Perguntava-me a mesma coisa todas as manhãs. Mas, na verdade, tinha mais interesse em que eu devolvesse a pergunta – pelo menos era o que eu pensava. Geralmente era assim que se dava nossa comunicação, com voltas, com indiretas, com desvios totalmente desnecessários. E as voltas eram tantas que quando começávamos a nos entender o cansaço ocupava mais espaço que a vontade que querer ficar bem de novo. Seria muito mais fácil me dizer: - preciso contar meu sonho para você. A chave, para mim, está na palavra ‘preciso’. Só que não conseguia perceber tais sutilezas e ele não percebia que tudo podia ser bem mais fácil e objetivo.
- Não lembro do meu sonho...
Eu respondia e ia fazer outras coisas. Escovava os dentes, arrumava o quarto, esquecia de devolver a pergunta. A essa hora, me preocupava apenas com coisas práticas, com o dinheiro trocado para o pão e o jornal, com a empregada que ainda não havia chegado. Quando me lembrava dele, encontrava-o deitado ainda na cama, tomando coragem para levantar. Era assim que nos separávamos um pouco todos os dias.
- Que foi?
O tom da voz. O jeito de perguntar. As duas coisas e mais um monte. Viver junto é isso, ter interpretações erradas acerca das coisas mais banais. Era ótima aluna em Português, mas geralmente me dava mal com interpretação de texto. Entendia tudo do meu jeito. E hoje em dia não é muito diferente. Continuo em recuperação.
- Que foi o quê?
- Por que tá com essa cara?
- Nada, vou tomar banho.
O que poderia ter ficado ali dentro do quarto ia com a gente para a mesa do café da manhã, nos acompanhava até o trabalho e resolvia voltar à cena em forma de bueiro entupido. Aliás, sonhei com isso dia desses.
- Sonhei que a cidade toda tava com todos os bueiros entupidos. Uma sensação muito estranha, senti medo, não conseguia fugir daquela água fétida e cinza.
- Ah, é?...Vai ao supermercado hoje? Se for, me traz um prestobarba?
20 comentários:
Perfeito o texto!
"Eu respondia e ia fazer outras coisas. Escovava os dentes, arrumava o quarto, esquecia de devolver a pergunta. A essa hora, me preocupava apenas com coisas práticas, com o dinheiro trocado para o pão e o jornal, com a empregada que ainda não havia chegado. Quando me lembrava dele, encontrava-o deitado ainda na cama, tomando coragem para levantar. Era assim que nos separávamos um pouco todos os dias."
Ameiiii!!! =D
Acho lindo contos cujo formato acaba sendo mais importante que o conteúdo.
Não que o conteúdo não seja bom, mas a organização da narrativa é muito legal.
Uma obra de arte. Parabéns.
Beijo do Bic.
Por que as pessoas não são diretas? Por que precisam ser aduladas? Triste.
Adorei! É impressionante como o que calamos às vezes é mais danoso que o que falamos...
Bezzos, parabéns pelo texto, tá poético, verdadeiro e belíssimo!
acho que alguém tá me debendo um prosseco.
hihihi
Eu fico com a pureza das minhas próprias respostas. ou não.
perfeito!!!
parabéns por escrever assim, por descrever a precisa sutileza que têm as coisas em outra dimensão.
Muitos relacionamentos estão morrendo aos poucos pelo silêncio...Estou aprendendo pra não fazer o mesmo.
Parabéns.Ótimo texto.
Fico revoltada qdo eles não nos dão atenção. Pra quê então que perguntou da porcaria do sonho?! rs
=P
Eles são chatos, às vezes.
tenho medo disso, dã!
parabéns meninas! (e com exclamação)
Não sei o que dizer! (Então não diga nada, óbvio. Mas onde é que fica esta minha necessidade de falar?) Gostei do sonho... lala
e do texto.
adoro o texto de vocês, sério mesmo, vocês têm um jogo de palavras sensacional :)
Foda!
Beijos.
concordo com o comentário sobre a estrutura narrativa. achei bem legal também.
sem contar a bela escrita. mas essa é de praxe por aqui hehe.
lindas.
beijos.
Qdo eu nao lembro bem dos meus sonhos, eu invento um sonho, que por só é uma invencão!
:P
Este blog tem realmente o nome errado. Deveria ser Redatoras do Caralho, como já sugerido ou Redatoras boas pra caralho.
Demais ler vocês.
amo esse blog.
puxa.. texto dos meus favoritos.
daquele que dá uma vontade louca de ter escrito.
delícia encontrar esse blogue!
beijos.
muito legal
é...descreve exatamente o que acontece com os casais... não sei se a maioria deles, mas certamente MUITOS deles... é muito dolorido ler e se identificar com textos como esse, mas tbm é precioso para tentar, quem sabe, corrigir a tempo..
Me fizeram chorar...
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