31.3.06

Hormônio, hormônio meu


Sacaneio demais meus hormônios e eles, em troca, fazem meu corpo produzir leite. Sim, fico com os peitos cheios como uma vaca - e não se deixe enganar, não é gravidez. Se fico estressada, eles agem assim, me aprontando essa. Quando não são os peitos é a pele que começa a pipocar, fica em erupção parecendo um abacaxi. Além de me estressar um dia sim o outro também, tomo o anticoncepcional só quando lembro. Ou seja, sempre na hora errada, duas ao mesmo tempo e por aí vai. E nessa bagunça os tais hormônios começam a entrar em parafuso. Malditos. Brincam de montanha russa com o meu humor, me fazem chorar que nem louca.

Esses dias fiquei sabendo que o pior ainda está por vir. Sim, os hormônios aprontam mais. Lá entre os 40 e 50 anos, quando a gente mais precisa deles, puf, os desgraçados somem. O resultado é desastroso: a vagina resseca (pra mim isso é o pior), o cabelo cai em tufos, a gente fica anêmica e sem falar nas tais famosas ondas súbitas de calor extremo. Por serem tão danados, comecei a culpar meus hormônios por tudo de ruim que me acontece. Xinguei no trânsito? Briguei com meu filho? Dormi mal? Tudo culpa deles. Tem quem culpe a TPM, mas acho que esse argumento ficou meio fraquinho, hormônio é mais científico. Eu e eles vivemos em crise, disso tenho certeza. Mas pelo menos tenho alguém em quem pôr a culpa.

23.3.06

Nulo


Ela prometeu que não esqueceria mais a toalha molhada na cama, não deixaria louça acumulada na pia e que, tudo que abrisse, fecharia.
Ele prometeu que beberia menos, que ouviria Motörhead bem baixo e só veria os amigos quando ela deixasse.

Ela jurou que não o chamaria mais pra ir à missa, que falaria menos ao telefone e que nunca mais atrasaria.
Ele jurou escutá-la mais atentamente, não discutir política com o sogrão e parar de arrotar nas refeições.

Ela disse que pararia de rir tão alto, que compraria menos sapatos, se era isso que ele queria.
Ele falou que dirigiria mais devagar, que deixaria o futebol pra lá e voltaria a malhar.

Um dia se olharam e viram que não havia mais nada a pedir. Mais que isso, que já não conheciam nem ao outro, nem a si.
De tantas afirmações e exclamações, sobrou apenas uma pergunta: cadê a pessoa com quem me casei?

Ilustração: Ramon Alves (http://semsabersonhar.blogspot.com)

16.3.06

Espinhos para a vida


Comprei dez cactos para enfeitar minha janela. Muito bonitinhos, cada um de um jeito, fofos mesmo. Fiquei bastante feliz por comprá-los, estava recém-separada, indo morar com meu filho de um ano em um apartamento simples e, como descobri mais tarde, muito quente. Mas, ainda assim, representava uma conquista, uma nova etapa na minha vida, um passo dado – tanto o apartamento quanto a coleção de cactos. Enquanto a vida passava, os cactos se mantinham ali na janela, uns bem, outros nem tanto. A vida passava pra mim também.

Dois cactos morreram na mesma semana. Fui demitida de um emprego, sete meses depois minha querida vó morreu - meu irmão se foi um ano antes. Fique com oito cactos. Fui para um novo emprego, que me deu muita experiência, meus primeiros prêmios e a maturidade que hoje me faz entender que poderia ter aproveitado aquela época melhor.

Sobraram dois cactos, a janela agora é uma varanda. Me mudei novamente, agora para meu próprio apartamento, graças ao meu pai. Apenas um cacto foi comigo. Fui demitida mais uma vez, tive problemas de sobra, alguns ainda não estão totalmente resolvidos, pelo menos não dentro da minha cabeça. Não corro mais o risco de ser demitida. Troquei-o pelo risco de falir. Da minha varanda vejo o mar, o apartamento é bastante arejado. Posso dizer que agora está tudo melhor. O último cacto ainda está comigo. Nós sobrevivemos, mesmo com todos os espinhos.

Ilustração: Claudio França.

10.3.06

Levanta-te e anda, minha filha.



28 de novembro. A despedida. Fiquei sem imaginar como seria passar um mês sem lentes de contato, apenas de óculos. Totalmente dependente daquela armação modernosa e aquelas lentes nojentamente arranhadas. Sair à noite seria um pesadelo. Ninguém ia me querer, em sentido algum. Por que alguém bateria papo com uma pessoa com cara de nerd? Com uma menina que parece ter saído do trabalho direto pra noite? Com tantos olhos bonitos, com lápis preto, delineador e sombra, quem olharia pra um par de lentes grossas? E não adiantava ninguém falar. Pra mim, sair de óculos é praticamente virar óculos. Algo que chama tanto a atenção pra si que neutraliza qualquer outro acessório ou atributo que eu destacasse. Se eu saísse correndo pelada de cabeça pra baixo, ninguém gritaria:
- Olha, uma menina pelada de cabeça pra baixo!
Apenas diriam:
- Olha, uma menina de óculos! E veja isso, não acredito! Ela está de cabeça pra baixo!

Paralelo à abstinência de lentes de contato, venho vivendo outra ainda mais dilacerante (chama de fútil que não ligo). A falta de meu carro. Eu? Sem carro? Quem poderia imaginar isso? Sou daquelas que quando entra no ônibus com um amigo escuta:
- (risadinha escrota) Que engraçado você num ônibus.
Engraçado, né? Sei. Já peguei sim muito ônibus, sem querer dar uma de filha de Francisco. Até pouco tempo atrás, ia de ônibus pro trabalho, mesmo com carro na garagem. E gostava sim. Foi a época em que mais li livros. Lia no ponto, no ônibus, no elevador. Fora que não tinha que lidar com flanelinha. Mas ficar sem minha carteira de motorista, aquela maldita habilitação para categoria B tirada com custo na terceira tentativa, me fez murchar.

Duas coisas que não imaginava ter que abrir mão, que não me enxergava sem. Pensei, meditei profundamente, gastei horas divagando sobre isso e conclui: fudeu. Amigos se afastariam, perderia rocks, oportunidades, deixaria de ir à praia, mudaria de academia, teria que virar caroneira. Tudo isso de óculos, pra garantir que a auto-estima continuaria lá no lugar dela, na chón.

(...)
Faz dois meses e dois dias que só ando de óculos e dois meses e meio que estou sem carteira. E sabe o que minha vida virou nesse tempo? Tudo, menos ruim. Eu, que nunca me considerei uma superficial, que sempre achei que conviveria bem com grandes mudanças, balancei quando precisei me despir de carro e lente. Dois meses depois, me vejo como uma menina de 15 anos, que descobre, lendo O Pequeno Príncipe e escutando Legião entre lágrimas, que é capaz de muito mais do que imaginava.

E agora, leio esse texto todo e acho que ele parece mesmo algo que eu escreveria 10 anos atrás. Será que a gente nunca aprende? Ou será que tudo é um ciclo? Se for, quero conseguir a proeza de me abster de coisas que amo de vez em quando. Deixar de ver um seriado que acompanho. Comer doce durante a semana. Faltar um dia na academia e não ficar paranóica achando que já caiu tudo. Esquecer o celular em casa, sem medo de perder o telefonema da minha vida.

É difícil, como é, tirar alguma peça-chave do dia-a-dia em nome da manutenção da identidade. Só que de vez em quando, quero lembrar que sou mais que carro, mais que lentes de contato. Quero tirar isso tudo e perguntar a mim mesma o que sobrou. Aliás, não quero ser a sobra. Quero o contrário. Vou me tirar. O que sobrar, aí sim, é resto.

Ilustração do Galvão. www.vidabesta.com

2.3.06

Defeitos

Sou eu apenas para quem eu quero ser. Não estranhe se eu não me mostrar inteira pra você, pode saber que não quero ser sua amiga ou não gostei do seu jeito. E muitas vezes não sei como dizer isso. Por isso, me fecho. Sorrio pouco, não estico a conversa, não acho graça nas brincadeiras. Não gosto de intimidades repentinas. Se você não conhece meu filho, não pergunte por ele como se conhecesse há tempos. Vai soar falso pra mim e é bem provável que, ao responder, eu faça uma careta sem perceber. Minha simpatia não é gratuita. Escolho bem para quem vou dar os meus sorrisos.

Provavelmente você vai ouvir dos meus amigos uma descrição que não bate com o que você acha que conhece de mim. Vai ouvir que sou alegre e converso bastante, que falo coisas bobas e divertidas. É, não parece a mesma pessoa. Me desculpe, não posso ser como eu sou com todo mundo. Tenho que ser conquistada com sinceridade. Gosto de pessoas autênticas, carinhosas e abertas. Não me venha com seu ar blasé, garanto a você que o meu é bem pior. Nem force a barra me comparando com você, dizendo que somos do mesmo signo, temos gostos parecidos, que somos iguais nisso ou naquilo. Comigo é devagar, é com inteligência, com humor, com refino. Sou isso mesmo que você está pensando, sou metida a besta, me acho melhor em muita coisa, gosto de ter razão, acho que estou certa na maioria das vezes, sou orgulhosa. Agora me diga você os seus defeitos, que não sejam esses que já coloquei aqui.