Comecei a fisioterapia por recomendação médica. Um mau jeito nas costas que cismava em entortar o corpo para o lado esquerdo. Tensão, diziam. Concordei.
Naquela manhã tudo parecia igual. Minha cara inchada de sono rumava ao consultório. A secretária tinha o mesmo sorriso, minha blusa estava acidentalmente vestida ao contrário novamente, a médica desfilava com seu habitual coque. Sentei na cadeira de sempre e peguei a única revista de fofocas que ainda não tinha metade das páginas desfiguradas. Tudo acontecia de acordo com meu déjà vu bisemanal. Até que ela entrou na sala. Assim que meus olhos pousaram em seu rosto, uma informação estranha foi processada em meu cérebro.
- Com essa eu namoraria.
Arregalei os olhos, assustada com o pensamento. Olhei pra baixo tentando esconder as órbitas ainda projetadas. Meu deus. Será que fui em quem pensou isso? Será que alguém falou e acho que fui eu?
Fui então chamada pela fisioterapeuta. Segui para minha sala. Mas naquele dia, não importava pra onde eu fosse. Não conseguia fugir da imagem dela.
Achava que, se um dia me sentisse atraída por mulheres, seriam altas, fartas, morenas, cabelos volumosos. Não me conhecia mesmo. Porque ela sim era meu tipo. Estava ligeiramente acima do peso e meio fora de forma. Mas eu nunca diria isso pra ela. Jamais. Tinha curvas bonitas ainda assim. Seios médios, quadril largo e uma bunda alta, daquelas que começam assim que a coluna acaba. Era loira. Que estranho eu me atrair por loiras. Cabelos lisos e uma franja que quase cobria os olhos. E toda vez que ela passava, eu pensava ‘olha lá minha namorada’. E ria de mim mesma.
Ela me despertava algo novo e gostoso. Empatia, admiração, carinho. Queria falar com ela, saber a cor preferida, onde cortava o cabelo, que livro andava lendo. Adoraria ouvir ela reclamar dos problemas no trabalho, da falta de tempo para academia.
As semanas se passaram e notei que ela percebia minha presença. Me conhecia de vista. Mas também nunca me dirigiu uma palavra. Acho até que a flagrei olhando pra mim algumas vezes. Ou será que foi ela quem me flagrou? Não sei bem. Mas a ausência de bons dias, tudos bens e olás, criava um certo clima. Se era delírio meu, uma fantasia para deixar minha primeira paixão por uma mulher perfeita, nunca vou saber. Segui com cautela.
Passei a me ajeitar um pouco mais para a fisioterapia. Cuidei para vestir a camiseta do lado certo, passei um pouquinho de perfume e disfarcei as olheiras. Quando parava pra pensar que estava me arrumando para uma mulher, ria sozinha. Medo, misturado com ansiedade e entusiasmo. Não parei para refletir sobre lesbianismo ou bisexualismo. Ainda era eu, com os mesmos gostos musicais, literários. Era eu, com os mesmos amigos, as mesmas preferências. Tudo igual, exceto o amor platônico por ela. Não foi algo planejado, não foi um impulso adolescente, uma curiosidade nascida por alguma necessidade de mudança, como quem pinta o cabelo do nada. Apareceu. Pipocou que nem espinha. E eu deixei ali.
Fui me tornando mais feminina, delicada, mais acessível. Com homens sempre foi o oposto. Tentava ser mais forte, durona, mostrar pulso firme. Mas pra ela eu queria me mostrar leve, delicada. Nunca me senti tão feminina como naquela época.
Juro que um dia ela sorriu pra mim. De repente tentando apenas quebrar o gelo. Educação. Por mais que eu quisesse acreditar que estava sendo correspondida, preferia deixar as coisas como estavam. O que faria se ela me quisesse? Chamaria pra sair? Com homens é mais fácil. A maioria se contenta com algumas piadinhas bem feitas, um belo decote e uma boa perspectiva de sexo. Mas como eu faria com ela? Toda linda, fofa, doce. Sendo mulher, achava que sabia mais sobre nós mesmas. Vi que não entendia nada.
Voltei à ortopedista semanas depois. Para meu total desespero, minha coluna havia voltado ao normal. Fui dispensada da fisioterapia. Pensei em voltar lá e me abrir para a loira. Provocar um encontro sem querer. Ou pelo menos falar um bom dia. Em vez disso fiz nada. Preferi ter pra sempre a lembrança do que ela me despertou. Sem rejeições, sem brigas, sem nada. Guardei o gostinho da surpresa, do susto, do desejo inesperado. Mas não tem um dia sequer em que eu não torça pra encontrar minha namorada por aí.
ilustração de claudio frança.
26 comentários:
adorei, docinho. e preciso confessar que fiquei olhando a bunda de uma menina atravessando o sinal depois que li o texto :P
Essa da bunda alta me fez rir... hehe
A minha é bunda baixa, começa nos joelhos!
Hohohoho
Texto bonito.
Bjo!!!
Quando eu estava na faculdade sempre encontrava uma menina linda no ponto de ônibus. Acho que foi a única mulher que me fascinou até hoje. Engraçado que também nunca trocamos um oi ou bom dia e até hoje lembro dela! =)
Beijossss
Eu tb ja admirei mulheres lindas, e o melhor de tudo é assumir isso sem sofrer qualquer tipo de preconceito! Mas agora vou ter q medir minha bunda, pra saber se é alta ou baixa, e tb descobrir o q mais agrada!! hehehe
bjs, curto dmais esse blog!
Fique tranqüila; eu também tenho queda por mulheres. É a coisa mais normal do mundo. O difícil é levantar depois, mas pra isso serve uma boa fisioterapeuta.
Amplexos!
Eu tenho total queda por mulheres, principalmente as loiras...hehehehehe
O texto, muito bom, como sempre!
Beijos pras 'duas',
Edu.
hahhahahaahha
Muito bom o texto.
Como o brother aí de cima disse, eu só tenho queda por mulheres. E sempre olho pras bundas, ainda mais se chamarem atenção :P
Bjins.
www.valedoseulixo.com
Mulheres são seres magnificos, qualquer ser vivo se encanta por elas.
=]
Gostei do texto. muito bom!
Fiquei com vontade de ler os outros. Volto para conhecer mais de sua escrita com mais tempo. Parabéns!
Adorei o texto. Encantador!
Ah, dá pra entender... Altamente psicológicas, vocês =D
=*
É, eu também tenho uma namorada, só que ela não sabe! hehehe
Me identifiquei com o texto, acompanho o blog há tempos, rarmente comento, mas esse vale um cometário! Dificilmente eu descreveria com tanta "perfeição" essa coisa de "com os homens é mais fácil, se contentam com qualquer piadinha mau feita" sempre digo isso para o meu namorado...
Além de gostar demais do texto, eu também apreciei saber dessas coisas íntimas de vocês mulheres, reforçadas pelas meninas que confirmaram nos comentários.
É bom saber que experimentam - pelo menos um pouquinho - daquilo que passamos por vocês a vida inteira.
Um grande beijo e parabéns.
Adorei o conto e a descoberta desse blog (via Absurdos e Abstratos). Vou linkar no meu humilde espaço. Parabéns e beijos
Texto perfeito.
Cris
asesforcadas.blogspot.com
Deu voz a muita gente.
eu amo esse blog!
aaah, gostei do texto! É o primeiro que leio desse blog, e assim que eu apertar no botão 'publicar comentário' vou logo ler o resto... :D
beijim!
Muito bom... também tenho quedas por loiras, são as melhores!!!
texto ótimo!
E quem pelo menos um vez na vida não tem uma queda por uma mulher?
Acho que isso sempre acontece...
Primeira vez por aqui, ams estou adorando todos os outros textos!
parabéns!
Se a mulher nao fosse encantadora nao seria uma mulher.
desejo!
Esse é o melhor dos encantos: o puro.
Vocês têm meu respeito; grandes cronistas.
Beijos beijos.
opa, catfight à vista!
hehehe, brincadeirinha.
adorei a forma como a moça foi se deixando levar com um misto de medo e curiosidade, se sentindo ainda mais feminina com a situação, sem se desesperar com o sentimento "estranho".
soou verdadeiro.
beijo
Adoreeei!! Me identifiquei demais!! Estou pasma até agora.. rs esses ultimos dias uma menina do meu cursinho me despertou muita atenção, e fiquei confusa.. mas estou agindo igualzinho.. curtindo essa sensação.. espero que até o final do ano as coisas se esclarecam, ou não?rs
Voltarei aqui sempre!
Parabéns!!
ahhh que texto mais gostosinho...
ai ai
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