15.8.08

Tara


redatorasdemerda.blogspot.com
Não agüentava ficar mais de uma semana sem sexo. Mas quem olhava, não dizia. Era recatada, tímida, não ria alto, nem tinha aquele olhar lascivo, não tinha boca pintada, não usava roupas justas tampouco decotes profundos. Parecia sem graça, dos pés à cabeça, parecia ser assim sempre.

Mas depois que terminou o noivado, não passava um dia sem pensar em dar. Continuava com a mesma capa de menina-moça, mas a mente era uma pornografia só. O noivo, que a conhecera na intimidade, sabia bem dos desejos da garota. Confirmava a sabedoria popular, que diz que as quietas são as piores. Era o noivo meter-lhe a mão entre as pernas que ela se transformava. Primeiro molhava-se inteira de tanta excitação. E toda aquela umidade do meio das pernas ela gostava de passar pelo corpo todo. Nessas horas, seu cheiro mudava, seus peitos de menina tornavam-se cheios e bicudos. O cabelo solto, a boca vermelha pelo sangue que corria mais rápido, depois de tantos beijos sugados, quem a visse agora, julgaria: vadia.

O noivo a trocou por outra, mais fogosa, mais endinheirada, mais mulher. Ela, sem ter ninguém, tentava suprir seus desejos primários enchendo a imaginação de fantasias que jamais pensou que pudesse ter. Imaginava-se sendo seguida pelo porteiro do prédio nas escadas, tenho a calcinha arrancada à força. Desejava enfiar na boca todos os dedos do seu professor, mesmo sujos de giz. Torcia para que um estranho na rua lhe passasse a mão. No ônibus, gostaria de ser encoxada pelos operários que iam cedo para o trabalho. Mas se um homem a abordava com mais veemência, ela baixava os olhos e dava um jeito de sumir dali.

Entre a angústia, a timidez e o desejo, não sabia ao que ceder. A mãe desconfiou. Os olhos da menina estavam mais fundos, a comida ficava toda no prato. Vivia dizendo, seu mal foi ter se entregado praquele safado do Beto. Mas só ela sabia que não era o Beto o seu problema. Era o que ele tinha feito com ela. De ter mexido onde mexeu, de ter enfiando tanto os dedos, a língua, o pênis em todo os seu buracos. A ponto de ela não saber de qual havia gostado mais, do que mais lhe dava prazer. Definhava. O cabelo entupia o ralo do banheiro, a mãe se zangava.

– Amanhã mesmo você vai ao médico.

Não queria médico, não estava doente. Como iria dizer para o doutor: só penso em sexo. Mas foi. A mãe era implacável. Ela foi.

- Por favor, tenho hora marcada.
- Pois não, o doutor a espera.

Entrou de cabeça baixa, o doutor pediu que vestisse o avental verde-água e se deitasse na maca. A enfermeira ajudou a posicionar as pernas nos dois suportes laterais. Deitada de frente, com as pernas abertas e suspensas, parou de sentir frio. O rosto agora queimava, ela sabia exatamente o que isso antecedia. O médico gentilmente apalpou seus seios, pressionou seu ventre enquanto ela ardia e corava. Educadamente, o médico avisou-lhe quer iria tocá-la e sem que ele conseguisse concluir a frase, ela já estava gritando:

- Por favor, por favor!

Ilustração de Maurício Nunes.

4.8.08

Prefiro nada



Isso não é uma carta de amor.
É a carta de quem nunca tentou.
De quem tem o que merece: a infelicidade
pedida à la carte, por livre e espontânea vontade.
De quem se alimenta de pequenas sensações voláteis.
Uma vida miserável que sente prazer na caça.
O vazio me move.

Assumo que não quis enxergar o quanto você era diferente.
Sabia, lá no fundo, que pessoas como você são raridade.
Mas deixei lá no fundo mesmo. Junto com minha coragem.
Preferi isso que tenho agora. Efemeridade, sentimentos ralos,
uma vida levada na superfície. Troquei você por sexo mais ou menos com um aqui outro ali, por aquele calor no peito que precede o primeiro beijo com alguém novo. Escolhi continuar procurando. Me dá mais prazer.

Nunca vai ser igual. Ninguém tem esse gosto, ninguém tem esse cheiro bem ali atrás da orelha, esse jeitinho de terminar um beijo.
Ninguém tem esse olhar que me frita, que me faz pensar em sexo quando estou cortando cebola. Ninguém tem essa voz que faz minhas pernas se abrirem automaticamente, ninguém arranca esses gritos, esses pedidos falsos para parar. Sou dobradiça frouxa com você.
Mas não posso trocar o mundo do maravilhoso desconhecido por nós.
Aliás, mal consigo falar nós. Preciso da adrenalina que alimenta os pobres de espírito.

Não é o momento. Já ouvi isso antes. Você é ótima, mas não estou pronto pra isso agora. Chegou minha vez de ser a idiota.
Abro mão de você, de todas as risadas que arranca de mim, de todas as possibilidades de um futuro feliz, pela busca.
Assumo o risco de me arrepender profundamente.
De um dia bater à sua porta e dar de cara com sua esposa perfeita, carregando um bebê-propaganda, em uma casa tinindo de limpa, cheirando a uma felicidade insuportável e inabalável. Diria que errei de número e perguntaria onde tem um bar.
Passaria o dia bebendo sozinha, esperando que você passasse só pra ter o prazer de me ver
conformada com a vida besta que escolhi e repetir baixinho que sabia que isso aconteceria.
Você mereceria se esbaldar com minha desgraça.

Sou uma imbecil, eu sei. Não estou preparada para tanto amor, para uma vida adulta. Você é demais. Certamente me faria crescer, arrumar um emprego melhor, vestir algo passado, comprar meias novas, freqüentar lugares onde os garçons são simpáticos.
Preciso de alguém pra quem possa apresentar Lynch, Sandman, Radiohead. Alguém mais cru. Alguém menos ameaçador à minha auto-estima.

Você me faz querer ser melhor. E eu não posso conviver com essa pressão.

Ilustração de Carol Cuquetto: oamareloeonada.blogspot.com