20.9.07

Tabela

O gosto era o mesmo de quando a professora lhe sabatinava a tabela periódica. Nunca sabia a resposta. Por mais que estudasse, aquilo fugia de qualquer lógica. Vinte anos depois o gosto voltava à boca. Boca não. Amargava no coração mesmo. Ou no esôfago, estômago, no tórax inteiro. Indefinido.

Ele a tocava como nem um outro. Nem só pelas habilidades motoras, que provavelmente fariam dele um pianista talentosíssimo. A capacidade de adivinhar o que ela queria impressionava. Antecipava seus desejos com tanta agilidade que ela temia ter pensado alto. Ah, se fosse fácil assim a tabela periódica.

Dançar era uma de suas maiores diversões. Dançar sozinha. A dois era sempre um esforço. Por mais que relaxasse, se flagrava buscando guiar seu par. Mas ele, vai entender, ele a fazia flutuar. Não por saber guiá-la tão bem, mas porque seguiam os mesmos passos sem ensaio algum. A abertura certa da boca no momento do beijo. A profundidade perfeita da língua. Os movimentos circulares exatos. A troca de posição de cabeças olimpicamente cronometrada. A intensidade da mordida, a força das chupadas. Braços nunca esbarravam, pernas não se chocavam. Os dedos sabiam onde estar e a que velocidade agir. Os corpos não tinham peso nem travas. Uma dança que fluía como patins no gelo. Deslizavam um pelo outro, davam piruetas, mortais e voltavam ilesos.

A dança terminava assim que ela fechava a porta da casa dele. Como num cofre, o quarto guardava todos os tesouros e segredos. Bastava sair dali que o código se perdia. Por mais que os beijos, as lambidas, os puxões e as dores fossem tão simétricas, aquilo era tudo que tinham um do outro. Queria acreditar que aquela perfeição era mais comum do que imaginava. Em qualquer esquina se encontra. Mas sem querer, já se via quebrando a cabeça para planejar um próximo encontro. Não era pra ser assim. Era pra acontecer naturalmente. Mas não. Exigia esforço, esboços, esquemas. Que nem decorar aquela tabela non sense.

Queria saber a resposta. Sódio, cálcio, ouro. Que diabos era aquilo? Por fim, decidiu criar sua verdade e acreditar no que convinha. Enfiou na cabeça, como quem enfia um elefante num envelope, que ele era um homem daqueles que as revistas femininas alertam sobre. O homem clássico, instintivo, que consegue separar sexo de sentimento. Sim, era isso. E se não fosse, não importava. Ia acreditar naquilo. Criar sua própria tabela, definir os elementos, escolher as siglas de uma forma que tudo fizesse sentido. Quem sabe assim aprenderia?

Deixaria tudo que ele dissesse de bom varar seus ouvidos, já que não sabia brincar de licença poética. Estava decepcionada por não ser a mulher moderna que acreditava ser. Irritava não saber responder a si mesma. Era pra ser simples, exato, um fato isolado, como eclipse que acontece às vezes ou um meteoro que leva anos pra passar. Mas queria mais, mesmo sabendo que isso não aconteceria. Complicado como a tabela.

Esperava o telefone tocar. Uma pizza, quem sabe. Um cinema, coisa boba. Não. É. É homem. Aquele das revistas. Gostava dela ali, naquelas poucas horas, entre aquelas quatro paredes, quando ela tocava aquela campainha com uma desculpa lindamente esfarrapada. Em seus braços relaxava. Fora deles, buscava a fórmula para explicar que peça da engrenagem impedia os dois de darem mais um passo. Gosto de tabela periódica. Maldita química.
ilustração de claudio frança.

17 comentários:

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

eles jogam xadrex com a gente, isso sim.

terríveis, todos eles :P

só servem de inspiração para textos como esse. não merecem tanto, aliás.

bom, bom, bom!

Anônimo disse...

E parece que quando estamos juntos tudo é lindo maravilhoso. Não há mais tabela periódica ou provas ou exigências.

Até a próxima vez em que ele interromper nossa agonia esperando a ligação.

Anônimo disse...

Mulheres, vcs complicam tudo!

Mas sério, eu queria ter essa inspiração que vcs tem para criar as situações e escrevê-las.

Meu deuso, vcs mandam bem d+.

E maldita seja a química, afinal, nós homens, tbm sofremos por vcs.

Giovana disse...

Ô meu Deus...
E ainda leio isso nessa semana tão complicada... em que me vejo ás voltas com essa tal de química inexplicável com quem não presta.
Ou com quem não deveria nem ver.
Ó céus!!
Bjo meninas!!

Anônimo disse...

vocês só conseguem fazer textos em terceira pessoa? ela, ele...

humm...não caiam na fórmula, meninas

bj

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

Oi, querida.
O blog tem uns 90 textos, alguns em primeira, outros em terceira pessoa. Dos sete textos dessa página, três são em primeira pessoa.
A gente não pensa em fórmulas. Faz o que gosta e quer sem regras. Dê uma olhada no resto.
beijo.

Tathiana disse...

Ah, eu sou química, poxa. rs. E sinceramente, a tabela periódica é muito menos complicada e mt mais simples de entender do que a cabeça de alguns homens... Beijos.

Anônimo disse...

Primeira, segunda, terceira... who cares? Texto bom é texto bom! Beijo meninas

Anônimo disse...

nossa...quanta química...
sempre no noso interesse essa danada até que pode servir de algo divertido
^^

e que venha a química...texte de corpos por favor...chega de teorias!!

xD

Reverendo FerAuZ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Reverendo FerAuZ disse...

Essa quimica pra mim e bem simples, e olha que eu nem me lembro direito da tabela periodica.
Pela minha experiencia com mulheres instintivas, tão humanas como seu homem instintivo ai, vi q se tem um podrão humano nisso ai. Um humano sai pra se divertir, encontra outro humano de sexo oposto com a mesma proposta. O que acontece é que eles se encontram, se conhecem e acabam indo se divertirem juntos. Tudo é lindo e maravilhoso naquele momento. O problema é que sempre um curte o momento divertido mais que o outro. Ai temos nosso fator cultural, o homem é forte, bruvo e imbativel. Qualquer sinal de fraquesa pode acabar com a vida dele e sua imagem, assim o homem pode amar a mulher mas se ela o esnoba ele finge que nunca nem a viu, que nada aconteceu. Ja a mulher pode ter sentimentos, pode se expressar livremente. Logo parece que somente as mulheres busca a formula para explicar que peças estão faltando para a coisa se tornar algo mais.
Os homens tb passam por essas situações.

Anônimo disse...

eu hein.

Anônimo disse...

sempre odiei a tabela periódia. sempre odiei química. digo, essa química que se estuda. a outra, que se sente e que não se consegue evitar, essa eu não odiaria nem se quisesse. =)
belo texto, moça.
beijo!

Ludmila Prado disse...

amei o texto...
ti linkei tudo bem?

o amor, a vontade de estar juntos, e necessidade de se tocar, é inesplicavel, como uma tabela periódica, as vezes esse inesplicavél é bom, simplismente é e é, é o que se senti, e não o que se ve. é como o vento, pode-se sentir, + não pode-se tocar.

amei o blog
bjos

Anônimo disse...

Sabe... ando muito confusa...
Já tive um cara assim... Quase me matou de tanto sofrimento...rsrs
Mas, foi legal para aprendizado.
O quê tá queimando meus neurônios é que hoje tenho um homem do jeito que sempre sonhei, mas, mesmo assim falta algo... Falta o fogo e a tempestade de outras épocas...
Quase me sinto pecadora...
Haja terapia para equilibrar os pensamentos.
Ótimo texto como sempre!

Anônimo disse...

Nota: O corpo humano é quase todo composto por carbono, que é geralmente combinado com hidrogênio e oxigênio.

E que é praticamente a estrutura dos Lipidios C H e O "grupo de substancias insoluveis em agua"

Logo entao, os esteróides são lipídios de cadeia complexa. Como exemplo pode-se citar os hormônios: estrógenos e testosterona

Got it?

Anônimo disse...

gente! como pode?! rs