Me senti diferente quando minha mãe perguntou-me de onde tirava minhas idéias. Não soube responder, mas nada do que ela pensava fazia sentido para mim. Via em minha mãe o modelo da mulher anulada, traída, submissa, acovardada, que se submetia a uma condição por medo de mudá-la, não importando o sofrimento que toda a existência de um casamento feito de mentiras lhe causava.
Vi uma mulher que foi linda se encurvar, se amargurar, secar. Tudo por causa de um amor que não foi correspondido, de um lar que não foi conservado sem máculas. Talvez a resposta para a pergunta que ela me fez estivesse justamente aí: mãe, não quero ser como você.
Sou pouco convencional, mas também não sou nada louca, sou extremamente comum, ordinária, passo despercebidamente nos lugares. Somente desenvolvi alguns pensamentos diferentes dos da minha mãe. Prezo a liberdade e tudo de bom que ela traz. E aceito as coisas ruins também. Acredito que podem existir várias formas de amar, que um relacionamento pode sim ter o sexo como o fator mais importante. Para minha mãe, isso é o absurdo dos absurdos. Então nunca consegui fazer ela entender que gosto de ser desejada e desejar. Aprendi a não ter vergonha disso. Mas por que demorei tanto a perceber isso? A avalanche de conceitos conservadores que eram despejados em meus ouvidos todos os dias não deixavam que as doses de culpa e vergonha que cada ato de prazer provocava se esvaíssem de mim.
Não existe nada pior que culpa e vergonha. E também o medo. É o trio fantasma, principalmente na vida de uma mulher que é mãe, é solteira e ama viver. Aos poucos percebo que me despir de normas e estruturas pré-estabelecidas é o caminho mais tranqüilo que posso seguir. Criei meu filho sozinha e hoje ele é um menino seguro, saudável, bem-humorado, sem medos ou travas. Nesses onze anos acho que consegui separar a mãe da mulher e não me tornar uma só. Ser flexível, mais uma vez, me ajudou. Meu filho me respeita, me admira, me ama e me elogia. Mais do que uma relação de mãe e filho, sou feliz por estar construindo uma relação entre um homem e uma mulher. Somos apaixonados um pelo outro, mas temos nossos espaços respeitados. Ninguém me ensinou a ser assim, mas acredito que minhas idéias tortas me ajudaram muito.
Agora quero aprender a ser também flexível num novo relacionamento. Quero o amor de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre. Quero amar no momento em que sentir vontade e de maneiras diferentes, mas sem magoar ninguém. Sei que é difícil ou até impossível, mas gostaria muito de tentar. Minha mãe se fechou para um novo amor por acreditar que é impossível existir um homem fiel. Eu quero fazer o contrário. Quero acreditar que é possível amar e ser amada por pessoas diferentes, no mesmo instante. E ainda assim, ser uma pessoa normal.
ilustração: www.vidabesta.com
10 comentários:
Oi Val e Elisa, faz uns dias que estou lendo sempre seu blog... continuem assim! ;-) Andrea
apesar de que ser normal pode ser bem chato, às vezes. por que não um amor correspondido e uma vida anormal ao lado dele, cada um com seus limites? acho que tô querendo demais... rs. muito bom! bjocas!
esse conceito é bem interessante, mas não acredito nele a longo prazo. como uma fase pode ser muito proveitoso, mas chega uma hora em que a natureza fala mais alto e a gente tende a se voltar para uma pessoa apenas.
pessoalmente, não me atrai muito, mas às vezes pode ser bastante proveitoso.
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Pra cima deles, Robinhooooo....!!!!!
:^P
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Muita coisa andou pra você desde a última vez que te encontrei. Agora descobri o seu blog, dica de um amigo em comum da mesma época cujo encontro foi um acaso. Fique em paz!
Hum... isso não dá certo não, pode ter a certeza. Mas o bom de uma fase assim é que a gente aprende que o amor não é perfeito, e a "sua única pessoa", mesmo não sendo o seu sonho azul, é a certa pra você. Texto inteligente, pra variar, né? Bjo!!!
oi marcelo, é um prazer ter vc aqui no blog. mas nem eu nem val conseguimos lembrar de onde a gente conhece vc. dê mais dicas, nossa memória não é lá essas coisas :) beijo, elisa
pois é... mães são espelhos até onde não deveriam ser. o bom é quando a gente se liberta.
...e eu fico me perguntando: quando vcs vão lançar esse livro? hehehe, bj.
essas reflexões sobre relacionamento e maternidade me tocaram profundamente... excelente texto e muito boa análise. Viva Simone de Beauvoir! (que tinha lá um namorado com quem morava e vivia com Sartre quando queria...ô coisa bem resolvida!)
beijos!
INTELIGENTISSIMO O TEXTO ;)
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