27.5.09

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- Tá tenso.

- Hein?
- Tá tenso. Com a Gabi.
- Quem é Gabi?
- Minha namorada. Aquela moreninha, cabelo curto. Não lembra? A que vem me buscar de vez em quando.
- Uma muito gata? Com uma pintinha aqui do lado do nariz? Assim, com todo respeito.

- Ela mesma. Anda reclamando demais. Cada dia é uma pendenga. Agora deu pra dizer que eu tenho um gosto muito duvidoso pra filmes.

- Sei como é. Ela gosta de comédia romântica e quer que você veja tudo que a Meg Ryan já fez.

- Não, não. O problema é o seguinte. Eu gosto de Rambo, de Velozes e Furiosos, de tiro, de briga, de fratura exposta. Senão eu durmo no cinema. E ela gosta de uns filmes que nem no shopping passam. Outro dia me forçou a ver um tal de brilho da mente de lembranças.
- Brilho eterno de uma mente sem lembranças.

- Esse mesmo.
- Do caralho... já vi sei lá, umas cinco vezes.
- Sério que você gostou? Eu achei uma mentirada só. Apagar memória? Isso nem existe, ridículo.

- E o Rambo existe desde quando?

- Ah, mas é diferente.

- Sei.

- Tudo bem, ela sempre vai comigo ver os filmes que gosto. Mas eu não aguento acompanhar ela nessas merdas.

- Pô, mas aí você não tá sendo justo.

- Ah, mas eu já aturo o gosto musical dela. Ela me faz ouvir cada coisa. Olha só, gravou esse monte de cd pra eu conhecer as coisas que ela gosta.

- Poxa, que coisa mais.... carinhosa. Ela fez até capa e encarte.

- Ó, nem tinha visto. Se quiser pode pegar pra você. Esse que tem Beatles, Rolling Stones, David Bowie, pode levar tudo. Não sou museu pra gostar de velharia.

- Rapaz, fala isso não.

- Eu acho que ela ouve umas coisas diferentes só pra dizer que é moderna, sabe como? Tem que ver os lugares que ela gosta. Dá cada figura.

- Uma vez encontrei vocês numa balada dessas, lembra?

- Puta... foi. Show do Radio-alguma-coisa.
- Radiohead. Ela gosta?
- Porra, se ela pudesse acompanhava a turnê.
- Eu também.

- Tá doido. Eu não aguento guitarra. Nem gente berrando. Eu prefiro uma coisa mais eletrônica.
- Então gostou do Kraftwerk?
- Cruzes, nem fudendo. Uns puta caras esquisitos. Prefiro um trance, uma rave. Esse papel kraft aí é sei lá, meio parado. A Gabi que gosta.

- É, vocês têm que entrar num acordo então. Um cede aqui, o outro ali.
- A gente saiu ontem pra trocar uma ideia. Ela disse que ia me levar pra jantar.

- Pô, bacana a iniciativa.

- Mas foi uma merda. Ela me levou pra um restaurante tailandês.

- Porra, me amarro.

- Fala sério. Eu caguei fogo hoje, de tanta pimenta naquele frango.
- Ah, então o cheirão no banheiro...
- É, fui eu. Culpa daquele frango do inferno. Em vez de a gente se acertar, ficamos lá, cuspindo fogo.

- Me diz uma coisa. Assim, vou perguntar na boa.

- Vai lá.

- Por que vocês estão juntos? A coisa melhora quando... enfim, o sexo é bom?

- Pra ser bem sincero, já foi melhor. Ela andou... chega mais perto... ela andou inventando umas histórias meio loucas. Comprou peruca,
se fantasiou. Pediu pra eu fingir que era o Dr. Pinto, um ginecologista tarado, depois que era um alienígena que ia fazer um exame de fertilidade nela... porra, ainda comprou um vibrador no formato do dedo do ET.
- Que beleza....

- Oi?

- Não, nada. Que garota...assim, criativa, né?

- Demais, demais. Aquela ali parece que fica pinicando, se ardendo toda. Deve ser de tanta pimenta tailandesa. Agora falando isso tudo com você, me veio uma coisa na cabeça.
- Manda.
- E se você conversar com ela? Se disser que eu sou foda aqui no escritório, que sou respeitado, que tenho um futuro promissor, que a mulherada cai matando, mas eu saio pela beirola.

- Saquei. Você quer que eu minta?

- Isso. Ó. Ela vem me buscar hoje. Você desce, puxa papo falando dessas bandas ruins que vocês gostam, desses filmes com mais diálogo que porrada, depois você fala de mim e aí vai, deixa fluir.

- Porra, cara, tô achando que isso não vai dar certo. Vai dar merda.

- Acha que ela vai sacar a armação?

- Não é bem isso que eu tinha pensando.

- Hein?

- Nada não, tô pensando alto.

- Cara, ela nem vai sacar nada.

- Você gosta mesmo dela? Você ama ela?

- Nunca pensei nisso.

- Nunca pensou? Como assim? Então pra que esse esforço todo?

- Ah, sei lá, eu curto ela. E não tô fazendo nada melhor. Mas não conta pra ela.
- Nada de amor, então?
- Não.
- Certeza?
- É.

- Beleza. Tô dentro. Que horas ela chega?

ilustração em www.vidabesta.com