16.8.07

A carta que não mandei

Foi engraçado a forma como achei que você me olhou quando fomos apresentados (novamente) um para o outro. Enquanto nos cumprimentávamos, pensava: já nos falamos antes, sei quem você é, sei dos lugares onde você trabalhou. Não chegava a ser sua fã, mas tinha uma simpatia por você que não sei de onde vinha. Talvez pelos amigos em comum que temos e que sempre falaram bem de você. Talvez por você ter um olhar ligeiramente estrábico, que pode ser um charme, dependendo de quem vê.

Mas quis acreditar que você me cumprimentou com relativa empolgação. E fiquei feliz por isso. Um tempo depois recebi seu e-mail, que tinha no assunto uma numeração. Era o primeiro – e no instante seguinte depois de lê-lo, imaginei que iríamos começar uma sistemática troca de informações sobre nós mesmos, sobre nossas vidas, nossas opiniões, nossas expectativas e tristezas. Em horas como essa, detesto pertencer ao estereótipo feminino. Mulheres em geral criam situações absurdas somente com uma troca de olhares. Se imaginam namorando, tendo alguém para levar nos almoços de família, viajando para uma cidade romântica no sul da Itália. Enquanto para o homem aquela troca de olhar não passa de um queria te comer hoje à noite.

No meu caso, tenho uma explicação. Tudo bem se não quiser saber e parar de ler neste instante. Aprendi a lidar com a rejeição. Claro que ela me afeta, mas consigo voltar ao normal em um ou dois dias. Aguardei ansiosamente por outro e-mail seu, e desejei que o próximo fosse sair da esfera de assuntos amenos e começar com linhas mais densas e interessantes. Mas não, a resposta que veio foi ainda mais distante e sem uma pista sequer de todo aquele interesse que supostamente imaginei que tivesse tido por mim.

Vou tentar explicar por que isso acontece. E provavelmente não acontece só comigo. Deve ser mais comum do que imagino. Vivo em um relacionamento que já não sei onde eu começo e onde termino. Me misturei tanto com aquele que divide comigo a mesma cama, a mesma mesa, o mesmo sofá que cedi a algumas convicções, adquiri outras, mas com certeza não sei mais me descrever. Antes de termos uma relação tão íntima com alguém deveríamos registrar em cartório aquilo que somos. “Declaro que sou o que sou e que só irei mudar diante de grandes vantagens”. Mas não é assim que acontece, você sabe bem. E é aí que você deveria entrar. Quis que você fosse o herói da minha história, que me resgatasse e fizesse me lembrar de quem fui.

Não me decepcione dizendo que sou eu que tenho que dar um basta se não estou feliz. Não quero que você seja pragmático, isso é para ser uma carta romântica. No momento em que nos falamos, que trocamos o primeiro e-mail, não me importava se você era casado, se tinha filhos, se estava apaixonado por sua mais nova amante, se queria deixar o emprego e abandonar tudo sem avisar ninguém. Desejei somente ter alguém para me desconcentrar, alguém que mostrasse um verdadeiro interesse por mim, alguém para me fazer pensar diferente. Nesse momento me passa pela cabeça se você também não queria o mesmo de mim. Se agora estamos os dois pensando: por que não tivemos coragem para tentar?

16 comentários:

Elisa Quadros e Valeria Semeraro disse...

que carta bonita e sincera, docinho.
bom que não foi mandada, senão nem estava aqui:)
beijooooo

Anônimo disse...

Ei, vcs podiam assinar os textos hein! Pra nós, meros leitores, sabermos quem é quem né.

Bjos :*

Anônimo disse...

Oi meninas!
Cheguei aqui através do 'misquilinas'...
Cheguei e fiquei.
Desde segunda-feira venho lendo todos os dias o blog.
Li TODOS os textos!
Adorei todos...
Me vi em muitos, vi conhecidos, e vi histórias que gostaria ter escrito.
Em alguns textos dei risadas, em outros fiquei pensativa...
Putz, virei fã.

bjos

Giovana disse...

Caramba. Cada vez mais fico impressionada como vocês escrevem as coisas. Esse blog é surpreendente!
Esse texto mesmo, esse da carta, poderia ter sido escrito por mim. É exatamente o que eu queria ter dito há tempos atrás pra uma pessoa que mexeu bastante comigo.
Aliás, se você não mandou a carta, eu a mandei, mas de um jeito muito idiota, hehe
Adorei, adorei esse texto, muito e muito ;-)
Bjo meninas!

Anônimo disse...

Como pode???
Escrever coisas tão íntimas e tão comuns à nós...


Amo esse blog!
Em vez de Redatoras de Merda, deveria se chamar "Eu sei o que se passa com vc..."hauheuaheuaheuahea

=D

Anônimo disse...

verdade.. por quê não tentamos!?

Cléu Sampaio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Comecei a ler e parecia que era eu mesma falando, sobre algo presente. No fim, (que complexo!!) percebi quer era algo ocorrido, perdido no tempo, mas que nunca se perdeu no coração.
Texto válido para todo mundo e em qualquer tempo. O máximo!

E sim, vcs podiam assinar pra sabermos quem escreveu o que...

Anônimo disse...

Engraçado esta história. Parece que vocês sabem ler mentes. rs
Tudo que foi escrito acontece comigo.
Fico aqui só na vontade.

Belo blog.

Bjks,

P.

Cris disse...

Hum, adorei o texto, mas vocês podem me explicar como fazem pra não se descabelar pelo perdido mais de 2 dias? (rs)
beijo

Anônimo disse...

É...eu não tentei.
Poderia ter tentado sim. Mas ele tinha uma pessoa...e ele também não tentou. Fomos covardes, os dois. Somo caovardes ainda. Já passou! Mas fica. Fica aqui dentro. Até quando vai ficar?

Até o dia em que formos apresentados (novamente) um ao outro e talvez recomecemos. E ele tiver coragem de me enviar por e-mail todas as coisas que não teve na época...

Obrigada meninas.

Manu Negri disse...

Não é a primeira vez que tenho a impressão de que o texto parecia ser escrito por mim. Acho que todo mundo consegue se identificar neles, e isso é muito legal :)
"Quis que você fosse o herói da minha história, que me resgatasse e fizesse me lembrar de quem fui." ó_ò

E a última frase, ah, é de matar. Sempre a última frase...

teo netto disse...

meu deus, estu começando a achar que vocês abduzem as pessoas sabia?
gostei do texto!
bjs

Lívia disse...

Olá, Elisa, olá, Valéria.

Eu gostaria de saber se as duas gostariam de publicar esporadicamente no LivinRooom, a revista literária que eu edito.

http://www.livinrooom.com

Um abraço,

Lívia.

bacana disse...

Olha, sou um homem sensível, pode acreditar. Pode perguntar por aí... Tenho certeza que, tão sensivel que sou, algumas moças de meu passado vão até botar defeito: "Ah, sei lá...ele é meio mulherzinha (diriam)".
Não vá me entender mal. Também sei (e gosto) de chegar junto. Aquela história de que mulher gosta de dizer: "Homem tem que ter pegada".
Eu tenho. Gosto, porém, de romamce e acho o universo feminino fascinante. Quero conhece-lo e compartilha-lo. Quero ser amigo também.
Sua bela carta (e alguns dos comentários), entretanto, demonstra-me cabalmente a limitação de meu projeto.
Sei lá, pode ser genético, talvez kármico ou são as diferenças de volutas na constituição cerebral.
Tenho de me conformar.
Nunca alcancerei o mistério da mente de uma mulher!
Eu sei que você sabe que a noite do "queria te comer hoje" pode ser a véspera daquela viagem para a cidadezinha no sul da Itália, ou não.
Eu sei também que você sabe a diferença do abstrato para o concreto, do subjetivo para o objetivo.
O que eu não sei é como é que você não convidou o cara para um café.
Espero não ter soado decepcionantemente pragmático, não era minha intenção.
Ao contrário, estava confessionalmente assumindo que devo deixar de ser tão mulherzinha.
Como sugere Matt Ridley em "The Red Queen", homens e mulheres são animais diferentes que entraram em simbiose lá atrás. Comunhão de almas, então, fica difícil.
Já a história do café pode dar certo (mas o que é dar certo para bichos tão estranhos?).

beijo bacana
ps:acredite...me convidaram e deu.

Anônimo disse...

o passo final para alguma coisa é sempre o mais difícil. mas é engraçado como ele costuma vir tão de repente. acho que é um dos poucos momentos em que me permito ser impulsivo. calculo tudo, fico cozinhando por um tempão, analiso cada detalhe. e, de repente, em um dia que deveria ser como os outros, simplesmente movo os músculos e faço o pé chegar centímetros à frente. quando percebo, já dei o tal último passo (que pode vir a ser o primeiro, visto por uma ótica diferente). e aí não tem mais como voltar.
beijos, meninas.


ps: vcs estão sumidas e eu não to gostando nada disso. elisa então... hunf. =/