3.5.07

As chaves



Quais as chances de isso acontecer?
Foi esse pensamento, seguido de um sorriso irônico, que me veio assim que o chaveiro rolou até o bueiro. Aquilo parecia tão milimetricamente planejado que não fui capaz de acreditar em azar. A probabilidade das chaves se prenderem à grade, impedindo a queda do chaveiro era maior que a probabilidade deles caírem. Duas chaves, o alarme do carro e mais um chaveiro consideravelmente grande seriam o suficiente para evitar aquela situação. Mas em vez disso, tudo que era sólido pareceu se tornar líquido e deslizou bueiro abaixo como em um balé.
Tanta foi a surpresa, e tão inesperada minha reação otimista, que o desespero da situação me tomou somente naqueles segundos entre a queda e a busca pelo objeto perdido. Mas assim que o localizei buraco adentro e percebi que não havia nada viscoso e grudento ali, me tranqüilizei. Fiquei pensando que algum propósito existia nisso tudo e esperei os fatos que a queda da chave provocaria se desencadearem.

Olhei em volta e vi um grupo de homens conversando em torno de um capô aberto. Pensei em ir lá pedir ajuda. Não. Acho que esse não era o objetivo da queda das chaves. Conhecer aqueles homens. Preferi atravessar a rua e entrar em uma oficina. Rapidamente um rapaz não muito bem-humorado, mas ainda assim atencioso, providenciou um pedaço de arame e resgatou as chaves. Ainda tentei brincar. “Parece pescaria, aquela brincadeira de criança”. Ele não riu. Eu fiquei quieta. Agradeci e disse que ele salvou meu dia. É. Conhecer esse homem também não justificaria a divina queda da chave no bueiro.

De repente, quem sabe, o atraso que a queda da chave causou não me salvaria de ser atropelada ali na esquina? Ou me faria pegar elevador lotado? Ou ainda, de repente, o incidente da chave era o único fato ruim de meu dia. Era o resumo de tudo que poderia acontecer de chato. Poderia ver metáforas ali. “Será que estou me sabotando, jogando a chave para novas portas fora?”. Ou de repente, nada mudaria. E até agora, uma hora depois, realmente nada estranho me ocorreu. Além desse pensamento sobre sorte e azar, destino, coincidência, sinais, o tal efeito borboleta.

Aí lembro de ontem, quando fui ao cinema e, ao sair, percebi que havia perdido o cartão do estacionamento. Voltei ao local onde o carro estava e procurei por ele no chão. Imagine que lá estava ele, dentro do carro, atirado no tapete o tempo todo. Olhei para minhas amigas e disse “não é possível que voltamos aqui à toa”. Era perfeitamente possível, mas não queria acreditar. E enquanto resgatava o cartão no tapete, vi no céu um bando de pássaros voando em formação V. Era noite e só o branco deles se destacava, refletindo o pouco de luz que existia por ali. Coincidência, sorte, azar, efeito borboleta, poderia ser tudo isso. Ou apenas nada disso. Coisas acontecem. Chaves caem em bueiros. Cartões de estacionamento somem.
Tirar lições, pensamentos, máximas disso tudo é bem divertido e até revelador, porque acabam refletindo tudo que se passa na minha cabeça. Uma análise de sopetão, rasteira e rasa. Mas que graça teria se só visse o que vejo? Se fosse racional ao extremo, objetiva, concisa e coesa? É. Com certeza muita coisa mudaria, a começar por esse texto que se resumiria à uma linha.
Minhas chaves caíram no bueiro. Ponto.
ilustração de gustavo mendonça.

10 comentários:

Anônimo disse...

É por isso que tô viciada nisso aqui, olha esse texto! Sabe, me acho meio louca por viver pensando dessa forma, que "há um motivo até para um espirro" na vida. Quem sabe tem, né? ;-)

Anônimo disse...

Eu acho que tem, hein... Nada é em vão. É a tal da teoria da barbuleta =D

Valerón, más una vez, muy gracioso su testículo.

Hein, Señorita Cuadros y Senõrita Cocozón, a mí me encantaria bailar um tango con las duas. jejejejeje

Bejitos, chicas! Y contem con míjas ilustraciones cuando así quiseren!

Anônimo disse...

eu também acho.
shit happens.
e só :)
beijo

Anônimo disse...

Às vezes, não pensar nisto tudo faz com que a tal coisa aconteça... ou não! Pelo menos esta viagem é divertida! Bjo!

Anônimo disse...

uma vez comprei um drops de halls e ele caiu no bueiro. também não entendi como ele conseguiu essa façanha. O.o

Anônimo disse...

Quem sabe elas caíram só pra vc escrever este texto maravilhoso?

saudades meninas,
Lele

Anônimo disse...

Ei! Vcs estão muito sumidas!... Terrorturbo - quinta - Move (coisa fina) - Skol Beats capixaba (ui!).

11 - 71528303 disse...

.


YabaDabaDuuuuuuuuu...!!!!!

(sim, os meus comentários sempre acrescentam...rs)




bjs.



Z

Anônimo disse...

.
gostoso de ler, gostoso de ver o desenhinho lindo! rsrs, beijo :)

VerLok disse...

Viajou na maio! ;)

Mas me reconheci nesse texto: meus pensamentos também são uma nuvem e não uma linha, menos ainda uma só. :)

Bem ou mal? Sei là...