9.8.06

Desisto

Qual é a hora de desistir? Quando tenho que tirar o time de campo? Como é que vou saber se estou sendo sensata ou se estou amarelando? Lembro de quando tinha uns 18 e alguns anos. Disse aos meus pais:
- Quero fazer aula de dança Flamenca.
Meu pai então respondeu:
- Mais uma coisa que você vai começar e parar pela metade.

Na época, não sei quantas coisas já havia largado no meio. Mas agora resolvi fazer uma retrospectiva. Balé eu fiz quando morava no Rio. Chegando aqui fiz Jazz. Devo ter saído porque aulas de Jazz pararam de existir. Até me apresentei no Carlos Gomes. Um talento desperdiçado. Inglês fiz até o fim. Foram 7 anos. Piano eu parei. Não gostava do professor. Voltei quando estava já na faculdade. Mas era meio carinho, não deu pra levar. Caratê. Fui até a faixa amarela. Parei porque minha coluna doía. Curso de escalada. Apesar de ter amado não continuei praticando. Curso de italiano. De francês. Faculdade. Pós-graduação. Hidroginástica. Body Jump. Duas aulas de alemão gratuitas. Curso de teatro. Cursos, cursos.

E agora eu penso: por que diabos eu teria que terminar tudo que começo?
Não tenho o direito de mudar de idéia? Sei que meu pai, em sua função difícil de educar uma cabeçuda, estava apenas me alertando para algo que julgava poder se transformar num problema. Imagina eu não conseguindo terminar nada?

Uma vez o Gaiarsa, aquele psiquiatra com idéias polêmicas, disse que não existe isso de uma relação "não dar certo". Enquanto existe dá certo, oras. E acho que ele tem razão. Quando não há mais prazer em realizar algo fica impossível aproveitar. E aí, desistir não é covarde. E até bem corajoso. Veja bem. Não estou falando em ver um problema pela frente e chutar o balde sem mesmo tentar. O meu desistir passa por todas as fases: a do prazer, a da dúvida, a da persistência, a da persistência, a da persistência e só então da aceitação de que acabou.

O problema é saber quando acaba. Aquele minuto em que você diz: não dá mais. Uma amizade, por exemplo. Como saber a hora em que ela não existe mais? É quando as pessoas param de se ver? De se falar? Ou dura enquanto há amor? Se bem que amor não basta. Mesmo. Então é até quando há sintonia, coisas em comum? Como saber a hora de desistir de um projeto? Ou menos até. Como mudar de idéia com a certeza de que você não está se deixando levar pelos outros, mas simplesmente pensando de outra forma?

Pra que meu pai foi dizer aquilo. Virei uma paranóica (como é bom culpar alguém). Triste admitir, mas a gente já faz tanta coisa por obrigação. É conta pra pagar, cliente pra acatar, vizinho pra agüentar, horário pra cumprir. E quando quer desistir não pode simplesmente porque tem que ser firme, íntegro, mostrar persistência?

Por isso, pai, sinto muito, mas desistir não tem nada a ver com perder e ser derrotada. Tem a ver com chegar cada vez mais perto do que eu quero ser. Bem. Mesmo que eu não tenha a menor idéia do que eu queira ser. Mas que mal há em continuar procurando? Pelo menos vou aprendendo e me divertindo, sabendo que desistir não vai apagar nenhuma experiência passada. Apenas abrir a possibilidade para outras muito mais interessantes.

Ilustração: Vitantonio Semeraro (meu pai)

10 comentários:

Anônimo disse...

muito bom val!!!
adorei ¨sinto muito, mas desistir não tem nada a ver com perder e ser derrotada. Tem a ver com chegar cada vez mais perto do que eu quero ser¨
bjinhos
anna

Anônimo disse...

Puxa, acho que encontrei esse blog na hora certa... é difícil encontrar alguém que compartilhe das mesmas idéias que eu e que ouve as mesmas críticas que ouço! Gostei do texto!

Anônimo disse...

Amei. Virei fã do blog de vcs.

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

oi docinho!! recebi a mensagem e vim correndo procurar uma internet por aqui (paraty tá linda, cheia de energia e música e cada esquina).

saber a hora de acabar é o mais difícil...parece aquela comida no prato q a mãe da gente manda comer até o fim, mesmo quando sua barriga tá estufada o suficiente para estourar. até hoje não consigo deixar a comida no prato:( bjos, saudades e amor. elisa

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

ah, esqueci de falar, tô rindo horrores do desenho do seu pai. na verdade, não do desenho, mas da cena: - pai, faz um desenho pra eu colocar no meu blog?
- má quê! quê? é é é...

Anônimo disse...

desistir é dificil.
eu me identifiquei com este texto, também estou passando por uma fase de desistências em diversos campos. mas, ainda bem, algumas persistências têm dado resultado.
espero q tenhamos boa sorte nas nossas "aproximações do que queremos ser".
gostei da ilustração, muito engraçado esses "stops", hehe.
bjo

Anônimo disse...

Val, eu terminei muitas coisas que poderiam ter continuado e insisti em outras que nem deveriam ter começado. Mais uma vez me vi no seu texto.
Beijos

Anônimo disse...

hahaha
muito bom!!
engraçado como me identifico!!
he
beijosss
findi bençoado pra vcs!!

Anônimo disse...

hahaha, que texto ótimo! é a sua cara, val. o legal é poder ter acompanhado creio que praticamente tudo o que vc disse...hehehe amei relembrar. A ilustração do Sr. Vitor ficou uma graça! Pede pra ele fazer mais, pede! beijooo, carol.

Anônimo disse...

Sabe o que foi mais interessante de ler neste texto? Foi a referência ao Gaiarsa, sobre dar certo, enquanto existe, dá certo! eu pensava que só para mim tinha sido importante isso. E quanto eu levo a sério isso em minha vida!
Beijos.