30.12.06

Quereres de ano novo

Quero 2007 com gosto de Nutella, de cappuccino que só você faz, de tempero da minha mãe e dos biscoitos da minha vó.

Quero um 2007 revigorante que nem mergulhar no mar, secar no sol, descansar na sombra. Que nem garrafa de cerveja sendo aberta, espuma no buço e língua limpando.

Quero 2007 com som de criança gargalhando, de ginásio lotado, de chuva na janela. Aquele barulhinho de teclado digitado rapidamente, de chaveiro balançando quando alguém chega em casa, de apito no ouvido voltando de festa.

Quero 2007 com cheiro de bolo no forno, de dama-da-noite, de nuca de namorado. Quero 2007 cheirando a lençol limpo, óleo de pitanga e papel recém-impresso.

Quero 2007 com momentos simples, como subir no elevador sem ninguém, achar vaga no shopping e encontrar aquele sapato pela metade do preço.

Quero 2007 pingando como picolé na camisa, virando bola de chiclete, voando com balões, levantando os braços na montanha russa.

Quero 2007 fugaz como decolagem de avião, arrebatador como lágrima de alegria, redentor como um pedido de desculpas sincero.

Quero um 2007 supreendente como ganhar flores sem motivo, encontrar dinheiro no bolso, receber carta escrita à mão.

Quero um 2007 miraculoso como acordar sem ressaca depois de abusar tanto, não estragar as unhas depois de fazê-las, dormir de cabelo molhado e acordar sem parecer a maria bethânia.

Quero um 2007 acolhedor como abraço de mãe, mão dada no cinema, carona em guarda-chuva.

Quero um 2007 quente como suco de fruta mordida escorrendo pelo queixo, firme como sua mão apertando minha cintura, menos complicado que abrir um cinto.

Quero 2007 com mais vocabulário, menos colesterol e muitas promessas.
Quero 2007 de branco e verde e talvez dourado.
Quero tudo, mas só um pouco. Quero menos trocadilhos.
E finalmente, quero textos que terminem bem.

22.12.06

Imaginado


Hoje passei o dia olhando pra você. Mesmo nos momentos em que você não estava na minha frente. Construí cada pedaço seu, de dedo a umbigo, de nariz a tornozelo, de cabelo a panturrilha. Meu mal é inventar paixões platônicas; e essa agora — muito perfeita, muito direita, muito real. Penso, sonho, sinto, vivo com você aqui, no meio de todos meus pensamentos, dos mais nobres aos mais profanos.

Profano, não. Ainda não cheguei lá. Sinto o amor romântico, apenas, com todos os sintomas: frio na barriga, tremor, vergonha e de repente fico muda. Seria melhor virar puta. É você passar pra eu esquecer todo o repertório que passei por horas, tudo some, os músculos se paralisam, parece que tenho 12 anos. Só com uma diferença: com 12 anos já teria ido até você e falado todas essas coisas. Entendeu por que seria melhor eu virar puta? Toda essa agonia iria acabar no primeiro motel vagabundo, na primeira luz de néon piscando na beira do asfalto.

Preciso dizer o quanto você me faz bem. Melhora o meu humor, me faz ter vontade de emagrecer, de passar sombra nos olhos, de comprar vestidos, de viajar. Me coloca sorriso nos lábios e acelera minha pulsação. Vou amar você assim, sem ciúmes, sem cobranças, sem jogos, sem choro. Este último guardo só pra mim, sufocado, dissecado, suprimido para que você não saiba que mesmo este amor, que só existe em mim, também faz doer.

Não quero que você saiba de mim mais do que imagina. Não quero dividir com você minha solidão nem tampouco quero a sua. Juntar duas solidões não é amar. Amar sozinho também não. Como não tenho escolhas não quero que você as tenha também. Viu como sou egoísta? Por favor, não veja mais nada. Tudo isso vai terminar exatamente como começou. Assim que eu conseguir domar meu coração que me desobedece toda vez que vejo você.

15.12.06

Brigas


Antes mesmo de abrir os olhos senti meu coração murchinho. Estava zonza, sonolenta. Não conseguia entender o motivo daquela dorzinha. Apenas sentia um aperto.
Provavelmente um sonho ruim, pensei. Tentei descobrir enquanto virava de barriga pra cima com toda a lentidão do mundo. Então lembrei. A gente brigou ontem. Eu não queria, você não queria. Quem quer brigar?

Quando tinha uns 12, 13 anos, briguei feio com minha mãe. Eu escutava o jogo do flamengo no rádio quando meu irmão vascaíno chegou perto e tirou o fio da tomada. Fui lá e coloquei de volta. Ele insistentemente desligava o rádio. Virou uma pancadaria, digna de maracanã. Minha mãe foi ver o que estava acontecendo e não pensou duas vezes. Confiscou a prova do crime. Fiquei sem saber como o jogo havia terminado e parei de falar com minha mãe.

Sentia raiva por ela nem mesmo ter procurado saber o que estava acontecendo. Meu irmão, que estava errado, conseguiu exatamente o que queria. Fiquei uma semana sem falar com ela. Chorava de tristeza, mas me recusava a procurá-la. Será que ela não percebia?

Não. A verdade é essa. Ela não sabia que o jogo do flamengo tinha tanta importância pra mim. E é disso que brigas são feitas. Quem se sente injustiçado espera desculpas e quem, teoricamente foi injusto, não vê motivos pra se desculpar por não ter idéia da dimensão do estrago.

Meu pai pedia pra eu falar com ela. Dizia que ela chorava muito. Eu também sofria. Apesar dos anos, sinto a dor ainda. Sabia do sofrimento dela, ela sabia do meu. Sabia que ela, assim como eu, queria me abraçar e esquecer tudo. Mas ninguém movia uma peça. E ambas tinham suas razões.

De volta à minha cama, onde eu despertava devagar, sentia esse mesmo gosto. Um ranço, um rastro amargo. Uma ressaca. Pensava quantas vezes mais teria que passar por uma briga vaga. Medir sentimentos, sendo que eles são imensuráveis. Exigir desculpas, quando o outro não vê necessidade de pedir. Entender que não se trata de achar culpados, mas de dizer como se gosta ou não das coisas.

Levantei e fui até minha mãe. Perguntei se ela lembrava da briga de anos atrás. Nem precisei dar mais detalhes.
- Lembro.
- Quem foi que quebrou o silêncio?
- Fui eu.
- Mas mãe, eu tinha razão.
- Não vamos falar disso. Certas coisas não se discutem.

Mãe sabe o que diz. A minha então sabe tudo. Ouvi o que precisava para encarar a ressaca que me acompanharia durante uns dias, até tudo voltar ao normal. Da próxima vez quero lembrar disso. Discutir o que não se pode mudar é dolorido, inútil, desgastante. Algumas feridas não saram. Depois de abertas, só o tempo ajuda a ignorá-las.

Mesmo mais nova, fiz uma escolha que deveria repetir mais vezes. Ficar em silêncio.

Ilustração do Galvão: www.vidabesta.com

8.12.06

Saudade ultrapassada



Engraçado esses dias em que acordo saudade. Penso em todos que conheci, em todos que contei segredos, em todos que beijei, em todos que chorei, em todos que vivi, em todos que deixaram pedacinhos em mim e que eu, também assim, deixei pedaços. Mas talvez tão pequenos que ficaram invisíveis e esquecíveis. Quero contar pra você, que conheci na 4ª série, que hoje vivo de redação. Ah, sim, na escola eu já gostava e lembro de ganhar um chocolate por ter feito uma redação muito bonita. Também tive meu nome escrito no caderninho de ouro. Quero contar pra você que foi meu primeiro namorado que tenho vontade de rir quando lembro que você me beijou depois da festa junina da escola, eu de vestido de chita vermelho e fita no cabelo, bochechas rosas de tanta vergonha de nunca ter beijado. Quero contar pra você que não moro mais em Brasília, que moro em Vitória e que pode um dia me visitar, mesmo com mulher, filhos, família. Quero contar pra você que era a amiga da minha rua, que em Brasília se chama quadra, que enquanto você colecionava papel de carta, eu colecionava etiquetas de lojas porque gostava das formas e cores. Formas e cores que hoje se chamam logomarca e que acho que sim, eu já tinha um pezinho aqui nesta profissão que escolhi.

Nestes dias em que acordo assim, com o passado colado no meu rosto, marcando tanto quanto o travesseiro aquilo que passou e de que sinto muita saudade, me sinto só, órfã, pouca, pequena. Mesmo que essa saudade que é muita caiba em apenas algumas horas, até o dia tomar forma, o telefone tocar, os problemas aparecerem e as lembranças voltarem pra lá de onde vieram. E essa saudade, dizem, é verdade sim, é coisa de idade isso. Mas se é de idade, meus amigos lá da minha rua, que brincavam de queimada e carniça, que corriam depois de tocar a campainha de todas as casas, que roubavam pequenas balinhas na loja de doces do outro lado da rua, que assustavam todo mundo quando era dia das bruxas, que pegavam amora, abacate e manga nas árvores, esses mesmos que também têm hoje a minha idade, será que pensam em mim? Será que lembram que lá na garagem da minha casa a gente fazia festa americana e dançava música lenta?

Queria ligar para cada um de vocês e dizer que tenho coisas novas pra contar, que entre uma lembrança e outra, a gente toma uma cerveja e ri vai ser legal ficar quase bêbado com alguém que conheço há muito tempo e que ocupou uma parte tão importante da minha vida. Minha preciosa infância, que passei correndo na rua, brincando aos domingos até começar o Fantástico e aí entrar em casa, tomar banho, jantar e dormir. E acordar agora pra lembrar que nunca, eu acho, terei coragem de dizer todas essas coisas pra você, que era meu vizinho, que era da minha turma na escola, que era minha melhor amiga. Porque me sinto muito envergonhada de dizer tudo isso e de sentir também. Porque se é coisa de idade, não quero parecer ultrapassada. Moderno é não sentir saudade de vocês? Se assim for, não quero ser moderna não.

Ilustração: Claudio França