e sirva num copo bem bacana. Adoce se quiser.

Suco de Mação – maçã, limão, canela e gengibre
Esse é mais elaborado

1 pau de canela
2 copos d’água
1 maçã
1 limão
um pouquinho de gengibre

Ferva a água com o pau de canela e em seguida coloque-a para gelar. Depois de gelada, coloque a água, a maçã, o limão e o gengibre no liquidificador e bata bem. Lembre-se de tirar os caroços da maçã e descascar o limão. Coe e sirva com gelo.

Para quem é de Leão, o horóscopo do dia em que postei – 23/5:
Leão, tudo tão... Com sua exuberante força solar, muita gente pensa que está sempre tudo certo, tudo em cima. Mas os reis também têm seus downs e questionamentos, suas inseguranças e fantasmas. Olhe para você com calma, dê-se o tempo da reflexão. Você tem dúvidas, mas também tem respostas. (Já viu coisa mais profunda que isso?)

16.5.07

Tortura moderna


“Tenta sim. Vai ficar lindo.”
Foi assim que decidi, por livre e espontânea pressão de amigas, me render à depilação na virilha. Falaram que eu ia me sentir dez quilos mais leve. Mas acho que pentelho não pesa tanto assim. Disseram que meu namorado ia amar, que eu nunca mais ia querer outra coisa. Eu imaginava que ia doer, porque elas ao menos me avisaram que isso aconteceria. Mas não esperava que por trás disso, e bota por trás nisso, havia toda uma indústria pornô-ginecológica-estética.

- Oi, queria marcar depilação com a Penélope.
- Vai depilar o quê?
- Virilha.
- Normal ou cavada?
Parei aí. Eu lá sabia o que seria uma virilha cavada. Mas já que era pra fazer, quis fazer direito.
- Cavada mesmo.
- Amanhã, às... deixa eu ver...13h?
- Ok. Marcado.

Chegou o dia em que perderia dez quilos. Almocei coisas leves, porque sabia lá o que me esperava, coloquei roupas bonitas, assim, pra ficar chique. Escolhi uma calcinha apresentável. E lá fui. Assim que cheguei, Penélope estava esperando. Moça alta, forte, bonitona. Oba, vou ficar que nem ela, legal. Pediu que eu a seguisse até o local onde o ritual seria realizado. Saímos da sala de espera e logo entrei num longo corredor. De um lado a parede e do outro, várias cortinas brancas. Por trás delas ouvia gemidos, gritos, conversas. Uma mistura de Calígula com O Albergue. Já senti um frio na barriga ali mesmo, sem desabotoar nem um botão. Eis que chegamos ao nosso cantinho: uma maca, cercada de cortinas.
- Querida, pode deitar.

Tirei a calça e, timidamente, fiquei lá estirada de calcinha na maca. Mas a Penélope mal olhou pra mim. Virou de costas e ficou de frente pra uma mesinha. Ali estavam os aparelhos de tortura. Vi coisas estranhas. Uma panela, uma máquina de cortar cabelo, uma pinça. Meu Deus, era O Albergue mesmo. De repente ela vem com um barbante na mão. Fingi que era natural e sabia o que ela faria com aquilo, mas fiquei surpresa quando ela passou a cordinha pelas laterais da calcinha e a amarrou bem forte.
- Quer bem cavada?
- ...é... é, isso.

Penélope então deixou a calcinha tampando apenas uma fina faixa da Abigail, nome carinhoso de meu órgão, esqueci de apresentar antes.
- Os pêlos estão altos demais. Vou cortar um pouco senão vai doer mais ainda.
- Ah, sim, claro.
Claro nada, não entendia porra nenhuma do que ela fazia. Mas confiei. De repente, ela volta da mesinha de tortura com uma espátula melada de um líquido viscoso e quente (via pela fumaça).
- Pode abrir as pernas.
- Assim?
- Não, querida. Que nem borboleta, sabe? Dobra os joelhos e depois joga cada perna pra um lado.
- Arreganhada, né?
Ela riu. Que situação. E então, Pê passou a primeira camada de cera quente em minha virilha virgem. Gostoso, quentinho, agradável. Até a hora de puxar.


Foi rápido e fatal. Achei que toda a pele de meu corpo tivesse saído, que apenas minha ossada havia sobrado na maca. Não tive coragem de olhar. Achei que havia sangue jorrando até o teto. Até procurei minha bolsa com os olhos, já cogitando a possibilidade de ligar para o Samu. Tudo isso buscando me concentrar em minha expressão, para fingir que era tudo supernatural. Penélope perguntou se estava tudo bem quando me notou roxa. Eu havia esquecido de respirar. Tinha medo de que doesse mais.
- Tudo ótimo. E você?
Ela riu de novo como quem pensa “que garota estranha”. Mas deve ter aprendido a ser simpática para manter clientes.


O processo medieval continuou. A cada puxada eu tinha vontade de espancar Penélope. Lembrava de minhas amigas recomendando a depilação e imaginava que era tudo uma grande sacanagem, só pra me fazer sofrer. Todas recomendam a todos porque se cansam de sofrer sozinhas.
- Quer que tire dos lábios?
- Não, eu quero só virilha, bigode não.
- Não, querida, os lábios dela aqui ó.
Não, não, pára tudo. Depilar os tais grandes lábios ? Putz, que idéia. Mas topei. Quem está na maca tem que se fuder mesmo.
- Ah, arranca aí. Faz isso valer a pena, por favor.
Não bastasse minha condição, a depiladora do lado invade o cafofinho de Penélope e dá uma conferida na Abigail.
- Olha, tá ficando linda essa depilação.
- Menina, mas tá cheio de encravado aqui. Olha de perto.

Se tivesse sobrado algum pentelhinho, ele teria balançado com a respiração das duas. Estavam bem perto dali. Cerrei os olhos e pedi que fosse um pesadelo. “Me leva daqui, Deus, me teletransporta”. Só voltei à terra quando entre uns blábláblás ouvi a palavra pinça.
- Vou dar uma pinçada aqui porque ficaram um pelinhos, tá?
- Pode pinçar, tá tudo dormente mesmo, tô sentindo nada.
Estava enganada. Senti cada picadinha daquela pinça filha da mãe arrancar cabelinhos resistentes da pele já dolorida. E quis matá-la. Mas mal sabia que o motivo para isso ainda estava por vir.

- Vamos ficar de lado agora?
- Hein?
- Deitar de lado pra fazer a parte cavada.
Pior não podia ficar. Obedeci à Penélope. Deitei de ladinho e fiquei esperando novas ordens.
- Segura sua bunda aqui?
- Hein?
- Essa banda aqui de cima, puxa ela pra afastar da outra banda.
Tive vontade de chorar. Eu não podia ver o que Pê via. Mas ela estava de cara para ele, o olho que nada vê. Quantos haviam visto, à luz do dia, aquela cena? Nem minha ginecologista. Quis chorar, gritar, peidar na cara dela, como se pudesse envenená-la. Fiquei pensando nela acordando à noite com um pesadelo. O marido perguntaria:
- Tudo bem, Pê?
- Sim... sonhei de novo com o cu de uma cliente.

Mas de repente fui novamente trazida para a realidade. Senti o aconchego falso da cera quente besuntando meu tuin peaks. Não sabia se ficava com mais medo da puxada ou com vergonha da situação. Sei que ela deve ver mil cus por dia. Aliás, isso até alivia minha situação. Por que ela lembraria justamente do meu entre tantos? E aí me veio o pensamento: peraí, mas tem cabelo lá? Fui impedida de desfiar o questionamento. Pê puxou a cera. Achei que a bunda tivesse ido toda embora. Num puxão só, Pê arrancou qualquer coisa que tivesse ali. Com certeza não havia nem uma preguinha pra contar a história mais. Mordia o travesseiro e grunhia ao mesmo tempo. Sons guturais, xingamentos, preces, tudo junto.

- Vira agora do outro lado.
Porra.. por que não arrancou tudo de uma vez? Virei e segurei novamente a bandinha. E então, piora. A broaca da salinha do lado novamente abre a cortina.
- Penélope, empresta um chumaço de algodão?
Apenas uma lágrima solitária escorreu de meus olhos. Era dor demais, vergonha demais. Aquilo não fazia sentido. Estava me depilando pra quem? Ninguém ia ver o tobinha tão de perto daquele jeito. Só mesmo Penélope. E agora a vizinha inconveniente.

- Terminamos. Pode virar que vou passar maquininha.
- Máquina de quê?!
- Pra deixar ela com o pêlo baixinho, que nem campo de futebol.
- Dói?
- Dói nada.
- Tá, passa essa merda...
- Baixa a calcinha, por favor.
Foram dois segundos de choque extremo. Baixe a calcinha, como alguém fala isso sem antes pegar no peitinho? Mas o choque foi substituído por uma total redenção. Ela viu tudo, da perereca ao cu. O que seria baixar a calcinha? E essa parte não doeu mesmo, foi até bem agradável.
- Prontinha. Posso passar um talco?
- Pode, vai lá, deixa a bicha grisalha.
- Tá linda! Pode namorar muito agora.
Namorar...namorar... eu estava com sede de vingança. Admito que o resultado é bonito, lisinho, sedoso. Mas doía e incomodava demais. Queria matar minhas amigas. Queria viver e morrer peluda, protestar contra a ditadura da beleza. Queria fazer passeatas, criar uma lei antidepilação cavada. Queria comprar o domínio preserveasbucetaspeludas.com.br. Queria tudo.
Menos namorar.
(sim, este é o texto original)
ilustração do galvão: www.vidabesta.com
valeu pela sugestão, naths:)

10.5.07

Pequenas sortes



Acontece assim, com certa freqüência ou quando menos espero. É Natal e preciso ir ao shopping porque minha mãe insiste em comprar as últimas lembrancinhas. Antes de começar a pensar que vou ter que rodar horas por uma vaga no estacionamento um carro sai bem na minha frente e para completar a vaga é ao lado da entrada. Dou um sorriso meio de lado e agradeço o cosmos que conspira a favor.

Outra que me deixou com uma das sobrancelhas levantadas. Um solzinho quente, eu com pressa de ir buscar o carro que estava sendo lavado no posto a três quarteirões da minha casa. No momento em que boto o pé na rua e me preparo para ir andando o mais rápido possível, vejo uma amiga parada no sinal. Ganhei a carona até o posto e ganhei o tempo de que precisava. Mais um ponto para o cosmos.

No aeroporto foi igual. Um diz que nossa conexão já tinha ido embora, outro diz que se a gente corresse ainda dava para pegar. Certo quem disse que o vôo da conexão já tinha ido embora e junto, nossas bagagens. Lá se foi aquele avião que iria levar a gente para dormir em casa. Onde esta a sorte? Você vai ver. Quase me conformei de ficar sem trocar de roupa, de calcinha e sem passar desodorante para esperar outro vôo no dia seguinte. Mas lembrei de perguntar para o moço daquela companhia aérea que dá barrinhas de cereal:
- não teria nenhum vôo saindo agora?
- ah, tem sim, tem um daquela companhia que distribui balinhas gostosas, sanduíche quentinho e falta só 40 minutos para ele sair. Vou colocar o nome de vocês na lista de espera.

Depois de esperar só um pouquinho lá estávamos nós no avião. E logo, logo em casa, com nossas bagagens intactas. Muita sorte depois de ouvir as mais bizarras histórias sobre malas perdidas e pessoas que dormem nos aeroportos.

Passei a colecionar esses momentos num compartimento da minha memória, e uso sempre que preciso lembrar que, de um jeito ou de outro, as coisas acabam dando certo (sim, eu li aquele livro da Polyanna). Mesmo que seja uma carona, uma vaga ou um vôo na hora em que mais preciso.

3.5.07

As chaves



Quais as chances de isso acontecer?
Foi esse pensamento, seguido de um sorriso irônico, que me veio assim que o chaveiro rolou até o bueiro. Aquilo parecia tão milimetricamente planejado que não fui capaz de acreditar em azar. A probabilidade das chaves se prenderem à grade, impedindo a queda do chaveiro era maior que a probabilidade deles caírem. Duas chaves, o alarme do carro e mais um chaveiro consideravelmente grande seriam o suficiente para evitar aquela situação. Mas em vez disso, tudo que era sólido pareceu se tornar líquido e deslizou bueiro abaixo como em um balé.
Tanta foi a surpresa, e tão inesperada minha reação otimista, que o desespero da situação me tomou somente naqueles segundos entre a queda e a busca pelo objeto perdido. Mas assim que o localizei buraco adentro e percebi que não havia nada viscoso e grudento ali, me tranqüilizei. Fiquei pensando que algum propósito existia nisso tudo e esperei os fatos que a queda da chave provocaria se desencadearem.

Olhei em volta e vi um grupo de homens conversando em torno de um capô aberto. Pensei em ir lá pedir ajuda. Não. Acho que esse não era o objetivo da queda das chaves. Conhecer aqueles homens. Preferi atravessar a rua e entrar em uma oficina. Rapidamente um rapaz não muito bem-humorado, mas ainda assim atencioso, providenciou um pedaço de arame e resgatou as chaves. Ainda tentei brincar. “Parece pescaria, aquela brincadeira de criança”. Ele não riu. Eu fiquei quieta. Agradeci e disse que ele salvou meu dia. É. Conhecer esse homem também não justificaria a divina queda da chave no bueiro.

De repente, quem sabe, o atraso que a queda da chave causou não me salvaria de ser atropelada ali na esquina? Ou me faria pegar elevador lotado? Ou ainda, de repente, o incidente da chave era o único fato ruim de meu dia. Era o resumo de tudo que poderia acontecer de chato. Poderia ver metáforas ali. “Será que estou me sabotando, jogando a chave para novas portas fora?”. Ou de repente, nada mudaria. E até agora, uma hora depois, realmente nada estranho me ocorreu. Além desse pensamento sobre sorte e azar, destino, coincidência, sinais, o tal efeito borboleta.

Aí lembro de ontem, quando fui ao cinema e, ao sair, percebi que havia perdido o cartão do estacionamento. Voltei ao local onde o carro estava e procurei por ele no chão. Imagine que lá estava ele, dentro do carro, atirado no tapete o tempo todo. Olhei para minhas amigas e disse “não é possível que voltamos aqui à toa”. Era perfeitamente possível, mas não queria acreditar. E enquanto resgatava o cartão no tapete, vi no céu um bando de pássaros voando em formação V. Era noite e só o branco deles se destacava, refletindo o pouco de luz que existia por ali. Coincidência, sorte, azar, efeito borboleta, poderia ser tudo isso. Ou apenas nada disso. Coisas acontecem. Chaves caem em bueiros. Cartões de estacionamento somem.
Tirar lições, pensamentos, máximas disso tudo é bem divertido e até revelador, porque acabam refletindo tudo que se passa na minha cabeça. Uma análise de sopetão, rasteira e rasa. Mas que graça teria se só visse o que vejo? Se fosse racional ao extremo, objetiva, concisa e coesa? É. Com certeza muita coisa mudaria, a começar por esse texto que se resumiria à uma linha.
Minhas chaves caíram no bueiro. Ponto.
ilustração de gustavo mendonça.