7.12.05

Plano de separação



Finalmente se separaram. Ela pagou a última prestação do carro que ele comprou. Ou compraram juntos? Difícil saber, uma vez que tudo estava tão misturado: dinheiro, sentimentos, vida profissional, livros. Discos nem tanto – ela não era de ouvir muita coisa.

O plano de separação começou há um ano, ela não queria tirá-lo da sua vida assim, feito um cão que a gente escorraça sem nem pensar no que ele vai sentir. Tinha muita consideração por ele e o amava até pouco tempo. Amou sair com ele, viajar, jantar fora, se arrumar pra ele. E o sexo? Era perfeito. Mas nem sempre foi assim, eles tiveram que aprender, tiveram momentos difíceis entre eles a decisão sobre um aborto que de fato se consumou. Mas eles superaram, ela nem tanto.

Por isso tudo, ela levou um ano para amadurecer a idéia de separação. Depois de mais 12 num relacionamento que alguns amigos invejavam, outros admiravam, alguns não entendiam como dava tão certo. Estava decidida, queria ser livre, mesmo que por pouco tempo. Queria deitar em camas novas, beijar bocas diferentes ou até mesmo não beijar. Queria paquerar o bonitão no carro ao lado sem culpa. Tinha se decidido, com todos os argumentos na mão: mentira, saco cheio, falta de paciência, desgaste, brigas constantes, impaciência, falta de romance. Como se vê, um pacote e tanto para pôr fim em qualquer casamento.

Dizem que quem está casado tem sexo garantido. Quem é homem, além do sexo, perde o conforto de ter as cuecas limpas e dobradas na gaveta, as camisas com todos os botões bem pregados, as toalhas de banho com perfume de lavanda. Mas que tipo de homem se importa com esses mimos? Pelo tanto de besteira que fazem, poucos.

Decisão tomada, só faltava colocar o plano em prática. Ele teria que desocupar a parte do armário, lembrar onde estão os documentos, juntar todos os cds e revistas, e mais uma porção de tranqueiras. Ela chegou a esboçar um leve sorriso quando lembrou que não iria mais dividir nada: a cama, o quarto, o banheiro, tudo só pra ela. Só achava ruim ficar sem sexo, pelo menos no próximo fim de semana, que era quando tinham tempo para se dedicar às rotinas matrimoniais. Mas não queria pensar nisso agora, queria aproveitar ao máximo a efêmera sensação de liberdade que antecede a solidão – que ela sabia já estar ali, pronta para tomar o lugar do seu ex-marido.

2 comentários:

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

engraçado o poder de um elogio, faz tão bem e a gente aprendeu que só pode responder obrigado. é pouco, obrigado é muito pouco.

Anônimo disse...

a um bom tempo, ter o que perder é cultuado. um bom texto e muito bem colocado. parabéns.