22.12.05

Aluga-se



Pode tirar essa fantasia (ou seria preocupação?) da sua cabeça. Não é por você que eu estou apaixonada. É pela idéia de que isso ainda vai acontecer comigo de novo.

Preciso de um rosto pra preencher a falta de uma paixão, pra pensar antes de dormir, pra dar expressão ao homem que aparece em meus sonhos. Preciso de alguém para ocupar minha cabeça e fazer o tempo passar mais rápido enquanto estiver esperando o ônibus. Quero imaginar que é você toda vez que um carro buzinar, o celular tocar ou uma carta chegar.
Preciso exercitar o ficar junto, pra não me apaixonar por estar sempre só.

Mas não se assuste, nem tampouco se encha de si, se eu disser que vou sentir saudade, se me flagrar olhando para você e sorrindo. São palavras e gestos tão verdadeiros quanto efêmeros. Mas não é isso que você quer?

Não, não faça assim. Não me trate cheio de dedos, com receio de que algum gesto seu desperte em mim um amor incondicional. Éque mesmo sem estar apaixonada, quero inflar de paixão tudo que faço. Você só calhou de ser a peça do outro lado do tabuleiro.

Empresta você um pouco? Prometo. Assim que me apaixonar por alguém, te devolvo.

Ilustração: Radael Júnior. Amei, Rada, obrigada.

16.12.05

Fechem as janelas


Que dia mais estranho, pensou. Viu que a Lua quase queimava o mar de tão amarela. Era novembro, mês em que lembrava de dores fundas. Uma demissão, uma traição, uma morte. Desejou ser outra por um dia. Queria ser irresponsável, abusada e folgada. Pensou em ter alguém pra sugar, queria parasitar na felicidade de alguém, na grana de alguém. Queria mandar quem mandava nela tomar no cu, ir pra putaquepariu. E queria achar graça disso.

Queria não reclamar e queria saber escrever. Escrever bonito, para quem era espelho pra ela: Guimarães, Drummond, Gabriel, Lygia. Quando viu a Lua queimando o mar, quis sentar no café ao lado e escrever, ler e fumar, mesmo sabendo que não fumava. De alguma forma, hoje precisava transgredir. Trair, seduzir, fumar, errar, magoar. Tudo isso despertou nela uma fome sem controle – não, o nome disso não era fome. Aí entendeu porque algumas pessoas não emagreciam. Mas naquele momento queria não entender, queria sofrer e fazer sofrer com seu egoísmo.

“Onde é a saída? De onde saíram esses pensamentos?” Teve vontade de morrer só por um dia. Distribuiu suas farpas nela mesma. Agora chorava. “Onde fecho essa porta?” Quis ser fútil, ser loira e gostosa, ser invejosa e burra. Queria querer só uma bolsa Fendi que o dinheiro compra. Amor, amigo, paz, sucesso, aposentadoria de nada iam valer naquele momento. Música, sexo, cerveja e gargalhada. Nem nisso conseguia pensar quando abria a maldita janela da depressão.

14.12.05

De celulares, cinemas e finais felizes

Resolvi ir ao cinema sozinha. Nada demais, já havia feito isso outras vezes. É bom chegar, sentar, receber um tanto de informações e ficar com a cabeça borbulhando de idéias, sem ter alguém pra compartilhar ou perguntar "humm, então ela matou a vizinha, né?", quando eu nem havia me dado conta disso.

Comprei uma caixa de Bis, para não me sentir tão desamparada assim, e escolhi uma poltrona bem no meio de tudo, latitude e longitudenalmente. Na fileira acima tinha um cara, também sozinho. Cara de psico. Uns 25 anos, oclinhos redondos, tipo “mamãe quero ser John Lennon”, camiseta quadriculada abotoada até o gogó, master-big-mega saco de pipoca numa mão e um balde de Coca Light na outra. Como o rosto dele era oleoso, do tipo que dá pra fritar um ovo, os óculos escorregavam e iam parar no meio do nariz, deixando os olhos desprotegidos. Então, ele inclinava a cabeça pra trás, pra conseguir enxergar através da lente. Nada bonito de se ver.

Coloquei minhas meias, meu casaco, desliguei o celular, encontrei uma posição boa e au revoir, estava pronta pra minha sessão quase particular de cinema. O filme estava começando quando ouvi som de celular tocando. O psico da fila de trás esqueceu de desligar, imbecil. Não satisfeito, ainda atende e conversa.
- Meu amor, tô no cinema (...) É, vendo aquele filme que você não queria ver (...) Tô com ninguém não, benzinho, vim sozinho. Sim, claro que eu dei banho no seu cachorro hoje. (...) sim, levei seu irmão no parque, ele e mais cinco amiguinhos. Levados ele, né mô? Você foi ao salão enquanto isso? Fez a escova, as unhas também? Deve estar tão linda...

Já era demais pra mim. Mandei um xiiii e ele desligou o celular. O filme continuou. Trama legal, mas daquelas que têm tudo pra se perder no meio. Ó, não disse. Se perdeu mesmo. Merda de filme. Pior que meu Bis acabou. Quando eu ia começar a arrancar o esmalte no dente, toca de novo o celular do menino com jeito de nerd assassino:
- Oi (...) não, amor, não acabou (...) poxa, meu neném, não briga comigo, tô só vendo o filme (...) não chamei porque você não queria ver (...) e também porque você tava no salão e eu já tinha feito tudo que você pediu...

Eu já tava tensa, por causa do filme tosco, e esse ensebado ainda me vem com os problemas dele. Merece mesmo uma namorada chata. Sem educação. O que esse povo tem na cabeça pra conversar no cinema? O gene que determina que aquele ser humano vai ficar calado no cinema deveria ser premissa para qualquer nascimento. Não tem? Não nasce. É básico, já deveria fazer parte do inconsciente coletivo, de livros educativos. Ninguém quer ouvir os comentários alheios. Ninguém quer um Galvão Bueno narrando tudo no cinema. Na verdade, ninguém quer Galvão Bueno em lugar algum. E por que esses sem mãe sempre fazem comentários tão estúpidos, nunca algo que preste?

Quando é casal, sempre tem uma menina com vozinha dengosa pra fazer uma pergunta cretina. No meio de Hero, a sujeita solta:
- Ah, neném, mas isso é mentira.
Nooossa. Agora conta uma que eu não saiba, Nostradamus do Acari, Mãe Dinah da sétima arte. Pior é o namorado respondendo. Ou melhor, inventando uma resposta, só pra manter a pose ao lado da fêmea:
- Não, amor. Algumas artes-marciais orientais realmente ensinam os guerreiros a se movimentar com a leveza de uma pena.

Alguns planos me vieram em mente. Roteirizei várias, muitas formas de humilhar esses infelizes. Ir lá no gerente, bater nos marginais, jogar xixi neles,
levantar e dizer "quem aqui nesse cinema concorda comigo e acha que esses caras devem ser expulsos, levante a mão" e depois virar pros tagarelas e dizer "agora calem a boca ou chamo os seguranças pra tirar vocês daqui". Ou como disse Elisa, ficar em pé na frente deles, a sessão toda.

Mas nunca vou fazer nada disso mesmo, foi só pra desabafar. Mas de uma coisa eu tive coragem. Fui lá encarar o psico, que continuava com a namorada ao telefone.
- Não fala isso (...) Você sabe que eu te amo, meu amorzinho..
- Amigo? Com licença. Dá pra desligar esse celular, falar lá fora, enfiar essa porcaria na bunda (tá, isso eu não disse, mas bem que queria.)
- Peraí, amor (...) Oi, tá falando comigo?
- Sim, por quê? Tem que ligar pro seu celular pra conseguir falar com você?
- Amor, tem uma mulher aqui falando comigo (...) Não, não conheço (...) Nãooo, ela não veio comigo, ela tava aqui no cinema (...) Não, a gente não marcou nada, nem sei quem é.

Pronto, eu pensei. Aquele mela-cueca todo, além de acabar com minha sessão solitária e minha paciência, agora ia acabar com o namoro do psicose.
- Escuta, termina essa conversa lá fora, por favor.
O negócio ficou feio nessa hora. O filhote de cruz credo começou a chorar. O beicinho dele chegava a tremer, uma cena que valeu meu ingresso, meu lado sádico tem que confessar. E por mais revoltada que eu estivesse, fiquei com o coração na mão por ver aquele homem bobo, sem educação no cinema, chorar ao se ver cercado por duas mulheres que passavam ordens opostas pra ele. Para não contradizer nenhuma das duas, acabou indo lá pra fora mesmo.

Voltei a ver o filme.
- Hum... sabia que esse cara ia morrer, que previsível. O quê?! Como é? Alienígenas com dupla personalidade assombrando uma casa? Ah, não, haja clichê, filminho ruim.
Decidi que tinha coisa melhor pra fazer da vida do que ficar ali. Peguei minhas coisas, tirei minhas meias, pra não pagar mico do lado de fora, e saí do cinema. No corredor, dei de cara com o psico, encostado numa coluna. Celular na mão, cabeça baixa. Foi inevitável sentir pena dele. Ele não era de todo mau. Levou o cachorro pro parque, o menino pro banho, ou algo assim, enquanto a namorada estava no salão. E só atendeu ao telefone porque não queria deixar a menina chateada.

Decidi dar uma segunda chance ao Normam Bates capixaba.
- E aí? Fez as pazes?
Ele apenas balançou a cabeça negativamente. Nisso, o celular dele tocou. Algo estalou na minha cabeça e quando dei por mim, já havia arrancado o telefone de suas mãos. Não houve reação, tamanho foi o choque com minha atitude. Ele ficou só olhando, enquanto eu rejeitava a ligação. Ficamos nos encarando por alguns segundos. Tive mesmo, tive muito medo de apanhar, de tomar facada, de ser notícia na Tribuna. Mas respirei fundo e disse:
- Olha...você tá na merda. Esse filme é uma merda. Eu, bem, nem tô na merda, mas não tenho nada pra fazer. Quer tomar um chope e ouvir uns conselhos?
Ele olhou para o chão, para os lados, para trás e finalmente pra mim. Respirou fundo, segurou o ar nos pulmões por alguns segundos, expirou lentamente pela boca e disse:
- Melhor que esse filme minha história é.
E sorriu.

8.12.05

O fim



quero falar do fim, mas nem sei por onde começar. talvez pela tatuagem que eu nunca fiz. e a que você também não. ficou tão feliz quando ganhou o desenho de mim. parecia que não esperaria nem um dia a mais para imprimi-la pra sempre na pele. agora, nunca mais.

não te contei, mas não sei onde coloquei a chave da sua casa. perdi. lost. e Lost sem você? e os sanduiches e jantares improvisados, feitos nos intervalos do programa? eram os dias perfeitos para quebrar o regime e comer um doce. e depois insistir em levar você pra casa, porque afinal,se tenho um carro, mesmo que você o odeie tanto, por que não? além do mais, é o dia em que você está mais cansado. sempre sonolento, com aquele jeitinho de quem vai gripar. mas é só seu mal de segunda-feira.

às quartas-feiras então. aí, q vaziozinho que deixa. agora vão ser sempre de cinza. será que até o carnaval a saudade passa? ah, mas vai passar. vou estar no bloco, nem que seja do eu sozinho, rindo e bebendo. de repente nem vai ser de você, vestido de mulher. mas de mim mesma, assim, sem motivo.

e como esquecer de você me esperando na esquina do trabalho, acenando para mostrar que não estava na portaria? é, sei que às vezes eu esquecia de destravar a porta e tirar a bolsa do banco, mas não era desleixo, não. você sabe que sou uma cabeçuda. esperta, mas cabeçuda.e quando entrava no carro, vinha rindo, lindo. enquanto eu partia, me dava um selinho e perguntava: onde vamos? tá com fome? que filme vamos ver? o banco do meu carro já parece chorar de saudade. e quem vai trocar o cd? acho que vou ouvir esse radiohead pra sempre.

quando falar com sua família, diz que eu gostava deles sim. e dá um beijo no daniel por mim.diz também pra talita que minha bolsa prata está sempre à disposição.

pensei em correr atrás, fazer loucuras por você, provar o amor que tenho, com direito a choro, desespero, caretas e frases bregas. mas você sabe bem o que sinto. e como você mesmo disse, eu não sou o problema. bem, mas também não sou a solução. pelo menos eu ainda sei quem sou.

e espero que você também nunca esqueça da menina que que foi a todos os shows do los hermanos com você, que encheu sua casa de bolas no seu aniversário de 26 anos, que aprendeu a ler quadrinhos com você, que reconheceu a tatuagem no seu peito, que parece a penélope cruz (mesmo que só duas pessoas achem isso), que chorava de rir com você na cama, falando bobagens, que dormia no meio dos filmes mas tomou um remédio e melhorou, que gostava de dormir do lado da janela e com a tv ligada, que faz baliza como ninguém, que sente uma dor diferente todo dia, que aprendeu a beber água tônica, que às vezes parece a brigite jones, que sempre confiou em você, que não corta cebola bem, mas sabe fazer um macarrão muito bom, que foi com você pra são paulo, pro rio, pra caraíva, pra domingos martins, pra santa leopoldina, mas não conseguiu ir pra pedra azul, que só perdia no war e que fica linda quando lava o cabelo.

claro que não incluí os defeitos, mas quem vê defeitos quando tá triste? mas chega. não aguento mais lembrar, escrever, chorar. por hoje é tudo. paro por aqui, cansada, inerte. e só.

7.12.05

Plano de separação



Finalmente se separaram. Ela pagou a última prestação do carro que ele comprou. Ou compraram juntos? Difícil saber, uma vez que tudo estava tão misturado: dinheiro, sentimentos, vida profissional, livros. Discos nem tanto – ela não era de ouvir muita coisa.

O plano de separação começou há um ano, ela não queria tirá-lo da sua vida assim, feito um cão que a gente escorraça sem nem pensar no que ele vai sentir. Tinha muita consideração por ele e o amava até pouco tempo. Amou sair com ele, viajar, jantar fora, se arrumar pra ele. E o sexo? Era perfeito. Mas nem sempre foi assim, eles tiveram que aprender, tiveram momentos difíceis entre eles a decisão sobre um aborto que de fato se consumou. Mas eles superaram, ela nem tanto.

Por isso tudo, ela levou um ano para amadurecer a idéia de separação. Depois de mais 12 num relacionamento que alguns amigos invejavam, outros admiravam, alguns não entendiam como dava tão certo. Estava decidida, queria ser livre, mesmo que por pouco tempo. Queria deitar em camas novas, beijar bocas diferentes ou até mesmo não beijar. Queria paquerar o bonitão no carro ao lado sem culpa. Tinha se decidido, com todos os argumentos na mão: mentira, saco cheio, falta de paciência, desgaste, brigas constantes, impaciência, falta de romance. Como se vê, um pacote e tanto para pôr fim em qualquer casamento.

Dizem que quem está casado tem sexo garantido. Quem é homem, além do sexo, perde o conforto de ter as cuecas limpas e dobradas na gaveta, as camisas com todos os botões bem pregados, as toalhas de banho com perfume de lavanda. Mas que tipo de homem se importa com esses mimos? Pelo tanto de besteira que fazem, poucos.

Decisão tomada, só faltava colocar o plano em prática. Ele teria que desocupar a parte do armário, lembrar onde estão os documentos, juntar todos os cds e revistas, e mais uma porção de tranqueiras. Ela chegou a esboçar um leve sorriso quando lembrou que não iria mais dividir nada: a cama, o quarto, o banheiro, tudo só pra ela. Só achava ruim ficar sem sexo, pelo menos no próximo fim de semana, que era quando tinham tempo para se dedicar às rotinas matrimoniais. Mas não queria pensar nisso agora, queria aproveitar ao máximo a efêmera sensação de liberdade que antecede a solidão – que ela sabia já estar ali, pronta para tomar o lugar do seu ex-marido.