11.3.09

Saudade


Estava arrasado, completamente arrasado. O que seria de sua vida sem ela? Fazia menos de uma hora que a porta do seu apartamento havia sido violentamente batida. Mas parecia que já durava um mês. Ficou ali olhando para o teto, sem conseguir chorar, pensando em tanta coisa que não conseguia se concentrar em nada. Lembrava e relembrava fatos, frases, cenas, sempre tentando desesperadamente se apegar ao que agora não existia mais.

Sentiu o estômago se retorcer e achou que enfim choraria. Era só fome. Levantou da cama e, assim que encostou os pés no chão, viu o chinelo dela pousado inocente ao lado do seu. Temendo gritar, fechou bem os olhos para conter a dor dentro do corpo.
- Comprei um chinelo pra você. Reparei que anda descalça e fica com o pé todo sujo antes de ir embora - ele ainda se lembrava do dia em que falou isso pra ela, enquanto viam algum comercial em algum canal qualquer. Pra ela foi uma declaração. Sentiu que ele se preocupava, que reparava, que a relação havia atingido um novo patamar. Ah, mas foda-se. Já não importava.

Chutou o chinelo para baixo da cama e seguiu seu rumo. Parou antes no banheiro. A casa não tinha cheiro bom antes dela comprar aquele spray com perfume de qualquer coisa do mato, numa loja chique, e espalhar nas toalhas e lençóis. E ele fingia que nem via, pra manter a pose de desencanado. Levantou a tampa da privada para fazer xixi e se deu conta de que não precisava mais disso. Voltou atrás e mirou os pingos finais no assento. Entrou no box e sentiu um arrepio quando viu a calcinha pendurada na torneira. Sabia que estava a um palmo de sentir mais uma vez o cheiro dela. Achou melhor não. Pra quê? Mas pegou. E deu uma profunda fungada… como fedia. Não sabia se era a mistura com o sabonete ou se ela havia usado água sanitária, mas tinha alguma coisa errada ali. Se arrependeu de seu ato e jogou a calcinha no lixo.

Saiu do banho e jogou a toalha molhada em cima da cama. Domesticado que andava, tentou reverter o movimento, puxando a toalha de volta. Mas logo percebeu que não precisava mais se preocupar. E sorriu.

Andou peladão mesmo até a cozinha. Imagine se ela não daria um escândalo? Abriu a geladeira e foi tirando a alface, o tomate e as cenouras para fazer a salada que ela ensinou. Pegou a mostarda, a páprica, a sálvia, temperos preferidos dela que, em pouco tempo, se tornaram também dele... ou não. Na verdade, pensou, comia porque ela cozinhava mesmo e pronto. Guardou tudo de novo na geladeira e voltou às suas raízes. Pegou miojo, gorgonzola, fritou um baconzinho e partiu para o sofá, coisa que ela odiava, com seu prato fundo, que ela abominava, para comer tudo acompanhado de uma Colorado Indica bem gelada, que ela não tomava.

Ligou a TV, que estava programada para ligar no canal que ela gostava, trocou para um seriado policial que ele adorava e se perguntou por que não o assistia mais. Era ridículo saber que a Flora tinha terminado presa e não ter idéia de como andava House. Sorriu novamente quando percebeu que sentia muito mais saudade dele mesmo do que dela. “Acho que devia ter sido menos frouxo... quase me anulei deixando tantas coisas que gostava para trás." E isso foi tudo que conseguiu racionalizar e tirar de lição sobre o fim do namoro. Abriu a cerveja, devorou o miojo e dormiu antes mesmo de o seriado terminar. Sem escovar os dentes.

ilustração do galvão em www.vidabesta.com

36 comentários:

.ana disse...

que perfeito isso!
quantas vezes vemos pessoas próximas se anulando por causa de outra?
e quantas vezes nós mesmos já não fizemos isso?

péssima essa situação. não podemos esquecer de nós mesmos nunca - quem somos, o que gostamos de fazer...
pq perdemos a identidade e depois ficamos sem rumo. e às vezes "se achar" não é muito simples...
;)

:**

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

queria sofrer que nem homem.

adorei, docinho.

beijos e saudade

Anônimo disse...

É bom que cada um mantenha as raízes, os gostos, as preferências e lógico, a própria vida. Muitas pessoas mais do que mudarem os hábitos, mudam ou esquecem os velhos amigos. Isso é injusto. E quando o romance acaba, é pros braços do (a) amigo (a) que a grande maioria corre. Muitas vezes pode não ter volta.


Quando o relacionamento tem esse lance de apoio, de usar o outro como bengala, acaba como se tivesse perdido um objeto e não uma pessoa que se gostava.


É bucha.

Anônimo disse...

O pior é que ela sequer queria que ele perdesse sua individualidade. Deve ter acontecido naturalmente, e o namoro desandou. Aposto que ela não voltou mais...

Pois é... nós homens sofremos, sim, com um rompimento.

Robledo Castro disse...

E mais uma vez a cerveja ajuda numa fossa. Muito bom!!!

Awdrey disse...

Amei o texto...
Amo todos eles, na verdade

Meninas, criei uma comunidade no Orkut em homenagem à vocês...
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=84328525

Anônimo disse...

Ser você mesmo vale mais, sempre!

Emanuele Cordioli disse...

O melhor disso tudo nao é ler o texto, mas os comentarios...
O que parece importante pra uns, é insignificante para outros!
Pontos de vista,
luzes e sombras,
interpretaçoes, prioridades e experiencias....

Acho que sou uma apaixonada pelos seres humanos!!!!!!!

VIVA a diversidade!!!!!

Bjao e até um dia desses ai...

Garota de Coturnos disse...

Todo fim de namoro é uma barra. Bom texto. Escrevi sobre fim de namoro tb mas de um modo "psicopático".

Ângelo disse...

Excelente texto.

O anular de um em função do outro causa uma relação de interdependência que não é bacana e, realmente, acontece sem que notemos e as brigas começam muitas vezes por querermos a nós mesmos de volta e enxergarmos que isso só ocorrerá ao fim do relacionamento.

Muito bom o texto, extremamente descritivo e detalhista, fluente e gostoso de se ler.

Parabéns

Paulo Bono disse...

tem que fazer o que quiser. sobretudo assistir ao House.

abraço

Nuno-san disse...

Descobri o seu blog por "acaso"...
Muito bom. Parabens!
De facto, nunca ninguem se deve mudar por causa do outro... nunca resulta. Mais tarde ou mais cedo a coisa vai dar para o torto!
E' importante sermos quem somos ao pe' do outro... e o outro gostar de nos assim como somos.
/Nuno

Awdrey disse...

huahuahuahauh
Um amigo qdo terminou o namoro, sentiu essa sensacao de liberdade, só que ele foi mais fundo nessas ações... fez uma tattoo.. ¬¬'

Sam disse...

Existe um real complexo quando surge o fim de romance. Do que sentimos falta: da pessoa em questão ou do que ela nos levou? Será que sentimos falta mesmo é de nós, do que fomos antes de conhecer quem nos feriu?
Isso é coisa pra lá de Freud ou qualquer mero psicólogo pode dizer. É coisa para conversa de boteco, com amigos e retorno à vida boêmia!
Escrevi sobre um fim de romance também:
http://samisamirasamoca.blogspot.com/2009/02/fim-de-romance.html

Bjo, adoro vocês!

Delírios Literários disse...

Nada como sermos nós mesmos!

Anônimo disse...

Fantástico o texto!
Mas desconfio que em pouco tempo ele vai sentir uma pontada de dor e ligar pra ela. Homens são assim, uns fingidos.

Bel Lucyk disse...

ahahahah
Muito bom!
Acho interessante isso e no fundo todo mundo acaba fazendo - deixando um pouco de lado o que gosta em razão do outro. E quando termina, diz - ai, que bom! Agora posso fazer isso, comer aquilo... sem encheção de saco!

Karina Nou disse...

Obaa !!! VCS atualizaram!!!
Adorei o texto, p variar. Não nos deixe sentir mais saudades viu?
;-) bjo!

figbatera disse...

É, os textos aqui são sempre ótimos; qualquer uma dessas "Duas" sempre acerta no ponto e nos dá enorme prazer na leitura de seus contos/crônicas.

E a turma dos "comentários" tb é muito boa; opiniões interessantes e bem sacadas.

Roberto Ney disse...

ótimo...
fim de namoro e desilusões amorosas são temas que sempre rendem bons textos, hehe!
abraço

Unknown disse...

Belo texto. brilhante, inteligente.Escreve-se bem por aqui...é para seguir!

Anônimo disse...

Olá, boa tarde!
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Gostamos muito do seu blog e gostaríamos de convidá-lo a publicar seus textos em nosso Espaço Literário.
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Anônimo disse...

olá.

parabéns pelo post, sensacional.

sorte e luz.

Masao Yogi disse...

Terminei um casamento de três anos, onde tive uma filhinha linda! confesso que estou arrasado, mas esse texto conseguir extrair alegria do meu coração, lembrei de coisas que não faço a muito tempo, como por exemplo ir a um boteco, tomar uma gelada e jogar sinuca com um desconhecido, só não saio imediatemente para fazer isso pq preciso trabalhar, mas o fim de semana me espera... aí sim... espero reencontrar meu verdadeiro eu!!! Obrigado aí por esse texto que pra mim valeu como um tapa na cara!

Anônimo disse...

racionais. sempre racionais.
quero um curso intensivo com os homens!

bom o texto. beijo

@ThayG12 disse...

Bom q nem todo mundo eh assim..

Dedinhos Nervosos disse...

Como diria um amigo meu: amanhã já faz um dia.

Anônimo disse...

Excelentes textos do blog, parabéns!

Gustavo Martins disse...

Putz, a gente pensava que a mulherada reclamava de a gente não BAIXAR a tampa, e não de não ERGUER a tampa. Porque erguer éuma coisa meio que natural, não?

E ColoradoÍndica, muito chique esse toscão!

Requinte têm vcs ao escrever, tá?

Anônimo disse...

Gostei do texto!
Entendendo os homens... : )

Flavih A. disse...

Adorei o post.
Quantas vezes na vida a gnte não se anula desta mesma forma, em função do outro.

Beijos

Vic Lutterbach disse...

Vocês podiam fazer um texto sobre o lado B... Tudo o que ELA foi fazer (e que não fazia há séculos por causa dele) quando bateu a porta.

Paulo Tamburro disse...

PÔ QUE SACO! E EU COM ISSO?

Rodrigo Artur Nascimento disse...

rs!!!

Rob disse...

Adorei o texto! mas ele me deixou com um buraco, vazio e frio como o espaço! triste mas verdadeiro! muito bacana!

Dan disse...

Nada melhor do que uma Colorado Indica e bacon para as coisas melhorarem!

:)

mto bom meninas!