3.8.10

Reencontro



- Marisa?
- Marília.
Ele levou a palma da mão ao rosto envergonhado com o engano.
- Desculpa, desculpa. É que a gente não se falava muito na escola.
Ela sorriu e colocou a mão no ombro dele, tentando descontrair e aproveitando para tirar uma breve casquinha.
- Eu sei, não fica sem graça. Eu também não lembro o seu.
Na verdade ela lembrava bem, mas sabia que um homem daqueles não podia ganhar um elogio tão facilmente.
- Luiz. É que a gente sentava longe um do outro e...
- E eu era megabaranga.
Ele ficou sem saber se ria com a direta dela, o que significaria que concordava, ou se mentia gentilmente. Assim que o viu sem jeito, ela riu e disse:
- Eu sei que era esquisita. Não precisa ficar sem graça.
- Você era, como se diz?... exótica.
Ela não conteve o riso.
- Que bondade a sua.
- Mas você está bem diferente. Tá mais…
- Gostosa?, cortou ela sem a menor cerimônia.
Ele ficou novamente sem jeito, mas entrou no ritmo e continuou:
- Eu ia dizer bonita, mas quem sou eu pra negar o gostosa. Maaaas entããão, disse ele prolongando bastante as vogais, buscando ali tempo para refletir sobre o mole que havia acabado de dar e pensar em como continuar demonstrando interesse sem parecer exagerado - Veio ver um filme?
- Hum, na verdade vim tomar um café.
Ele pensou em perguntar se ela estava acompanhada. Ela ficou aguardando a pergunta, tentando não ser tão abusada. O segundo de silêncio desconsertaou os dois. Era fato que estava rolando um clima. Na tentativa de recuperar a conversa sem constrangimentos, os dois começaram uma frase ao mesmo tempo.
- O que você, disse ele.
- Sabe quem, disse ela.
Ele se desculpou por interrompê-la. Ela falou "que isso, não foi nada", mas ficou pensando em que pergunta ele iria fazer.
- Continua, Marília.
- Eu ia dizer que você não acredita em quem vi aqui.
- Algum ex-professor?
- Não. Muito mais surpreendente. Uma dica: a gostosa da escola.
- Lurdinha coxão?
- Ela mesma. Olha ali, sentada no café.
- Não tô vendo…
- Ali, na mesa do meio.
- Do lado daquela senhora?
- Senhora?
- A de azul.
- Essa de azul é a Lurdinha.
Ele se espantou, mas foi delicado ao tentar disfarçar tudo que passava em sua cabeça. Percebendo a situação, ela emendou:
- Eu sei. Ela mudou, né? Ela era a gostosa, a popular. Com aquelas coxas não precisava ser simpática mesmo.
- E nem inteligente. Todo menino colocava o nome dela nos trabalhos. Já você era mais quieta. Usava aqueles óculos modernos.
- Que fofo você tentar amenizar. Eram bizarros mesmo, pode falar.
- Pode?
- Pode, ela sorriu.
- Eram, eram bizarros, ele confirmou arancando um brilhinho dos olhos dela. Mas me diz, vocês têm algum contato?
- Você quer saber se eu sei o que aconteceu com ela, né?
O sorriso dele entregou a surpresa boa que aquela situação toda representava pra ele.
- É, fiquei curioso.
- Bem, eu tenho uma teoria, uma teoria de verdade. Tem até nome. É EBA. Excesso de Beleza na Adolescência.
- Ah, é? disse ele dando um passinho discreto pra frente e se aproximando dela. Me conta essa teoria.
Ela notou a aproximação e fez um esforço descomunal para se manter focada no que ia dizer.
- É assim. Uma adolescente muito bonita não tem que se esforçar pra ganhar a atenção dos outros. Elas podem falar menas, gostar de funk, vomitar rodando a cabeça que nada, nada vai impedir que os garotos se matem por um beijo delas.
- Isso é verdade. Enquanto aquelas que não arrancam um suspiro de ninguém têm que correr atrás e comer pelas beiradas. Têm que ser divertida, inteligente, ter sacadas.
- Exatamente. Você entendeu.
- Uau. Então ela barangou porque quis se livrar da praga da beleza? Quis descobrir o que havia por trás daquelas pernas torneadas e daquela bunda esculpida?
- Boa tentativa. Mas não foi isso não. No caso da Lurdinha foi porque ela engravidou de um idiota, casou com ele, tomou uns, sei lá, 57 chifres, se separou e comeu 20kg de tristeza no sabor doce de leite com chocolate.
- E você, além de ficar bonita, se especializou em piadinhas?
- Eu era a feia que tinha que se esforçar. Desenvolvi outros dotes.
- Você não quer levar seus dotes pro cinema?
- Tá me convidando?
- Você conseguiu me deixar sem graça umas 15 vezes nessa conversa.
A sinceridade dele a surpreendeu dessa vez.
- Ai, desculpa. Sou uma falastrona mesmo.
- Ah, tadinha. Não era pra ficar sem graça. Esse papel é meu. E sim, tô te convidando.
Era inacreditável. Dez anos depois de ser a feia simpática do colégio, ela estava levando um papo de igual pra igual com sua paixonite adolescente. E enquanto isso, a gostosa da 5ª série mostrava toda sua falta de beleza e charme no café do cinema. Mas depois de tantos anos, ela tinha que mostrar que sim, estava bonita, interessante e claro, interessada. Mas nem tanto. Afinal, Luiz era uma raridade: um sobrevivente, sem sequelas, do EBA. Continuava lindo como no colégio, mas estava ainda mais fofo. Ela precisava ser sagaz. Ser diferente do que ele estava acostumado. E assim, agiu como uma ex-feia. Usou todas as suas habilidades para testar o nível do interesse do rapaz.
- Luiz, eu realmente queria ir, mas é que hoje não posso.
- Ah, que pena...
- É... já tinha uma coisa marcada.
- E outro dia? Pode?
Marília precisou olhar para baixo nesse instante. O medo de demonstrar no olhar toda a explosão de felicidade e hormônios era grande. Não podia colocar tudo a perder ali.
- Boa ideia. Me dá seu telefone?
- Me dá você. Vai que você não liga?
- Toma meu cartão, mais fácil.
- Hum, cheia de moral... Bem, já vou, tem até fila pra minha sessão.
Se despediram com um abraço perfeitamente simétrico e se viraram. Ele foi para o cinema pensando nela. E ela foi com as pernas bambas até o banquinho mais próximo.

ilustra de galvão em vidabesta.com

28 comentários:

Pimenta disse...

Maravilhoso.As always.
bjo

Lari Dardengo disse...

Conheço várias meninas e meninos vítimas do EBA, aliás compartilho com essa teoria.

Mais um texto ótimo. Parabéns!
bjo

Flavs disse...

Muito bom! :)

bruno reis disse...

adivinha quem também é uma vítima do EBA? eba! =)

Anônimo disse...

Nossa, saudade de seus textos, muito bom como sempre!

Parabéns

Lucas disse...

hahahá! "Lurdinha coxão", quem diria... logo ela, a bela-viola-por-fora, agora é pão-bolorento-por-fora? triste fim.

(—:

Anônimo disse...

que texto bom!

Muito bem-escrito. Muito sobre clichês

Magnífico

Parabéns

Sam disse...

Ah, todo mundo que foi "exótico" na adolescência sonha em encontrar a paixonite infantil e mostrar como melhorou. Felizmente, não ando mais pelo caminho daqueles com quem estudei. Isso alimentaria fácilmente meu ego.

Marcia disse...

Primeira vez que comento!
Olha, texto impecavel como sempre.
E uma felicidade enorme de constatar que o site não acabou com "o ultimo".
Continuem sempre, se possivel com mais frequência. Tem muita coisa na internet mas poucas tem a qualidade do site de vcs.
Abraço!

Menina disse...

lindooo lindooo lindo texto! *-*

Anônimo disse...

Bueno! Li e nem percebi!

Sucesso.

Fabíola Mozine disse...

que blog lindinho! Apaixonei pelas ilustrações e pelos textos.
Parabéns!

Jana disse...

Sou fã de carteirinha. E já votei para virar livro. Saudades sempre. Beijos.

Roberta Melo disse...

Cada um colhe o que planta, tece sua estrada e dá nisso, no improvável... Ou provável até demais para se acreditar quem será a próxima vítima do EBA! xD hsuiahsuasa Muito legal o texto, Parabéns ;***

Unknown disse...

Gostoso de ler, parabéns!

Marina Guerra disse...

Muito bom. Essa eu queria ver acontecer com um monte de gente.

Mauro Castro disse...

Bah, esse é o tipo de blog que eu curto. Textos trilegais.
Há braços!!

Anônimo disse...

livro, livri, livro!
beijo queridas!
amei, como sempre...
dani b.

Anônimo disse...

É a primeira vez que visito o blog e parece que vou ficar um bom tempo lendo seus textos. Adorei!
Eu observo bastante que as meninas "exóticas" da minha sala se tornaram mulheres mais preocupadas com a aparência. Acho que é meio que um receio de reviver certas épocas do colegial.
Beijinhos!

Fabi M. disse...

Ah que bom seria se todos os reencontros fossem assim! Adorei!

R. Paschoal disse...

Um conto pra lá de fantástico!
Adorei!

isa disse...

CAramba! vcs comem inspiração ao pequeno-almoço, degustam letrinhas exóticas ao almoço para podem escrever assim tão "fantabulasticamente" ?
Vou porque vou por aqui ficar

Anônimo disse...

Adorei o texto, hilário, engraçado e real, parabéns.

whenyoure17 disse...

Amei o texto, de verdade!!! Sabe, eu sempre uso a teoria do EBA pra abrir os olhos das minhas amigas que morrem de inveja das gostosonas...
É assim mesmo que funciona..kkk Eu mesma já fui a garota esquisita da sala que era uma ótima amiga mas ninguém queria namorar...
E bem, metade das minhas amigas gostosas se casaram com idiotas ou ficaram grávidas...

Anônimo disse...

Muito bom seu texto, ameiiii!!!

= D

Anônimo disse...

Muito legal!
Amei.

Radael disse...

Tem tempo que não passo aqui (muito tempo mesmo) mas parece que os textos ficam cada vez melhores. Fantástico. Parabéns e um beijo.

Unknown disse...

Excelente! Adorei, mesmo!