Sabe o que me emociona? Ver dois adolescentes na rua se beijando. Ela de uniforme, mochila, cabelos compridos, mão segurando cadernos, outra mão segurando os cabelos dele. Ele encostado no carro do pai, bermuda, tênis e camiseta, e mãos deslizando pelas costas dela, sem rumo e sem vontade de parar onde deveriam Acho que me lembro do que se sente nessa hora. A gente fica momentaneamente surdo, o estômago vira um aquário onde os peixes parecem nadar depois de tomar uma dose a mais de cafeína. E o beijo não termina nunca. A língua fica ali, rodando por horas dentro do mesmo espaço. Aqueles dois corpos, ainda firmes, estão tão juntos que preenchem tudo com o vácuo. Falta jeito, faltam palavras e sobra agonia para o resto da tarde, depois que ele deixá-la em casa. E o frio que percorre o corpo de cima até embaixo? Depois de abandonar os uniformes nunca mais voltei a senti-lo. E poucas vezes coloquei tanta paixão para ser exibida no meio da rua.A idade é uma forma de censura. Deve ter servido à ditadura e aprendido a condenar aqueles que extrapolam. E, mesmo a contragosto, acabo concordando que excessos de exibição amorosa para quem já trabalha, paga contas e faz check up anual deveriam ser mesmo proibidos e trancados dentro de celas fechadas e úmidas. Temos o que merecemos, isso é fato. E mais que agradeço por nunca ter dado de cara com um outdoor no meio da minha rua com corações e frases melosas. Sorte também de não ter amigas escandalosas que gritam ao me ver. Em tempos de imagem saturada não iria suportar saber que todos vêem fotos minhas ao lado de quem amo e ficam sabendo o quanto sou amada e quero amar.
Nunca tive recepções barulhentas no aeroporto ao voltar de uma viagem longa. E como fico feliz por não ter essa lembrança. Acho que o constrangimento seria maior que a felicidade de ver todo mundo ali, com peruca, apito, faixa e gritos. Gosto do amor dito baixinho, ao lado, no pé do ouvido, só pra mim, bem de perto. Acredito nas sutilezas e nos detalhes. Eles me encantam e me convencem mais. E ainda deixam um gosto de segredo e cumplicidade, que só eu e você sabemos. Em alguns casos, é bem melhor não ter mais 15 anos.
Ilustração do Galvão em www.vidabesta.com


