17.9.07

A janela


Morou por muito tempo em casa, dessas com quintal, árvores, grandes janelas, poucos vizinhos. Acostumou a andar nua, ir de um cômodo ao outro sem se preocupar se havia olhos a segui-la. Por mais que sua mãe dissesse, Vista-se menina, seu irmão já é homem!, achava um absurdo que o irmão sentisse algo além de um amor que já conhecia desde a infância. E se ele sentir tesão por ela, que dane-se, pensava.

É claro que gostava da idéia de ser desejada, mas não chegava a ser exibicionista. Usava roupas básicas, seus atributos físicos eram comuns: peitos de tamanho médio, cintura proporcional ao quadril, que se movia discretamente quando caminhava. Não era totalmente inocente, mas não chegava a ser má. Quando visitava a amiga casada, esquecia de levar a roupa para o banheiro, saía de toalha e até chegar ao quarto sentia os olhares do marido que se perdiam no corpo dela. Por esquecimento também, mantinha a porta do seu quarto pouco fechada e dormia com camisolas transparentes. Percebia os passos de madrugada no corredor, do quarto ao lado para a copa onde ficava o filtro de água.

Quando foi morar sozinha, escolheu o sétimo andar. Nem muito alto, nem muito baixo. As janelas eram cobertas por finas cortinas brancas, voil era o tecido. Chegava do trabalho todos os dias no mesmo horário, por volta das sete da noite. Tirava os sapatos antes de entrar em casa, não gostava da idéia de levar sujeira para dentro do seu mundo tão bem cuidado. Pendurava a bolsa no cabideiro, logo na entrada. Ia direto para o quarto, acendia a luz. Despia-se. No edifício em frente, a luz do oitavo andar se apagava.

O prédio em que ela morava era modesto, apartamentos de apenas um quarto, pessoas solitárias habitavam os 11 andares. Ninguém se conhecia, não eram de fazer reuniões de condomínio. Vizinhos e estranhos. O morador do 601 notou que a luz do oitavo andar se apagava sempre no mesmo horário. Comprou um binóculo e passou a manter as cortinas cerradas. A essa hora, o morador do 601 recebia suas encomendas – o mensageiro nunca era o mesmo, tocava o interfone, subia, ficava 15 minutos e saía discretamente. O cuidado era necessário. Mas há um mês que essa rotina era seguida pela luz que se apagava no oitavo andar do outro lado da rua.

Ela chegou do trabalho no horário de sempre, mas foi impedida de entrar. A polícia havia cercado o local. Resolveu atravessar a rua e sentar na lanchonete em frente. Ouviu o balconista comentar com a mulher do caixa: - Mataram o Lucas, coitado. Quem é Lucas, perguntou ela, com leve curiosidade. – O morador aqui do oitavo andar, menino quieto, não fazia mal a ninguém. E tão dizendo que foi o morador do 601 daquele prédio ali, mexe com drogas, o safado. Pobre Lucas, morreu por engano. Ela terminou de tomar o suco, observou o morador do 601 ser levado pelo camburão. Subiu mais tranqüila por saber que o perigo não morava mais ao lado.

12 comentários:

Anônimo disse...

Que história intelegente.
Coincidências...
Um beijo!

Anônimo disse...

Hum... o tipo de história que deixa a gente com a pulga atrás da orelha! Medo!!
Beijo meninas!

Giovana disse...

Essa garota é má!!
Agora, me explica: o vilão pra ela era o menino que morreu por engano ou o morador do 601? Sabe como é, loiras demoram pra entender... hihihihi
Bjo meninas!!

Anônimo disse...

a safadinha matou o lucas e nem sentiu remorso!!! que absurdo.

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

hehehe que zona. eu entendi que o assassino foi o drogadinho do 601, que achava que o tarado do prédio da frente era um policial mexeriqueiro.

Anônimo disse...

Ah, eu entendi que todo mundo tem seu segredo. O do oitavo andar era um punheteiro, o do 601 era um drogado e por isso pensavam que ele era o assassino, e a menina era pervertida, gostava de andar pelada por aí e fingir que fazia tudo na inocência. parece uma histório do tipo: cidade grande, todo mundo é sozinho e estranho e ninguém se conhece, e fica julgando a estranheza alheia.

Cinthya Rachel disse...

menina má!

Anônimo disse...

Gostei do texto. trama inteligente, picante..
Vou add..
Bjus,

Roneyb disse...

Muito legal! A síntese do distanciamento moderno ao mesmo tempo indiferente e próximo

Anônimo disse...

Que bacana. Adorei a condução da história para um pensamento e o final realista, mas nem por isso menos surpreendente.

Muito bom.

Como sempre morei em casa, até hoje acho estranho isso de viver empilhado em prédios. A sensação de estranhamento no prédio que trabalho também é grande.

Às vezes imagino quantas vezes não deve acontecer de uma pessoa sentir-se só e querer alguém e outra pessoa que quer o mesmo está ali, a menos de 10 metros, subindo ou descendo.

"Os muros e as grades nos protegem de quase tudo..."

Beijos.

Anônimo disse...

Sério, de onde vcs tiram essas histórias?

Digam para mim docinhos!

Bjos.

Anônimo disse...

puff! morreu, enterra
boooring