28.2.08

Da cor do pecado

Depois que ele passou correndo, pensou que agora só restavam 299 em Esparta. Era lindo, monumental é a palavra certa. As costas largas, a barriga com divisões exatas, a cabeça redonda, lisa e lustrosa, e tudo aquilo brilhando ao sol, suando, respirando compassadamente, em harmonia com as pernas que eram quase do tamanho dela. Sentiu um arrepio na espinha e suas partes íntimas se contraíram imediatamente. Suspirou e desejou mais do que tudo ser comida por ele, um deus de ébano. Pensou na sua avó, italiana, católica, conservadora e agradeceu por ela já não fazer mais parte deste mundo. Pena sentia pelo rocambole com doce de leite que nunca mais teve coragem de comer. Vovó era danada na cozinha.

Olhou pra trás e seguiu aquela tora que ia se afastando dela, fazendo contraste com a areia branca. Isso dava uma cena de filme. Todo o preconceito que a avó gostaria que ela herdasse e usasse com crioulos e negrinhas – era assim que sua vozinha se referia aos escurinhos, só serviu para alimentar nela uma curiosidade que crescia na medida que se distanciava dos laços familiares. Imaginou entrando no casamento da prima ao lado do seu afro-brasileiro e ouvindo o burburinho das tias que a essa altura não escondiam mais a cara de espanto e reprovação. Achou graça e riu enquanto mirava o traseiro do negro. Como são bem feitos, as carnes são duras, a boca é generosa, os dentes são alvos, a voz é melodiosa. O pau. Precisava ver como era. Nunca tinha visto, nem em revistas, em lugar nenhum. O último namorado tinha um cor de rosa, bonitinho, quase um brinquedo. Que reação teria ao ver um piru preto, grande e grosso? Teria coragem de colocá-lo na boca? Isso é, se coubesse na sua boca. A loja de chocolates vendia um desses que ainda vinham com marsmallow dentro. Você morde a ponta e aquele creme branquinho e espesso começa a sair do chocolate.

Será que deu pra perceber a forma como olhei pra ele? Por mais que ela tentasse alcançá-lo, sabia que não teria fôlego para correr tanto. Correndo atrás de um negão, quem diria. Tinha certeza de que se fosse loira ele teria olhado pra ela com mais entusiasmo. Não era feia, mas tinha aquele jeito impregnado de classe média que despreza tudo que sai do padrão. Odiava padrões, odiava a avó nesse momento. Velha mal amada. Lembrou-se que quando era criança via os desfiles das escolas de samba e admirava as mulheres que rebolavam e esfregavam suas bundas empindadas na frente da câmera da Globo. Pobre cinegrafista, deveria sonhar com aqueles rabos balançantes o ano todo. Parou de correr, as pernas não obedeciam mais. Ele agora era um ponto preto que iria desaparecer na curva a frente. Respirou fundo, arrumou os cabelos e seguiu firme para a loja de chocolates.

17 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o conto!

A revolta contra o preconceito materializada em tesão, hehe.

Pior que agora me deu a maior curiosidade sobre as afro-meninas...

E não vai ter loja de chocolates que resolva.

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

posso caminhar dia desses com vc, docinho? hehe

ô, texto bom. nota 10, parabéns, passou de ano:)
e eu, uma pedra.

S disse...

Haha, totalmente inesperado!
Quem é que precisa de preconceito contra morenos gostosos? nao tem quem aguente..

Eloy disse...

eh..um tanto quanto interessante :p


boa construção

nada mais a declarar!

beijos!

Giovana disse...

Não faz meu tipo p. preto, mas esse texto tá uma delícia!
;-)
E chocolate é sempre um bom "consolo", hehehe
Bjo meninas!!!

Anônimo disse...

Olá,

Acho que sua avó se revirou no túmulo, mas motivo melhor você não poderia dar a ela.

Delícia... de texto!

Bjs.

Anônimo disse...

hahahaha.
Otimo!!!!
aiuhauihuiha
adorei o blog, vou passar sempre que der.
;D

Anônimo disse...

Giovana,

P. preto é uma delícia. Melhor do que de chocolate, se duvidar. Do que de chocolate branco, nem se fala!

Ótimo texto. Me relembrou um afro não, um africano mesmo, que eu tive. :)

Darshany L. disse...

Será que deu pra perceber a forma como olhei pra ele?

Será?

Comentário nada a ver com o texto, no fim das contas. Mas algumas frases tocam lá fundo. Fuuundo.


http://garotadocasacoverde.blogspot.com

http://msbatataquente.blogspot.com

Anônimo disse...

Mmmm... eu tô vivendo coisa parecidinha, rsrs, mas não é um Deus de ébano, é uma coisinha muito linda praticametne adolescente. Affe.

MM disse...

Muito legal

Anônimo disse...

texto delicioso, tanto qnt um... chocolate!

Anônimo disse...

hahahaha
mucho bom :D
lembrei de um funk antigo de montagem..depois canto pessoalmente

Anônimo disse...

eu conheci o blog de vocês por uma amiga, que fez referência ao texto 'um amigo pra chamar de meu' lembrando do melhor amigo dela e me deixou com vontade de ler.
desde então, eu paro pelo menos uma vez a cada dois dias pra digitar o endereço desse blog esperando que alguma atualizão me alegre.
eu escrevi tudo isso só pra dizer que eu ia ficar muito feliz se vocês atualizassem com mais frequência :)

Dani Antunes disse...

Vcs sabem que o site banheiro feminino postou o "tenta sim... vai ficar lindo" de vocês?
Conheci o blog por lá e adorei!! =)
parabéns, meninas!
Bjs

Anônimo disse...

Um homem negro com todas as partes do corpo durinhas é muita tentação...
Muito bem retratado o poder que podem exercer sobre nós, loucas mulheres...rsrs
Falo somente para o meu psicólogo a pedido dele mesmo, para evitar a inveja alheia... E agora conto pra vocês que não o conhecerão... um dos maiores prazeres que tenho nesta vida é acordar de manhã e ver aquele corpão deitado na minha cama... dar uma última olhada antes de ir para o trabalho e imaginar aquele mesmo corpo "trabalhando"... não tem nada a ver com amor, não... é tesão puro mesmo...
Show!!

Anônimo disse...

Oi,

Olha, falar que os negros tem preferência por loiras, também é um conceito pré estabelecido sem conhecimento de causa, não acha? Generalização...

Não foi uma afronta, foi uma alerta contra o preconceito linguístico.

Seu blog é magnífico!

Um abraço, Gael