17.6.08

Entendendo


Ele só queria entender.
Eu pensava que era mania de mulher essa coisa de querer entender. Puro machismo.
Ele estava lá, completamente perdido, tentando entender as atitudes dela. Na verdade, tentando decifrar por que as atitudes divergiam tanto das palavras.

Os encontros tinham um roteirinho fixo. Durante o cappuccino, a gente celebrava a vida de solteiro, falava das últimas aquisições sexuais, do porre que certamente seria o último, dos planos de passar um tempo fora. Quando chegavam as quiches, lorraine pra mim e quatro queijos pra ele, era hora de reclamar do tempo que passa cada vez mais rápido, do trabalho estressante, do amigo que sumiu. Enfim, na sobremesa, o assunto era ela.

Sempre escutei com paciência. Sabia como era passar por aquilo e achava quase encantador um homem sentir o mesmo. Ele nunca sabia como agir quando encontrava a pulga, apelidinho carinhoso e apropriadíssimo que arrumei pra ela. Ficava sem jeito com as mãos, falava umas merdas sem sentido. Mas no fim, os meios pouco importavam. Terminavam a noite furando algum lençol de motel com os cigarros que ela insistia em fumar até cochilar. O sexo era foda, apesar desse trocadilho. Tinham conversas para semanas. E as declarações eram mútuas. Você é foda. Quero te ver de novo. Como não te encontrei antes?

- Já te disse que ligo no dia seguinte? Sempre. Mas ela não atende.
- Nunca?
- Uma vez sim. Mas parecia que nada tinha acontecido. Vou ao banheiro, peraí.

Sentada lá, fazendo bolinhas de guardanapo, lembrei de outro dia, quando esbarrei num filme enquanto trocava de canais. A cena era clássica. Um cara seduzindo uma moça com as palavras e gestos mais mecânicos possíveis. Era o típico discurso em que ela diria “aposto que você fala isso para todas”. Ele diria que não. Ela saberia que estava mentindo, mas queria tanto dar pra ele que fingiria acreditar em tudo, pra poder manter a pose de moça inocente e usada. Assim, quando ele sumisse da face da terra e quebrasse aquelas promessas que pareciam tão sinceras e puras, ela diria “eu sabia que terminaria assim. aquele canalha.” E a grande verdade era essa. Ela sabia que terminaria assim. Mas também queria sexo, tanto quanto ele. Não estava apaixonada, mas como dar sem estar apaixonada? Como admitir que havia trepado porque o corpo pedia? Não poderia. Fica feio pra uma menina.

De repente, a mulher má que fazia meu amigo sofrer com seus esquivos virou minha heroína. Ela não estava interessada naquela conversinha patética pré-foda. Queria mesmo era fuder e pronto. Não precisava se fazer de vítima, de coitada, de abusada ou de apaixonada. Só que ele não sabia lidar com aquilo. E aí, virava o estereótipo manjado da mulher boba e usada. Com a diferença de ser um homem.

- Tô pensando que em vez de entender ela, é melhor entender você mesmo. Por que fica confuso assim com isso tudo? Por que essa mulher toma todo nosso tempo da torta de chocolate? Você nem é apaixonado por ela nem nada.
- Não sou, mas quero entender.
- O quê? Por que ela não quer nada além de ir pro motel? Nem você quer. Ou quer? Você quer passar as tardes de domingo com ela? Quer ter um cachorro com ela, conhecer a África do Sul com ela, ver o show do radiohead com ela, agüentar a tpm dela? Quer nada. Você quer o mesmo que ela. Sé-qui-ço.
- Você quer dizer que eu não consigo admitir que uma mulher só queira trepar comigo? Que tô me sentindo usado?
- Isso mesmo.
- Tô agindo igual mulherzinha?
- É. Mulherzinha style.
- É né...
- Sim. Você é a mulherzinha Indiana Jones da relação.
- Que porra é essa?
- A que fica tentando decifrar tudo.
- Tá engraçadinha hoje, hein? Acho que tem açúcar demais nessa sua torta
- Mulherzinha, mulherzinha.
- Se eu sou mulherzinha, a pulga é o quê? O homem?
- Não. É o mulherão.
- Odeio quando você detona comigo. Ainda mais na hora da torta. Era pra ser um momento doce. Sua azeda.
- Também te adoro, seu besta. Agora come essa calda e pára de rir, porque você tá ridículo com esse monte de calda de chocolate grudada no dente.
- Agora lembrei por que a gente só fala de coisa triste na hora da sobremesa.

ilustração de galvão.

22 comentários:

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

apesar do título chutado (dei outras opções mas ela cagou), o texto tá uma delícia.

maldição de querer entender tudo. eu tenho a maldição em mim. bem-feito.

beijo, docinho

Anônimo disse...

Meninas, depois venho com calma pra ler pq sou mega fã de vcs.
Por hora, venho fazer o convite pra vcs aparecerem no Mulheres à la carte.

htpt://mulheresalacarte.blogspot.com/

Txt de hoje é dessa que vos escreve.

Beijos! Espero que gostem! ;)

PS: O link do meu nome é pro blog pessoal. Vcs estão linkadas em ambos, aliás. Adoro isso aqui!

Beijos

Anônimo disse...

Docinhossssssss
Preciso conhecer vocês via msn...

Eu mereço vai!!!

Sou leitor desde séculos.

Beijos.
Adorei demais o texto...
E o comentário da outra docinho uhauhauahua hilário.

ps.: meu msn: caloafn@msn.com

Beijão.

Marsyah disse...

Vcs são foda!!

Sou super fã de vcs!
Quero ser igual quando crescer...

Anônimo disse...

Achei ótimo!!!! Alguém tem que fazer tudo aquilo que a gente no fundo adoraria estar fazendo em algum momento, com alguma criatura... rs.

Bezzos, moças!

Anônimo disse...

Amooooo vcs!!
Este texto vem desdizer o que um ser senil me disse que homens não buscam entender relacionamentos...kkk
vcs são minha inspiração.
bjs
LHISS

Sil disse...

Adoro as historias relatadas aqui, sao gostosinhas de ler, me fazem relembrar sempre algum fato ja passado comigo.

www.dans-la-boite.blogspot.com
www.fruit-d-amour.blogspot.com

Unknown disse...

Delícia, meninas.
Voltarei.
Beijo.

Anônimo disse...

PUTA QUE PARIU!

Sensacional. Eu adoro essas narrativas que o cenário faz a diferença no resultado.

Eu acho que a culpa por existirem os homens-mulherzinha é das mulheres que precisam se fazer de boas-moças. A gente acaba achando que precisa ter pena dessas almas. Coisa de homem.

Um beijo do bic

Dedinhos Nervosos disse...

Acho que todas as mulheres deveriam ter direito a um Homem Objeto. E sem peso na consciência.

Kakaya disse...

Clap, clap, clap!Amei!

Anônimo disse...

o uso sexual indiscriminado de homens ou mulheres é perfeitamente legal e sadio - desde que ambos saibam bem do que se trata. se há sinceridade na situação, todo mundo sai feliz e ninguém se machuca.

Darshany L. disse...

acho que essa coisa de tentar entender é uma maldição, das piores

Anônimo disse...

teve inspiração em alguma história conhecida ? se SIM, quero muito saber qual! HA!

total identificada! adorei!

um beijo pra vcs meninas.

Anônimo disse...

muito legal

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!!!!
Absolutamente delicioso!!!!
Sem palavras... apenas gargalhadas!!!
Beijoooooo.

Anônimo disse...

Não quero entender e nem querer entender mais nada aliás preto no branco sem cinzas, peloamordedeus

Vanessa Ornella disse...

Chatíssima essa mania de querer estar in love pra trepar. Faz-me lembrar que preciso colocar uma lobotomia na minha lista de compras. Ou uma lobotomia, ou um removedor de teia de aranha. (suspiro)

Anômima disse...

Ahhh... esse homem existe? Esse papo aí parece mais coisa de carente querendo colo, sabe? O cara que quer alguém que goste dele, daí conta os dramas para uma coitada. Golpe típico.

Tathiana disse...

M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O.
Bjs.

Anônimo disse...

nossa!
parabens!
os posts são perfeitos.
esse então nem se fala. adorei.

Anônimo disse...

"Como admitir que havia trepado porque o corpo pedia? Não poderia. Fica feio pra uma menina."

Perfeito.

P.S.: Estou passando pela primeira vez e adorei. Ótimos textos, raciocínios fantásticos.