22.12.05

Aluga-se



Pode tirar essa fantasia (ou seria preocupação?) da sua cabeça. Não é por você que eu estou apaixonada. É pela idéia de que isso ainda vai acontecer comigo de novo.

Preciso de um rosto pra preencher a falta de uma paixão, pra pensar antes de dormir, pra dar expressão ao homem que aparece em meus sonhos. Preciso de alguém para ocupar minha cabeça e fazer o tempo passar mais rápido enquanto estiver esperando o ônibus. Quero imaginar que é você toda vez que um carro buzinar, o celular tocar ou uma carta chegar.
Preciso exercitar o ficar junto, pra não me apaixonar por estar sempre só.

Mas não se assuste, nem tampouco se encha de si, se eu disser que vou sentir saudade, se me flagrar olhando para você e sorrindo. São palavras e gestos tão verdadeiros quanto efêmeros. Mas não é isso que você quer?

Não, não faça assim. Não me trate cheio de dedos, com receio de que algum gesto seu desperte em mim um amor incondicional. Éque mesmo sem estar apaixonada, quero inflar de paixão tudo que faço. Você só calhou de ser a peça do outro lado do tabuleiro.

Empresta você um pouco? Prometo. Assim que me apaixonar por alguém, te devolvo.

Ilustração: Radael Júnior. Amei, Rada, obrigada.

16.12.05

Fechem as janelas


Que dia mais estranho, pensou. Viu que a Lua quase queimava o mar de tão amarela. Era novembro, mês em que lembrava de dores fundas. Uma demissão, uma traição, uma morte. Desejou ser outra por um dia. Queria ser irresponsável, abusada e folgada. Pensou em ter alguém pra sugar, queria parasitar na felicidade de alguém, na grana de alguém. Queria mandar quem mandava nela tomar no cu, ir pra putaquepariu. E queria achar graça disso.

Queria não reclamar e queria saber escrever. Escrever bonito, para quem era espelho pra ela: Guimarães, Drummond, Gabriel, Lygia. Quando viu a Lua queimando o mar, quis sentar no café ao lado e escrever, ler e fumar, mesmo sabendo que não fumava. De alguma forma, hoje precisava transgredir. Trair, seduzir, fumar, errar, magoar. Tudo isso despertou nela uma fome sem controle – não, o nome disso não era fome. Aí entendeu porque algumas pessoas não emagreciam. Mas naquele momento queria não entender, queria sofrer e fazer sofrer com seu egoísmo.

“Onde é a saída? De onde saíram esses pensamentos?” Teve vontade de morrer só por um dia. Distribuiu suas farpas nela mesma. Agora chorava. “Onde fecho essa porta?” Quis ser fútil, ser loira e gostosa, ser invejosa e burra. Queria querer só uma bolsa Fendi que o dinheiro compra. Amor, amigo, paz, sucesso, aposentadoria de nada iam valer naquele momento. Música, sexo, cerveja e gargalhada. Nem nisso conseguia pensar quando abria a maldita janela da depressão.

14.12.05

De celulares, cinemas e finais felizes

Resolvi ir ao cinema sozinha. Nada demais, já havia feito isso outras vezes. É bom chegar, sentar, receber um tanto de informações e ficar com a cabeça borbulhando de idéias, sem ter alguém pra compartilhar ou perguntar "humm, então ela matou a vizinha, né?", quando eu nem havia me dado conta disso.

Comprei uma caixa de Bis, para não me sentir tão desamparada assim, e escolhi uma poltrona bem no meio de tudo, latitude e longitudenalmente. Na fileira acima tinha um cara, também sozinho. Cara de psico. Uns 25 anos, oclinhos redondos, tipo “mamãe quero ser John Lennon”, camiseta quadriculada abotoada até o gogó, master-big-mega saco de pipoca numa mão e um balde de Coca Light na outra. Como o rosto dele era oleoso, do tipo que dá pra fritar um ovo, os óculos escorregavam e iam parar no meio do nariz, deixando os olhos desprotegidos. Então, ele inclinava a cabeça pra trás, pra conseguir enxergar através da lente. Nada bonito de se ver.

Coloquei minhas meias, meu casaco, desliguei o celular, encontrei uma posição boa e au revoir, estava pronta pra minha sessão quase particular de cinema. O filme estava começando quando ouvi som de celular tocando. O psico da fila de trás esqueceu de desligar, imbecil. Não satisfeito, ainda atende e conversa.
- Meu amor, tô no cinema (...) É, vendo aquele filme que você não queria ver (...) Tô com ninguém não, benzinho, vim sozinho. Sim, claro que eu dei banho no seu cachorro hoje. (...) sim, levei seu irmão no parque, ele e mais cinco amiguinhos. Levados ele, né mô? Você foi ao salão enquanto isso? Fez a escova, as unhas também? Deve estar tão linda...

Já era demais pra mim. Mandei um xiiii e ele desligou o celular. O filme continuou. Trama legal, mas daquelas que têm tudo pra se perder no meio. Ó, não disse. Se perdeu mesmo. Merda de filme. Pior que meu Bis acabou. Quando eu ia começar a arrancar o esmalte no dente, toca de novo o celular do menino com jeito de nerd assassino:
- Oi (...) não, amor, não acabou (...) poxa, meu neném, não briga comigo, tô só vendo o filme (...) não chamei porque você não queria ver (...) e também porque você tava no salão e eu já tinha feito tudo que você pediu...

Eu já tava tensa, por causa do filme tosco, e esse ensebado ainda me vem com os problemas dele. Merece mesmo uma namorada chata. Sem educação. O que esse povo tem na cabeça pra conversar no cinema? O gene que determina que aquele ser humano vai ficar calado no cinema deveria ser premissa para qualquer nascimento. Não tem? Não nasce. É básico, já deveria fazer parte do inconsciente coletivo, de livros educativos. Ninguém quer ouvir os comentários alheios. Ninguém quer um Galvão Bueno narrando tudo no cinema. Na verdade, ninguém quer Galvão Bueno em lugar algum. E por que esses sem mãe sempre fazem comentários tão estúpidos, nunca algo que preste?

Quando é casal, sempre tem uma menina com vozinha dengosa pra fazer uma pergunta cretina. No meio de Hero, a sujeita solta:
- Ah, neném, mas isso é mentira.
Nooossa. Agora conta uma que eu não saiba, Nostradamus do Acari, Mãe Dinah da sétima arte. Pior é o namorado respondendo. Ou melhor, inventando uma resposta, só pra manter a pose ao lado da fêmea:
- Não, amor. Algumas artes-marciais orientais realmente ensinam os guerreiros a se movimentar com a leveza de uma pena.

Alguns planos me vieram em mente. Roteirizei várias, muitas formas de humilhar esses infelizes. Ir lá no gerente, bater nos marginais, jogar xixi neles,
levantar e dizer "quem aqui nesse cinema concorda comigo e acha que esses caras devem ser expulsos, levante a mão" e depois virar pros tagarelas e dizer "agora calem a boca ou chamo os seguranças pra tirar vocês daqui". Ou como disse Elisa, ficar em pé na frente deles, a sessão toda.

Mas nunca vou fazer nada disso mesmo, foi só pra desabafar. Mas de uma coisa eu tive coragem. Fui lá encarar o psico, que continuava com a namorada ao telefone.
- Não fala isso (...) Você sabe que eu te amo, meu amorzinho..
- Amigo? Com licença. Dá pra desligar esse celular, falar lá fora, enfiar essa porcaria na bunda (tá, isso eu não disse, mas bem que queria.)
- Peraí, amor (...) Oi, tá falando comigo?
- Sim, por quê? Tem que ligar pro seu celular pra conseguir falar com você?
- Amor, tem uma mulher aqui falando comigo (...) Não, não conheço (...) Nãooo, ela não veio comigo, ela tava aqui no cinema (...) Não, a gente não marcou nada, nem sei quem é.

Pronto, eu pensei. Aquele mela-cueca todo, além de acabar com minha sessão solitária e minha paciência, agora ia acabar com o namoro do psicose.
- Escuta, termina essa conversa lá fora, por favor.
O negócio ficou feio nessa hora. O filhote de cruz credo começou a chorar. O beicinho dele chegava a tremer, uma cena que valeu meu ingresso, meu lado sádico tem que confessar. E por mais revoltada que eu estivesse, fiquei com o coração na mão por ver aquele homem bobo, sem educação no cinema, chorar ao se ver cercado por duas mulheres que passavam ordens opostas pra ele. Para não contradizer nenhuma das duas, acabou indo lá pra fora mesmo.

Voltei a ver o filme.
- Hum... sabia que esse cara ia morrer, que previsível. O quê?! Como é? Alienígenas com dupla personalidade assombrando uma casa? Ah, não, haja clichê, filminho ruim.
Decidi que tinha coisa melhor pra fazer da vida do que ficar ali. Peguei minhas coisas, tirei minhas meias, pra não pagar mico do lado de fora, e saí do cinema. No corredor, dei de cara com o psico, encostado numa coluna. Celular na mão, cabeça baixa. Foi inevitável sentir pena dele. Ele não era de todo mau. Levou o cachorro pro parque, o menino pro banho, ou algo assim, enquanto a namorada estava no salão. E só atendeu ao telefone porque não queria deixar a menina chateada.

Decidi dar uma segunda chance ao Normam Bates capixaba.
- E aí? Fez as pazes?
Ele apenas balançou a cabeça negativamente. Nisso, o celular dele tocou. Algo estalou na minha cabeça e quando dei por mim, já havia arrancado o telefone de suas mãos. Não houve reação, tamanho foi o choque com minha atitude. Ele ficou só olhando, enquanto eu rejeitava a ligação. Ficamos nos encarando por alguns segundos. Tive mesmo, tive muito medo de apanhar, de tomar facada, de ser notícia na Tribuna. Mas respirei fundo e disse:
- Olha...você tá na merda. Esse filme é uma merda. Eu, bem, nem tô na merda, mas não tenho nada pra fazer. Quer tomar um chope e ouvir uns conselhos?
Ele olhou para o chão, para os lados, para trás e finalmente pra mim. Respirou fundo, segurou o ar nos pulmões por alguns segundos, expirou lentamente pela boca e disse:
- Melhor que esse filme minha história é.
E sorriu.

8.12.05

O fim



quero falar do fim, mas nem sei por onde começar. talvez pela tatuagem que eu nunca fiz. e a que você também não. ficou tão feliz quando ganhou o desenho de mim. parecia que não esperaria nem um dia a mais para imprimi-la pra sempre na pele. agora, nunca mais.

não te contei, mas não sei onde coloquei a chave da sua casa. perdi. lost. e Lost sem você? e os sanduiches e jantares improvisados, feitos nos intervalos do programa? eram os dias perfeitos para quebrar o regime e comer um doce. e depois insistir em levar você pra casa, porque afinal,se tenho um carro, mesmo que você o odeie tanto, por que não? além do mais, é o dia em que você está mais cansado. sempre sonolento, com aquele jeitinho de quem vai gripar. mas é só seu mal de segunda-feira.

às quartas-feiras então. aí, q vaziozinho que deixa. agora vão ser sempre de cinza. será que até o carnaval a saudade passa? ah, mas vai passar. vou estar no bloco, nem que seja do eu sozinho, rindo e bebendo. de repente nem vai ser de você, vestido de mulher. mas de mim mesma, assim, sem motivo.

e como esquecer de você me esperando na esquina do trabalho, acenando para mostrar que não estava na portaria? é, sei que às vezes eu esquecia de destravar a porta e tirar a bolsa do banco, mas não era desleixo, não. você sabe que sou uma cabeçuda. esperta, mas cabeçuda.e quando entrava no carro, vinha rindo, lindo. enquanto eu partia, me dava um selinho e perguntava: onde vamos? tá com fome? que filme vamos ver? o banco do meu carro já parece chorar de saudade. e quem vai trocar o cd? acho que vou ouvir esse radiohead pra sempre.

quando falar com sua família, diz que eu gostava deles sim. e dá um beijo no daniel por mim.diz também pra talita que minha bolsa prata está sempre à disposição.

pensei em correr atrás, fazer loucuras por você, provar o amor que tenho, com direito a choro, desespero, caretas e frases bregas. mas você sabe bem o que sinto. e como você mesmo disse, eu não sou o problema. bem, mas também não sou a solução. pelo menos eu ainda sei quem sou.

e espero que você também nunca esqueça da menina que que foi a todos os shows do los hermanos com você, que encheu sua casa de bolas no seu aniversário de 26 anos, que aprendeu a ler quadrinhos com você, que reconheceu a tatuagem no seu peito, que parece a penélope cruz (mesmo que só duas pessoas achem isso), que chorava de rir com você na cama, falando bobagens, que dormia no meio dos filmes mas tomou um remédio e melhorou, que gostava de dormir do lado da janela e com a tv ligada, que faz baliza como ninguém, que sente uma dor diferente todo dia, que aprendeu a beber água tônica, que às vezes parece a brigite jones, que sempre confiou em você, que não corta cebola bem, mas sabe fazer um macarrão muito bom, que foi com você pra são paulo, pro rio, pra caraíva, pra domingos martins, pra santa leopoldina, mas não conseguiu ir pra pedra azul, que só perdia no war e que fica linda quando lava o cabelo.

claro que não incluí os defeitos, mas quem vê defeitos quando tá triste? mas chega. não aguento mais lembrar, escrever, chorar. por hoje é tudo. paro por aqui, cansada, inerte. e só.

7.12.05

Plano de separação



Finalmente se separaram. Ela pagou a última prestação do carro que ele comprou. Ou compraram juntos? Difícil saber, uma vez que tudo estava tão misturado: dinheiro, sentimentos, vida profissional, livros. Discos nem tanto – ela não era de ouvir muita coisa.

O plano de separação começou há um ano, ela não queria tirá-lo da sua vida assim, feito um cão que a gente escorraça sem nem pensar no que ele vai sentir. Tinha muita consideração por ele e o amava até pouco tempo. Amou sair com ele, viajar, jantar fora, se arrumar pra ele. E o sexo? Era perfeito. Mas nem sempre foi assim, eles tiveram que aprender, tiveram momentos difíceis entre eles a decisão sobre um aborto que de fato se consumou. Mas eles superaram, ela nem tanto.

Por isso tudo, ela levou um ano para amadurecer a idéia de separação. Depois de mais 12 num relacionamento que alguns amigos invejavam, outros admiravam, alguns não entendiam como dava tão certo. Estava decidida, queria ser livre, mesmo que por pouco tempo. Queria deitar em camas novas, beijar bocas diferentes ou até mesmo não beijar. Queria paquerar o bonitão no carro ao lado sem culpa. Tinha se decidido, com todos os argumentos na mão: mentira, saco cheio, falta de paciência, desgaste, brigas constantes, impaciência, falta de romance. Como se vê, um pacote e tanto para pôr fim em qualquer casamento.

Dizem que quem está casado tem sexo garantido. Quem é homem, além do sexo, perde o conforto de ter as cuecas limpas e dobradas na gaveta, as camisas com todos os botões bem pregados, as toalhas de banho com perfume de lavanda. Mas que tipo de homem se importa com esses mimos? Pelo tanto de besteira que fazem, poucos.

Decisão tomada, só faltava colocar o plano em prática. Ele teria que desocupar a parte do armário, lembrar onde estão os documentos, juntar todos os cds e revistas, e mais uma porção de tranqueiras. Ela chegou a esboçar um leve sorriso quando lembrou que não iria mais dividir nada: a cama, o quarto, o banheiro, tudo só pra ela. Só achava ruim ficar sem sexo, pelo menos no próximo fim de semana, que era quando tinham tempo para se dedicar às rotinas matrimoniais. Mas não queria pensar nisso agora, queria aproveitar ao máximo a efêmera sensação de liberdade que antecede a solidão – que ela sabia já estar ali, pronta para tomar o lugar do seu ex-marido.

30.11.05

O que não se diz

Fazia tempo que não se viam, quando conseguiram finalmente marcar um almoço. Como acontece com todo mundo, cada uma tomou um rumo. Mas naquele ano, depois de cinco apenas se falando por e-mail, skype e messenger, as três iam relembrar o tempo em que tocavam campainha e fugiam, pulavam elástico e acobertavam as mentiras umas das outras.

Mirtês foi a primeira a chegar. Sempre tida como a tímida, agora Mirtês se considerava apenas discreta. Na escola, tirava as melhores notas. Nem por ser tão inteligente, mas sim esforçada. Surpreendeu quando disse que estudaria artes. "Uma menina tão esperta, que desperdício. Devia ter feito medicina". Por mais que sofresse com os comentários, porque Mirtês assumia sim que se importava com o que os outros pensavam e falavam, foi até o fim em sua decisão. Ralou muito, teve crises existenciais pesadas, mas pouco falava sobre seu sofrimento. Só o básico, pra compartilhar com as amigas. Não queria incomodar os outros. Hoje é curadora de um dos maiores museus da cidade.

Em seguida chega Virgínia. Não mudou nem um centímetro sequer, mesmo após três filhos. Sua beleza era óbvia, quase matemática de tão perfeita. A mesma que deixava os meninos do colégio, os porteiros da rua, o balconista da padaria, os pais de algumas amigas, o primo tarado e a vizinha do 702 babando. Chegou a exercer sua profissão, mas virou dona de casa. Durou pouco. Suspeitou que o marido tinha um caso com a secretária. Fez ele mandar a menina embora, contratou uma babá e virou secretária dele. Agora ela suspeita da babá.

Enfim, atrasada e desligada como sempre, Nora entra sorridente no restaurante. Impressionante como o tempo parece ter congelado aquele sorriso, como se ela nunca tivesse tirado uma máscara feliz do rosto. Nora sempre foi a mais querida, a mais popular. Era amiga de todos. Problemas não eram com ela. Tirava tudo de letra e ficava impressionada como Mirtês conseguia ver tantas respostas para a pergunta "por que ele não me ligou?". Virou psicóloga porque sempre se achou boa pra resolver o problema dos outros. “Já que sou bem resolvida, vou ajudar os outros com as misérias deles’.


Começa a conversa, que faço questão de colocar com legenda, traduzindo o que cada uma realmente pensava. Na impossibilidade de transcrever tudo, pelo tamanho da conversa (foram duas horas e meia), coloco os melhores momentos.

Mirtês: (...) Sim, passei por uma barra pesada...depois do fim do namoro com o Diego, descobri que ele tinha clonado meu cartão...zerou minha conta. Precisei decretar falência e fechar a galeria. Vendi meu carro, voltei a morar com meus pais. E o Iggy, lembra, meu cachorro? Então, foi atropelado na época. Penei.
Nora: Porra, Mirtês...que horror. Mas você tem que ver o lado bom das coisas. Lembra da Vida de Brian, o filme? Então. Tem que seguir adiante.
Mirtês: Pô, mas isso eu fiz. Senão nem estaria aqui.
Virgínia: A vida sempre foi meio assim com você, né Mirtinha? Te deu cada rasteira...lembra quando te acusaram de colocar uma bomba no banheiro do colégio e revistaram sua mochila na frente do André, o menino que você gostava? Caiu um modes da sua bolsa...nossa, que pesadelo..
Nora, morrendo de rir: quando eu tô de mau humor lembro disso e volto a ficar bem.
Mirtês, com um leve sorriso: Ah, vão tomar no cu vocês duas.
Virgínia e Nora: Creeeeedo, Mirtinha.
Virgínia: Que horror, a gente ta só brincando.
Mirtês: Sei...então falem de vocês agora.
Virgínia: Ah, eu tô numa fase maravilhosa (seria melhor se não fosse a babá ninfeta e a dívida que criei pra comprar essa bolsa Louis Vitton, especialmente pra esse encontro.) As crianças tão lindas, você precisam ver (nossa, tenho que marcar um tratamento de espinha pro Luizinho. Aquela carinha dele parece um chokito.) Meu marido e eu saímos numa segunda lua de mel mês passado. Conhecemos Veneza...linda (putz, se elas soubessem como fede aquele lugar.)
Nora:
E vocês continuam trepando que nem uns adolescentes? Pareciam dois coelhos, lembra Mirtês?
Mirtês: Claro, Vivi nem calcinha conseguia usar.
Virgínia: Não vou entrar em detalhes, mas sim, estou sendo bem comida, obrigada (...quando foi mesmo a última vez...?) Mas a vida de solteira de vocês deve ser bem mais interessante.
Nora: Bem, você sabe. Eu prefiro só sexo...esse negócio de namorar dá trabalho demais. Prefiro até que nem me liguem no dia seguinte (toca, celular, toca desgraçado. Cadê esse homem que não me liga?)
Mirtês:
Queria ser assim...
Nora: Você tem que ser mais relaxada, Mi. Pensa que nem homem e as coisas melhoram. Seja simplista, não fica vendo coisa onde não tem.
Mirtês: Norinha, na boa, posso tentar, me esforçar, melhorar, aprender a controlar minha ansiedade, mas fingir que não quero que o cara me ligue depois de me ver lá peladona, gemendo, de cabeça pra baixo, de lado, no escuro, no claro, suada, descabelada, aí não dá.
Virgínia: Humm..de cabeça pra baixo?
Nora: É, acho que simplesmente tive sorte de nascer assim, de cabeça fresca (e de poder prescrever Prozac pra mim mesma.)
Mirtês:
Gente, são duas horas! Tenho uma reunião importantíssima. Vou trazer uma exposição badaladérrima pra cá.
Nora: Vê se pensa positivo, hein?
Mirtês: Ô, Norinha, num sou uma mala pessimista. Só tenho problemas como qualquer outro. Mas tô bem agora. Não vou fingir que é sempre tudo feliz e lindo, né?
Virgínia: Amiga, vai dar tudo certo, você vai ver. Vou rezar por você (mas só depois de pedir a Deus pra tudo dar certo na lipo de amanhã.)
Mirtês:
Poxa, gente, brigada. Apesar de vocês me tratarem que nem uma perturbada, sei que posso falar tudo que penso. Mas é que perto de vocês, com essas vidas de seriado americano, eu pareço mesmo uma desequilibrada.
Nora: Larga de ser boba. Amiga é pra isso mesmo. A gente sempre vai dizer o que pensa (caraca, tô fedendo à comida desse self-service.) Não tem porque ter medo do que a outra vai achar.
Virgínia: A gente é o que é. Se somos amigas é porque conhecemos de verdade a outra e nos aceitamos assim (isso na unha dela é Terra com Rebu? Voltou à moda?)
Mirtês:
Nunca tive dúvidas sobre isso.

Mirtês foi embora pensando no quanto queria ser mais tranqüila, como suas amigas, sem ter a menor idéia de que, das três, sempre foi a mais feliz.

para os amigos de verdade.

29.11.05

Pra ele


Resumir. Se você quer falar do Claudio, esqueça essa forma rápida e simples de dizer o que você pensa sobre ele em algumas linhas ou minutos. Eu demorei a entender isso, confesso que em alguns momentos me irritei mesmo e cheguei até ao absurdo de concordar com algumas pessoas que disseram que ele era prolixo.

Mas quem conhece o Claudio consegue entender perfeitamente o que ele quer dizer. Sabe fazer rir como ninguém, mesmo estando de mau humor. E de bobo não tem nada. Ama o blues e sua banda, que tem mais de 10 anos, é um exemplo de como ele leva a sério a coisa. A Big Bat sempre se manteve firme em seu propósito: tocar blues. Imagina em 10 anos quantas vezes eles não ouviram: mas por que vocês não tocam rock? o Raul Seixas também é blues, sabia? o Legião Urbana tem uma música que é um blues, por que vocês não tocam? olha, a gente queria contratar a banda, mas tem que tocar de tudo, vocês tocam né? Não, não e não. Agüentar isso mesmo quando o bolso tá vazio e querendo falar mais alto que sua convicção e nunca, nunquinha ter se rendido aos apelos da vida fácil são motivos de orgulho pra mim.

E mesmo depois de tanto tempo, Claudio ainda tem paciência pra explicar, cumprimentar as pessoas na rua com carinho, abrir um sorrisão e estender com vontade a mão para ser apertada com entusiasmo. Como é diferente de mim, que muitas vezes tenho preguiça de falar e atravesso a rua, desvio o olhar, finjo que não vejo. Por que sou assim? Diferentemente do Cláudio que conversa tanto, que tem tanto assunto, que sabe o que acontece no Camboja, na Austrália, no Rio Grande do Norte. Adora ler National Geografic e fica assustado com as previsões do fim do mundo.

Tão menino de tão perdido, daqueles que a gente precisa pegar na mão e levar, mas antes acalmar com água e açúcar e confortar contra o peito. Meu amado Claudio, que tanto mostra me desejar, me amar, que me beija com força e todos os dias, no elevador, no carro, na garagem. Que gosta de conversar à noite na cama enquanto luto contra minhas pálpebras pesadas que desmoronam cada vez mais rápido.

E como questiona, como pergunta sobre tudo e sobre tudo parece ter opinião. Tenho curiosidade em saber o que acham dele. Já tive que dividi-lo, mesmo sem saber, e como isso é duro. Mas amor é liberdade. Então tá. Seja livre e fique comigo porque me alimento das suas besteiras. E das comidinhas que você faz pra mim, tarde da noite. Enquanto eu já estou quase morta lá no sofá. E lá fico esperando você chegar para deitar na sua barriga e dormir sem desligar a TV. Boa noite.

P.S. Claudio é namorido da Elisa há 9 anos. A ilustração é do Galvão www.vidabesta.com

24.11.05

Um dia, um blog

A Bia escreve, a Jana escreve, a Babe escreve, até o Sandro escreve. Respectivamente, minha prima, uma amiga e outra amiga, só que de infância. E por último, o baixista da Big Bat. Sou redatora faz um tempinho, gostava de fazer redações no colégio e ganhava chocolate como prêmio.

Um dia minha mãe fez uma redação pra mim e a professora adorou. E, claro, não acreditou que eu quem tinha feito. Aí vi mesmo que queria saber escrever bonitinho. Mas até então, na minha cabeça, redação era composta de introdução, desenvolvimento e conclusão. No vestibular, vieram as dissertações, só o nome já é pesado de falar. Na faculdade, de novo as redações, agora com um adendo: publicitárias.

No trabalho, as redações publicitárias serviam para um job. E desde então acho que só sei escrever pro job, meu grande patrão. Isso até falar pra Bebel que queria escrever com liberdade. Aí ela mandou essa: começa hoje mesmo. De quando ela disse até chegar aqui gastei 29 horas. Já fiz 3 textos contando com esse. E pensei em criar um blog, com a Val, que também é redatora mas não escreve, e que também tem vontade de escrever. Aí me vem, pra que vou escrever um blog? Não é exibicionismo demais? Não é se expor demais? E tenho lido blogs alheios e não entendo o compromisso de ir lá, colocar no ar um texto toda vez que surge um fato interessante.

Fico pensando na rotina: pensei uma coisa engraçadinha, vou sentar aqui e escrever sobre coisinhas do cotidiano porque isso é cool e eu sou muito inteligente. Não quero que pensem isso de mim, nem penso isso dos donos dos blogs de quem citei aí em cima. Sou confusa com esse assunto, não sei simplesmente ir lá e fazer. Acho que tenho vergonha e medo de julgamentos, ou preguiça mesmo. Mas me sinto bem digitando essas linhas.

Fico com vergonha de não ter lido tantos livros, de ter parado a Montanha Mágica na metade. Tenho vontade de voltar ao tempo em que lia os livrinhos da coleção Para Gostar de Ler, com crônicas tão legais. Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e outros que me esqueci. Queria fazer uma grande obra, mas por quê? Que besteira tudo isso. Pena que você leu até aqui, tenho que pedir desculpas.

Tampa

Por hoje, decidi terminar tudo que comecei.
Decidi responder o e-mail daquele amigo que se mudou faz tempo. Escreveu pra mim um mês atrás,perguntando como estou. E falar de mim tá me dando uma preguiça.
Tomei vergonha nessa cara cheia de ácido e creme para os olhos e também gravei um cd, que baixei da internet nem sei quando.
Brinquei com meu gato durante os 15 minutos recomendados por uma revista feminina.
Saquei um livro que criava raízes no meu baú-mudo e li páginas, páginas e páginas. Até marquei a última lida, coisa que nunca faço, quando com sono deixei 300 e poucas folhas caírem sobre meu rosto. Já sem ácido a essa altura.
Visitei parentes, arrumei o armário, cataloguei os cds, deletei arquivos velhos do computador, organizei fotos antigas, apaguei nomes da minha agenda.
Fechei as tampas do xampu, do condicionar, da pasta de dente, do creme para os olhos, do ácido para o rosto.
Fiz tudo certinho, como meu pai sempre disse que deveria ser. Mas nem assim achei a tampa pra fechar esse pensamento insistente, que me fez passar o dia arrumando compulsivamente tudo que via pela frente, na esperança de resolver a única bagunça que estava fora de meu alcance.
Amanhã vou me sentir melhor. Ou patética. Mas pelo menos meu quarto está uma beleza.