8.12.06

Saudade ultrapassada



Engraçado esses dias em que acordo saudade. Penso em todos que conheci, em todos que contei segredos, em todos que beijei, em todos que chorei, em todos que vivi, em todos que deixaram pedacinhos em mim e que eu, também assim, deixei pedaços. Mas talvez tão pequenos que ficaram invisíveis e esquecíveis. Quero contar pra você, que conheci na 4ª série, que hoje vivo de redação. Ah, sim, na escola eu já gostava e lembro de ganhar um chocolate por ter feito uma redação muito bonita. Também tive meu nome escrito no caderninho de ouro. Quero contar pra você que foi meu primeiro namorado que tenho vontade de rir quando lembro que você me beijou depois da festa junina da escola, eu de vestido de chita vermelho e fita no cabelo, bochechas rosas de tanta vergonha de nunca ter beijado. Quero contar pra você que não moro mais em Brasília, que moro em Vitória e que pode um dia me visitar, mesmo com mulher, filhos, família. Quero contar pra você que era a amiga da minha rua, que em Brasília se chama quadra, que enquanto você colecionava papel de carta, eu colecionava etiquetas de lojas porque gostava das formas e cores. Formas e cores que hoje se chamam logomarca e que acho que sim, eu já tinha um pezinho aqui nesta profissão que escolhi.

Nestes dias em que acordo assim, com o passado colado no meu rosto, marcando tanto quanto o travesseiro aquilo que passou e de que sinto muita saudade, me sinto só, órfã, pouca, pequena. Mesmo que essa saudade que é muita caiba em apenas algumas horas, até o dia tomar forma, o telefone tocar, os problemas aparecerem e as lembranças voltarem pra lá de onde vieram. E essa saudade, dizem, é verdade sim, é coisa de idade isso. Mas se é de idade, meus amigos lá da minha rua, que brincavam de queimada e carniça, que corriam depois de tocar a campainha de todas as casas, que roubavam pequenas balinhas na loja de doces do outro lado da rua, que assustavam todo mundo quando era dia das bruxas, que pegavam amora, abacate e manga nas árvores, esses mesmos que também têm hoje a minha idade, será que pensam em mim? Será que lembram que lá na garagem da minha casa a gente fazia festa americana e dançava música lenta?

Queria ligar para cada um de vocês e dizer que tenho coisas novas pra contar, que entre uma lembrança e outra, a gente toma uma cerveja e ri vai ser legal ficar quase bêbado com alguém que conheço há muito tempo e que ocupou uma parte tão importante da minha vida. Minha preciosa infância, que passei correndo na rua, brincando aos domingos até começar o Fantástico e aí entrar em casa, tomar banho, jantar e dormir. E acordar agora pra lembrar que nunca, eu acho, terei coragem de dizer todas essas coisas pra você, que era meu vizinho, que era da minha turma na escola, que era minha melhor amiga. Porque me sinto muito envergonhada de dizer tudo isso e de sentir também. Porque se é coisa de idade, não quero parecer ultrapassada. Moderno é não sentir saudade de vocês? Se assim for, não quero ser moderna não.

Ilustração: Claudio França

4 comentários:

Anônimo disse...

tinha um tempinho que nao passava por aqui... adoro sempre!!! delicia de ler!!!
to com saudade de vcs!!!
bjinhos
aninha

Anônimo disse...

Eu acho que todos compartilham do mesmo sentimento. Aliás, não acho, tenho certeza.

Muito bacana.
Bjs nas "duas".

Anônimo disse...

engraçado, dia desses acordei assim. com vontade de ir pra onde passei a infância relembrar as coisas q aconteceram. mas passou. e eu fiquei feliz de ter passado, não sei pq mas a idéia me incomodava. pensei nisso de novo qd estava lendo. será q to com medo de envelhecer? O.o

beijos

Anônimo disse...

Prima, se essa saudade é coisa antiquada, sou um brechó!
Morro de saudades das brincadeiras no quintal, debaixo do paraquedas do Tio Beto, das voltas de bicicleta, das tardes livres pelas ruas!

E da boate?! Gente, foi a minha primeira vez!

E a minha primeira vez??? Eu te liguei (Rio / Vila Velha) pra contar, altas horas, todos os detalhes...

Amigamada, sinto sua falta.