27.6.07

Minhocas

- Você tá pensando em quê?
- Ahn?
- No que você tá pensando, fazendo essa cara?
- ...
- Fala, Guto, o que tá passando pela sua cabeça?
- Porra, Aninha, não consigo falar e trepar ao mesmo tempo.
- Não falei? Você tá pensando em outra.
- Você ficou maluca?
- Então diz que me ama, faz uma cara bem sexy e fala meu nome.
- Amo, adoro você, gata. Chupa aqui meu dedinho, isso.
- Guto...
- Humm
- Sabe o que é? Eu preciso que você fale algumas coisas pra mim, pra eu ficar com mais tesão. Fala da minha bunda.
- Sua bunda é linda, Aninha.
- Como assim minha bunda é linda? É pequena, achatada, tem culote e tem umas espinhas aqui ó, passa a mão. Linda é a bunda da Paula. Todo mundo diz que parece um pêssego. Você já ficou com a Paula, Guto?
- Tô quase...
- Tá quase ficando com a Paula? Como assim, Guto?
- Não, Aninha, fica quietinha, fica, peraí que tô quase gozando.
- Ah, bem.
- Aninha, me chupa um pouquinho?
- Tá bom. Você vai pensar em que enquanto eu estiver chupando você?
- No que você quiser, chuchu.
- Pensa no meu peito?
- Claro, amor.
- Gutho, voxê tá penxando no meu peitho?
- Pára de falar e me chupa, Aninha. Daqui a pouco acaba o nosso tempo aqui.
- Então quer dizer que seu dinheiro é mais importante que eu? Você é muito egoísta, sabia? Você pensa que é fácil pra mim? Pensa que eu não sei com quantas você já ficou? Aposto que é no peito da Claudia que você tá pensando. Você sabia que é tudo silicone? Que a vaca colocou mais de 500 ml de silicone? É tudo de plástico.
- É? Ficou show.
- Guto!
- É, ficou artificial, também não gostei, não. Olha só pro seu, Aninha. É natural, faria o maior sucesso na década de 80. Sabia que as mulheres que tinham muito peito naquela época faziam cirurgia pra tirar tudo?
- Do que você mais gosta em mim?
- Gosto de tudo, gata. Deixa de conversa. Abre a boquinha, assim. Ai!
- Você pensa que me engana. Pensa que não olhei lá na sua página no orkut?
- Chega, Ana. Vão bora. Morder meu pau é sacanagem.
- Desculpa, amor. É que não consigo controlar.
- Acabou, Ana, não dá. Toda vez que a gente transa é isso. Você precisa ser mais segura, se tô com você é porque tô afim. Mas desse jeito eu cansei, não quero mais trepar com você enquanto essa maluquice sua não passar. Prefiro bater punheta em casa sozinho.
- Você vai pensar em mim?

20.6.07

Tentação

Era meu primeiro ensaio fotográfico. Nua. Estava empolgadíssima. O momento era bom. Estava fazendo um papel legal na novela das 19h, aparecia em algumas capas de revista. Eu jurava, eu sei, que nunca faria isso. Mas eram 500 mil. Dava pra comprar um carrinho, um apartamento de frente pro mar e ainda guardar um pouco pra investir no futuro, né?, que isso também é muito importante.

O dia do ensaio estava marcado. Fiquei tensa. Tive um daqueles sonhos estranhos, em que estava pelada no meio da rua. Com exceção de que eu realmente deveria estar pelada no meio da rua.

Cheguei ao estúdio e maquiadores me fizeram toda bonitona.
- Querida, sabe que seu ensaio vai ter o tema colegial, néam?
- Ahhh... é? Que criativo.
Não era lá uma idéia muito original. Mas eram 500 mil. Até de abacaxi eu me vestiria.

- Quer beber alguma coisa pra relaxar?
- Tem Valium?
- Não, mas tem champagne.
- Serve, serve.
Uma hora depois, estava pronta para as fotos. E completamente bêbada.
- Piérreee, gritou um assistente, ajeita aqui a maquiagem dela pra acertar o olho caidinho.
- Acerta também minha bunda, eu disse já caindo na gargalhada.
- Querida, coloque o roupão, vamos para o cenário.
- Que roupão? Quero sentir a natureza, a brisa, quero ficar nua.
- Mas aqui é um estúdio, tem nada disso aqui não, fiota.
Fui me equilibrando num salto de aproximadamente três andares até o cenário. O fotógrafo começou a dar orientações. E eu, embriagada, mandando ver na carinha de “vem cá que tô querendo”.
- Levanta o braço agora, que é pro peitinho ficar bem empinadinho... isso... levanta mais... mais... ah, desiste. Deita de lado agora.
- Mas aí minha celulite fica marcada.
- Pode deixar que o photoshop cuida, querida.
- Quem é photoshop? É aquele da maquiagem? Photoshooooop, vem cá disfarçar minha celulite.
E novamente caí na gargalhada. Deprimente. Mas eram 500 mil.

Do dia seguinte, me lembro apenas de flashes. Literalmente. Eu tentava não piscar quando o fotógrafo disparava aquelas luzes na minha cara. Fiquei ansiosa, aguardando o ensaio ser publicado. E os 500 mil, depositados.
Depois de adiarem meu ensaio por quatro meses, porque sempre tinha alguém mais famoso na frente, lá estava eu, na capa da revista com o título “Vou te dar uma lição”. Na tarde de autógrafos, comecei a me sentir estranha. Olhava para aquela fila de homens e imaginava todos chegando em casa, grudando as páginas da revista. Assinei tudo rapidinho, tentando disfarçar a vergonha, e fui embora. Não tinha pensado na vergonha. Só nos 500 mil.

Nas semanas seguintes, vivi um pesadelo diurno e diário. Os porteiros davam bom dia e eu jurava que queriam dizer “eu sei o que você tem aí embaixo, guxtosinha”. Não conseguia encarar meus colegas de trabalho, o lavador de carro, meu ortopedista. Tinha certeza de que quando olhavam pra mim, não viam roupas. Apenas pensavam “já te vi peladinha”. Imaginava eles me olhando igual o Dudu, aquele comilão do Popeye, olhava as pessoas quando estava com fome. Só que em vez de sanduíches no lugar da cabeça, estariam meu peitocos, minha amiga, minha bunda. Um corpo andando com uma perereca em cima do pescoço.

E quando fui à praia? Jurava que aquelas mulheres estavam falando:
- Era tudo Photoshop na revista! Olha essa bunda! É mais esburacada que a BR 101 Norte.

Fui ficando paranóica. Não conseguia sair mais do meu apartamento novo, com vista para uns 40 centímetros de mar. Comprei uma peruca para sair sem ser reconhecida. Tomava banho de roupa pra não me ver pelada. Sumi da mídia, não queria aparecer. Tive síndrome do pânico, TOC, desenvolvi doenças de pele. Decidi vender o apartamento para bancar tudo. Estava falida, quebrada. Fui então trabalhar no açougue de um tio meu. Até que um dia, alguém da produção do programa do Gugu foi lá e me reconheceu. Aí virei notícia no Gugu. Ganhei dois blocos inteiros. Mostrei meu drama e acabei sendo chamada pra uma novela. Virei estrela, venci o medo, os problemas, voltei ao auge. Paguei minhas dívidas, virei evangélica. Jurei que nunca mais posaria nua. Até que me ofereceram 700 mil. Acabei aceitando.

A revista tem vendido bem e eu até que estou encarando tudo melhor. Nas noites em que consigo dormir, nem tenho mais pesadelos com homens nus e selvagens correndo atrás de mim. Voltei pra psicóloga só por precaução, porque ontem mesmo larguei já o Valium. Outros convites até surgiram, até mais altos que o da revista. Mas não adianta. Filme pornô eu - não - fa-ço.
ilustração em www.vidabesta.com

13.6.07

Além da conta



Ela era over. Essa era a melhor forma de defini-la. A começar pelo nome, que era composto e sobrava naqueles espaços de ficha cadastral: Alexandra Roberta. O nariz, os olhos, a boca então, tudo enorme. Os peitos não cabiam em nenhum sutiã, a bunda sobrava nas cadeiras, incomodava quem sentava ao lado. Mas de repente resolvia emagrecer e virava um palito, um filé de borboleta, só sobravam os dentes que apareciam mais que tudo na arcada proeminente. Vivia nos extremos.

Gastava muito, com qualquer coisa, a toda hora. E assim enchia seu armário de bolsa pequena, bolsa listrada, bolsa de plástico, bolsa de couro de vaca, bolsa comprada na feira. E nem me peça para falar das bijuterias, são caixas e caixas cheia de compartimentos, gavetinhas e espaços ocupados por uma infinidade de quinquilharias douradas, prateadas, coloridas. As tintas do cabelo eram demais, sempre muitas, de várias cores, ninguém sabia como iria encontrá-la no dia seguinte.

Sua gargalhada era comprida e interminável. Assim como eram suas histórias. E também sua vontade de amar, que sufocava o pobre coitado que se aventurava a seguir seus passos quase desvairados. Quase porque era inteligente, e muito. Não se podia dizer que era feia. Há quem a ache bonita do jeito que é. Mas eu, com toda a minha simplicidade, não dava conta de agüentá-la. Me cansava rápido de tanta informação que ela transmitia em um curto espaço de tempo. Seus pensamentos eram sobrecarregados de vontades, quereres e por assim serem, de frustrações também. Queria sempre mais e por isso perdia as boas chances que apareciam na sua frente. Porque o que aparecia parecia pouco.

Não consegui ser sua amiga, fui até onde pude. Não sei dizer se era má pessoa, mas para mim não dava. Só não consegui descobrir se ela que era demais ou eu que sou de menos.

1.6.07

Dureza


Cansei. Ia começar a terceira série de exercícios pra deixar a bunda dura quando arranquei as caneleiras com pressa, como se fossem mosquitos me mordendo. Que diferença faria aquela série de seis repetições em minhas bandas e, mais ainda, em minha vida?

Queria estatísticas que provassem que pular uma série daquele exercício me condenaria à uma moleza irreversível na busanfa. Não acredito que cairia tanto por causa dessa pequena displicência. A não ser que me provassem o contrário. E como não tinha como provar nada, larguei. Poxa, quão duros mais ficariam meus modestos glúteos se eu fizesse aquele bodega de série que faltava? Nem sei que escala mede dureza de bunda, mas acho que deve ser algo como escala Ritcher. Quanto mais balançar, mais grave é a flacidez. A minha, por causa daquela rebeldia inusitada, não poderia cair nem um ponto, não, não acredito nisso. A moleza ia continuar igual, concorda? Sim, você concorda, eu quero que você concorde, porque não quero fazer essa porcaria de série.

Não é possível que coisas pequenas assim façam tanta diferença. Não quero acreditar nisso. Se bem que quando desliguei o telefone sem dar tchau pra minha prima, ela ficou puta por uma semana. Falo com ela todo dia, mas uma vez sem dar tchau, foi fatal. E aquele pedaço de pizza que comi, ah, não acredito que aquilo me fez engordar. Era daquela calabresa com óleo boiando nas lingüicinhas mais côncavas. Mas eu só como isso uma vez na vida e outra na morte, se é que existe vida nisso. Será que não consegui ficar com aquele menino, lá no segundo grau, porque deixei de cortar dois centímetros de franja e assim escondi a minha pinta sedutora, bem no meio da testa? Nãnnn, me recuso a acreditar. Ele não gostava de mim e pronto.

Putz, o que eu tô fazendo? Olha eu aqui, palhaçona, tentando me convencer de que pequenas coisas não fazem diferença só pra justificar minha preguiça em fazer a última série de exercício de bunda. Logo eu, que fico triste quando dou bom dia no elevador e ninguém responde. E as outras palavrinhas mágicas? Obrigada, por favor, com licença. Tão curtas, mas um abismo entre a paz de coração e a vontade de socar a cabeça de alguém. Um elogio, um presentinho bobo inesperado, um telefonema de ‘chegou bem?’. E a onda verde de sinais de trânsito, que espetáculo da modernidade. Você vai passando e tudo vai abrindo, tão bobo, tão organizado, tão incrível. E faz uma diferença. O que seria da vida sem essas coisas?

É. Não dá pra saber a diferença que as coisas fariam a não ser fazendo ou não. Ia ser legal se existisse uma realidade paralela, onde a gente pudesse dar uma espiada pra ver como teria sido a vida com pequenas escolhas diferentes. Mas eu ia ficar muito puta se visse minha bunda toda durona, empinadona e imponente. É, esquece a idéia da realidade paralela.

Saco. Pensei demais. Passa a caneleira aí que vou fazer essa merda de série que falta.
ilustração em www.vidabesta.com