De macios os lábios passaram a desajeitados. O beijo foi de apaixonado para molhado demais. O abraço apertado virou grosseiro. A barba que arranhava gostoso agora machucava. O hálito que excitava começou a incomodar.
A barriguinha charmosa agora era obesa, o corte de cabelo moderno ficou ultrapassado. Os pêlos que roçavam seu corpo passaram a espetar. A mania de ver poesia em tudo se transformou em algo intelectualóide. O sexo de pegadas fortes virou indelicado.
De repente, a charmosa calça jeans rasgada virou um desleixo. A paixão por livros, antes motivo de admiração, era agora pedante.
Ele jurava estar igual, como sempre foi. Não entendia as reclamações dela. Então o que mudou? O que aconteceu pra ela chamá-lo de desatento ao volante? Logo ele que sempre foi tão cauteloso. Quando a mania de misturar água quente com fria deixou de ser de fofa para virar frescura?
Por que a despedida do celular, “saudade, bonita”, passou de romântica para cafona? Por que o cuidado excessivo com os pais dele foi de sensível a exagerado?
O andar de mãos dadas deixou de ser carinhoso para parecer pegajoso. O telefonema de boa noite foi de atencioso para perseguidor.
Ela não tentava mais conversar nem mudar. Apenas se afastava. Ficava ainda mais nervosa porque acreditava que ele deveria notar sua frustração e se virar para voltar a agradá-la. Ele não sabia mais pra onde correr porque até as tentativas, antes demonstrações de afeto, agora soavam como cobranças chatas.
A verdade é que tudo continuava igual. O jeito de entrelaçar os dedos, a mania de abrir a geladeira pra ficar só olhando, o hábito de andar pela casa escovando os dentes. Nada mudou. Tudo que a fez se apaixonar por ele continuava igual. O que mudou, ela tinha que saber. Que deixe doer, mas ela tinha que ouvir. O que mudou, foi ela.
ilustração de carol cuquetto: oamareloeonada.blogspot.com. acessem, acessem, acessem. lindo demais.)
10 comentários:
Aí ela resolve deixá-lo e experimentar coisas novas, pra mais tarde sentir falta desses detalhezinhos todos... já vi esse filme, mas com esse final aí. ;-)
Texto lindo como sempre!
Tô fã demais disso aqui, viciada total.
Bjo!
Gio
que honra a carol no nosso blog. gostei muito, linda a ilustração :)
e o texto? docinho já sabe o quanto eu gostei.
e é como se estivesse ouvindo falar de mim... adorei o texto porque de tão pessoal faz com que a gente se identifique com cada detalhe.
e concordo com o comentário da giovana.
um abraço
Tenho que pedir minha esposa para ler esse texto, :)!
Ótimo, beijos nas duas.
não sei qual a situação pior: quando mudamos ou quando mudam com a gente. as duas são extremamente complicadas de se lidar.
:*
Hum... de novo bateu o vento no rosto, vindo lembrar fácil o que é tão difícil de esquecer. Pergunta se não mudou, e pra responder, tenta passar pelo buraco que ele abriu, há tanto tempo que não lembra mais, no peito que um dia gostou, amou, esqueceu e lembrou, os detalhes e as palavras que hoje não representam, o sorriso que vem...... Mudou né? Beijo pra vocês.
Ai, isso acontece tanto. E eh complicado porque a gente muda mesmo, nao tem jeito. Tem sempre que tomar cuidado para nao perder a "liga". Ai, o amor!
Saudadona!
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Lá-lá-ri! Lá-lá-lá!
Bj nas duas.
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êita que esse trem acontece mesmo... e quando aconteceu foi tão triste. belo texto. bela ilustração, apesar de eu não ir muito com a cara da dona dela! rs
Minhas lindinhas que não vejo há tanto tempo (meus olhos já inundaram de saudades), triste é achar que o outro deve estar sempre atento ao que estamos sentindo. E nessa de que um deixa as coisas acontecerem e o outro finge que nada vê, é que começa a aparecer pequenininho, o enorme abismo que vai separá-los. Ainda acredito que o diálogo, e botar pra fora tudo o que estamos sentindo em relação ao outro, só tem um lado bom. (por mais que eles não gostem de "discutir a relação". Tá aí.
Bjs, muitos bjs.
Amo vcs.
Lele
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