10.7.08

Nuances

Com ele aprendeu a ser desprezada. Tinha apenas 12 anos.

Era um pouco mais velho. Imaginava que por isso a ignorava. Moravam no mesmo prédio desde que nasceram, mas ele mal a olhava. As conversas não passavam de um mero oi. Quando pegavam elevador juntos, ele colava na porta e ficava ali, impaciente esperando o andar chegar. Descia no oitavo, sem olhar para trás. Ela fungava as axilas, para checar se havia algum cheirinho por ali. Nada. Espalmava as mãos na frente da boca e expirava, para testar o bafinho. Tudo em ordem.
Em casa era a caçula. Sempre mimada, paparicada. Mas o desprezo dele a fez amadurecer de uma forma involuntária. Chegou a chorar uma vez, quando deixou cadernos caírem no elevador e ele nem ao menos piscou. O que ela havia feito pra ser tão ignorada?

Aos 17 anos, aprendeu com ele a não levar desaforo pra casa.

Se tinha algo que ela não suportava mais desfeitas. Aquele homem, que aterrorizou parte de sua adolescência, agora teria que aprender na marra a ser educado. Quando esbarravam pelo corredor ou pela garagem, ela o olhava firme e dava bom dia. Ele soltava um bom dia atravessado pelo canto da boca, sem ao menos parar de caminhar. E a cada fuga dele, ela dizia uma gracinha. Vai tirar a mãe da forca? Tá parindo? Esqueceu alguma coisa no forno? E ele não dizia nada. ficava tímida quando os dois estavam sozinhos no elevador. Um dia, ela tentou travar uma conversa sobre o tempo e ele desceu dois andares antes. Ela não agüentou. Gritou enquanto gargalhava:

- Qual é o seu problema?!

Aos 22, ela mal o encontrava. Sua rotina era outra. Faculdade, espanhol, centro acadêmico. Suas preocupações também. Provas, festinhas, rapazes. Um dia, chegou em casa cansada e chamou o elevador. A porta se abre e lá está ele. O grosso do oitavo andar. Nem boa noite dava mais. Desistiu. Como de costume, ela entrava e se aconchegava em um canto, para que ele tivesse espaço para se aproximar da porta. E ele ficava, batendo os pés no chão, coçando a cabeça, o pescoço, olhando para baixo, para cima, para o visor que mostrava quanto tempo faltava para a tortura acabar.
No quinto andar, ela teve um estalo.
No sexto andar, arregalou os olhos assustada com o próprio pensamento.
No sétimo andar, não conseguia acreditar que, enfim, havia conseguido entender tudo.
E no oitavo andar, não teve dúvidas. Assim que a porta se abriu, ela o segurou pelo braço. Ele se virou assustado e não conseguiu evitar. estava aquele par de bochechas tão vermelhas, que pareciam dizer ‘pare’, como em um semáforo.

E foi , aos 22 anos, que ela aprendeu que o amor não era nada simples de se entender.

ilustração de claudio frança.
leia também "Outras nuances", texto de nosso amigo Bruno Reis que mostra um outro ponto de vista dessa mesma história.


24 comentários:

Leiliane Lopes disse...

poxa, como podem dizer que são redatoras de merda??
eu adorei!!!!

a menina agarrou o cara???

Ferrugem. disse...

antes tarde do que nunca. afinal, timidez nao é defeito, é charme. #)

Kakaya disse...

Achei que ele tivesse um caso com alguma mulher do sexto andar...rsrsr!Imaginaçãaao!

Dedinhos Nervosos disse...

Ter que traduzir um sentimento é sempre complicado. Bom mesmo é conseguir, mesmo que depois de anos.
Bj.

VanOr disse...

Lindo, cinema mudo, falado e escrito. Será que a arte imita a vida? Será que meus vizinhos gatos e antipáticos me amam?(obrigada pelo benefício da dúvida!)

Anônimo disse...

Não sei se eu acho fofo e meigo ou se eu bato nessa criatura.

Finais 'em aberto' sempre me deixam pensando em mais possibilidades do que eu deveria para minha própria sanidade mental, hehe.

Fernanda Magalhães disse...

Putz! Que louco! Me fez lembrar dos pensamentos obcenos que tenho sempre com o meu vizinho gato, quando estamos sós no elevador...

Viajei neste texto, perfeito!

Parabéns!

Bjos no coração :****

Lari Bohnenberger disse...

Aiiiii, que fofo esse texto!
Adorei, muito meigo!
Bjs!

fabioandreo disse...

foi digno o que ela fez.

Anônimo disse...

atitude é tudo.

beijo meninas.

Darshany L. disse...

gostei da atitude dela, mas acho que ela acabou levando um fora, afinal passaram-se 10 anos.

Anônimo disse...

Olá, meninas!

Cada vez melhores.

Adoro contos em que o ambiente influencia na trama :)

Texto fofo e bem escrito. Parabéns!

Beijos do Bic.

Anômima disse...

Nossa, acho que vou ler todos os textos do blog... Inteligente, bem escrito, curioso... o quê mais? Ah, vocês entederam, gostei muito!

Anônimo disse...

Adoro os textos de vocês! Parecem Kinder ovo, sempre tem surpresa rs. Com o tempo, (leio o blog há uns meses e já me acostumei com os textos) aprendi a saber qual é a supresa antes de chegar nela. No meio desse texto eu já sabia que o menino gostava da garota. Mas, meo, a forma como foi colocado? Que isso, sensacional.

Abraços.
Mariana

Anônimo disse...

quanto mais achamos que o problema é conosco, mais provável que o problema seja com o outro.

finais em aberto são motivadores ao mesmo tempo que maldosos.

é minha primeira visita, primeira de segundas, terceiras intenções.

beijos, R.

Tathiana disse...

Complicado demais pro meu gosto! rs.
O texto é ótimo!
Bjs.

Paulo Bono disse...

gosto de finais subtendidos, mas confesso que não entendi. apesar de ter gostado do caminho.

abraço às Duas

Anônimo disse...

apesar do texto bacana, eu tb fiquei na dúvida do final.
mas é fato que a parte "gritou enquanto gargalhava" me deixou meio apavorado. imaginei uma coisa meio Coringa, "hwahwahwa, qual o seu problema? hwahwahwa". O.o

beijo!

Anônimo disse...

o cara era apaixonado por ela, gente. passou anos tentando disfarçar o que sentia e acabou abrindo espaço para interpretações dela. mas com o tempo, e a experiência que ele traz, ela foi capaz de compreender o que realmente se passava ali.
beijos, meninas.

Anônimo disse...

Que texto fantástico.
Babei muito.
:*

Anônimo disse...

Olá meninas...

Sempre leio os textos de vocês, que aliás são muito bons! Mas vocês estão demorando postar novos textos e atulizar o blog...fico roendo de curiosidade. É só um comnetário de quem já esta viciada no blog. Por favor, não me deixem na abistinencia, pode ser muito prejudicial ao meu hábito de leitura.

bjs.

Vinicius disse...

Olá, é a primeira vez que estou visitando o blog, parabéns pelo texto, muito bom! boa sorte!

fernanda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernanda disse...

Aii, menina adorei!!!

Fui me empolgando com o blog todo...mas nesse post...aff...parecia que eu estava no elevador vendo tudo!

Perfeito!

Beijos